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Os sujeitos activos do artigo 382.º-A do Código Penal e 18.º-A da

II. Elementos agentes do crime de violação das regras urbanísticas

1.2. Os sujeitos activos do artigo 382.º-A do Código Penal e 18.º-A da

O artigo 382.º-A do Código Penal e o artigo 18.º-A da Lei n.º 34/87, especificam a qualidade dos agentes em termos absolutamente claros: ou são funcionários ou são titulares de cargos políticos.

Esta categorização dos agentes decorre, necessariamente, da descrição do ilícito-tipo; ou seja, só funcionários – um certo tipo de funcionários77 – ou titulares de cargos políticos

– determinados eleitos locais, porque são aqueles agentes que detêm poderes e competências para intervir em procedimentos urbanísticos - é que podem, concretamente, praticar a acção ilícita típica.

Quanto ao objecto há uma relação específica do tipo fundamental previsto e punido no n.º 1 e do tipo agravado do n.º 2 dos citados preceitos em que os sujeitos activos são respectivamente funcionários (artigo 386.º, n.º 1, alínea d), do CP) e titulares de cargo político (artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 1, alínea i) da Lei n.º 34/87).

É importante notar que o n.º 1 do artigo 382.º-A abrange, dada a especificação contida no n.º 2 do mesmo preceito, os actos ilícitos praticados em solos urbanizáveis. Aqui, o legislador como que expande o alcance da norma, no sentido em que não só penaliza a construção ilegal em solos onde ela não deverá ocorrer como dá dignidade penal ao cumprimento das regras de urbanização nos locais onde a lei permite construir. Desta forma, o legislador pretendeu, a nosso ver, “obrigar” os decisores intervenientes em procedimentos de urbanização a agirem com transparência, isenção e integridade e a demonstrarem perante os administrados que a administração pública rege-se por estritos critérios de legalidade.

Ou seja, quem informar ou decidir favoravelmente em processo de licenciamento ou autorização, ou prestar declarações falsas sobre leis ou regulamentos aplicáveis em

75 Idem, art. 13.º. 76 Idem, art. 10.º a 19.º.

77 Cfr. DAMIÃO DA CUNHA, O Conceito de Funcionário, para Efeito de Lei Penal e a “Privatização” da

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vigor à data da prática do acto, dada a sua qualificação de “funcionário”, comete um crime que é agravado em função dos bens jurídicos protegidos no n.º 2 do artigo 382.º- A CP.

Por se tratar de tipos-legais introduzidos recentemente no nosso ordenamento jurídico não existe, sobre esta matéria, doutrina e jurisprudência abundantes.

Não obstante é já possível divisar uma crítica pertinente à construção formal das normas e à definição dos sujeitos agentes destes crimes.

Para DAMIÃO da CUNHA a definição dos sujeitos agentes do crime previsto nos artigos

382.º-A do CP e 18.º-A da Lei 34/87 constitui “uma incoerência do legislador nacional”, o qual se socorre, para descrever a conduta típica quanto à descrição dos elementos subjectivos78 do crime de prevaricação do artigo 369.º do CP. Com efeito este crime de

prevaricação bem como o de denegação de justiça não é aplicável a todo e qualquer funcionário, afastando a administração pública e os eleitos locais quando actuam no âmbito da prática de actos meramente administrativos79.

Como nota PINTO de ALBUQUERQUE, “a actuação contra direito inclui não apenas a interpretação objectivamente errada da norma, mas também a incorrecta apreciação e subsunção dos factos à norma, seja em decisão interlocutória ou final, singular ou colectiva”80.

No mesmo sentido, MEDINA SEIÇA,esclarece que “não se exige que (…) o prejuízo ou benefício de uma pessoa tenham efectivamente ocorrido, bastando (…) a existência daquele particular elemento intencional”81.

Já para CARMO DIAS,“o acto de conduzir ou decidir contra direito, significa (por acção ou omissão) contra a lei, de forma ilegal, seja contra norma vigente ou contra princípios ou interesses protegidos. No fundo está em causa o abuso da função do titular de cargo político e a consequente violação do dever de respeito pela legalidade, de actuação com

78 Cfr. DAMIÃO DA CUNHA, A Reforma…, Ob. Cit., pp. 110-111.

79 Cfr.PINTO DE ALBUQUERQUE, Ob. Cit., p. 962, anotação 5-6. O crime de prevaricação no seu correcto

sentido é forçoso que a actuação do funcionário, sujeito activo actue no exercício dos “deveres de cargo” em cada caso concreto só abrange funcionários magistrados, funcionários judiciais, jurados.

80 Cfr. PINTO DE ALBUQUERQUE, Ob. Cit., p. 872, quanto ao crime de denegação de justiça e prevaricação

previsto no artigo 369.º do CP, onde igualmente se refere na actuação “contra direito”.

8181 Cfr. MEDINA SEIÇA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, p. 622,

também quanto ao crime de denegação de justiça e prevaricação previsto no artigo 369.º do que também se refere à «intenção de prejudicar ou beneficiar alguém» ”.

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imparcialidade, com objectividade e com justiça, inerentes ao cargo, o que conduz a um «desvio de poderes»82.

O desvio de poder é o vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo determinante que não condiga com o fim que a lei visou conferir aquele poder83. Na jurisprudência do STA é condição relevante para a anulação de acto que a administração actue com dolo, com o propósito consciente e deliberado de prosseguir um fim ilegal, isto é, quando se verifica que o motivo da prática do acto não condiz com o fim específico para o qual a lei entregou ao órgão administrativo o poder, ainda que se tenha prosseguido o fim atinente ao interesse público em desobediência à lei84.

O legislador remete para “funcionário” para efeitos do artigo 386.º-A da presente lei, como agente do crime, não definindo, em concreto, quem é funcionário.

Assim sendo, teremos que considerar este conceito e funcionário em sentido lato.

Recorrendo à doutrina explanada por PINTO DE ALBUQUERQUE85, este autor nada

esclarece sobre a questão, tão só nos indica que a “inserção sistemática do novo crime na secção relativa aos crimes de abuso de autoridade sublinha a violação dos deveres funcionais do funcionário distinguindo-o claramente do crime contra a realização da justiça, o crime de denegação de justiça e prevaricação”. Com efeito, releva para efeitos da comissão do crime de violação das regras urbanísticas “a violação dos deveres funcionais”, do funcionário autárquico mas não basta.

É necessário definir quem é funcionário de facto, funcionário com “poderes de cargo86” para intervir no acto concreto que pode integrar o conceito para efeitos penais para a prática do ilícito: informe, decida favoravelmente em processo de licenciamento, autorização ou preste informação falsa sobre as leis ou regulamentos aplicáveis.

Com efeito, o n.º 2 do artigo 243.º da CRP dispõe que “o regime jurídico aplicável aos funcionários e agentes da administração local é o mesmo dos funcionários e agentes do

82 Cfr. CARMO DIAS, Comentário ao artigo 11.º, PINTO DE ALBUQUERQUE, coord. II – JOSÉ BRANCO CDU

343.2, in Comentário das Leis Penais Extravagantes – Lisboa: Universidade Católica Editora, 2010, p. 752, Anotação 16.

83 Cfr. FREITAS DO AMARAL, Ob. Cit., p. 308.

84 Cfr. Ac. do STA n.ºs 008236, de 16..06.73; Ac. n.º 017518, de 18.03.99; Ac. n.º 045631, de 23.01.2001,

in www.dgsi.pt.

85 Cfr. PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário…, Ob. Cit. p. 1015. 86 Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Ob. Cit., p.749.

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Estado” (…), determinando que “os órgãos das autarquias locais devam respeitar (…) o respectivo estatuto disciplinar87 estabelecido na Lei n.º 58/2008, de 09.09.88

Resulta do exposto que, a nosso ver, os funcionários meramente administrativos não integram o conceito de funcionário para efeito da lei penal; logo, ficam excluídos do núcleo de agentes do crime de violação das regras urbanísticas.

Com efeito, há a necessidade de recorrer a legislação complementar que nos permita concluir de entre o universo de funcionários quem é o titular de poderes que preencha as qualidades para a prática dos actos desta nova incriminação.

Como decorre da legislação subsidiária, designadamente da LAL e do RJUE, a decisão administrativa em matéria de urbanismo é uma sequência de actos que seguem um procedimento horizontal que começa, na autarquia, com a intervenção do gestor do procedimento administrativo, cuja função está limitada à recepção do requerimento e à verificação formal dos elementos que o integram e a comunicar ao particular os actos procedimentais.

Cabe ao gestor técnico89, que integra o departamento de licenciamento de obras

particulares (habitualmente designado Divisão de Gestão Urbanística), nomeado pelo administrador do procedimento que é o órgão competente para a prática da decisão final, o qual intervém após o despacho saneador exarado pelo Director de Departamento administrativo (cf. n.º 10 do artigo 11.º do RJUE), verificar se a pretensão observa a legislação em vigor e os planos de ordenamento.

Com efeito o funcionário “gestor técnico” promove todas as diligências necessárias enviando um exemplar para cada entidade externa ao município que por força da Lei deva pronunciar-se sobre o pedido e pratica os actos necessários no procedimento até à fase final que termina com e emissão da informação final concluindo com a “proposta de decisão”.

Esta proposta de decisão é exarada e subscrita no procedimento, sendo submetida à apreciação do superior hierárquico (um dirigente, em regra um chefe de divisão) com um sentido de decisão, podendo ser “deferimento” ou “aprovação” se se tratar de

87 Idem, anotação I e II p. 750.

88 Cfr. Art.º 1, n.º 2 do art.º 2, art.º 3.º, at.º 7 da Lei 58/2008, de 9.9, que definem o vínculo dos

funcionários autárquicos ao regime da função pública e deveres na prossecução do interesse público sob pena de sanção disciplinar ou expulsão em caso de violação desses deveres gerais ou especiais com culpa grave ou mera culpa.

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pretensão que cumpra as leis e regulamentos aplicáveis em vigor; ou com um sentido de “indeferimento” quando esteja perante pretensão que viole as leis e os regulamentos em vigor. Esta proposta é remetida sob a fórmula “à consideração superior”.

O dirigente do serviço, em regra o Chefe da Divisão de Gestão Urbanística, limita a sua intervenção à apreciação da Proposta de Decisão e, se estiver de acordo com a proposta de decisão, apõe a fórmula: “concordo”.

A fase procedimental seguinte é a remessa do processo, para decisão final, ao titular do órgão competente com poder de decidir – a Câmara Municipal – ou o Presidente da Câmara ou o Vereador com o pelouro das obras particulares, se se tratar de competência que esteja delegada ou subdelegada.

Atenta a sequência dos actos no procedimento e a relevância que cada um deles tem para a formação da decisão final teremos que concluir que serão sujeitos activos para a prática do crime quem informe90, ou preste informação falsa sobre leis ou regulamentos

aplicáveis no procedimento de licenciamento, comunicação prévia ou de autorização (procedimentos do RJUE ou do RGEU91).

A mesma situação se verifica no procedimento de “Informação Prévia92” (que não se confunde com “Comunicação Prévia”) sendo um meio facultativo que o RJUE coloca

90 Cfr. DAMIÃO DA CUNHA, in, A Reforma…, Ob. Cit., p. 112. Em anotação 146: sobre o significado da

expressão “informe” que o legislador nacional utilizou sendo que no Código Penal Espanhol consiste num relatório global contendo todas as informações técnicas e jurídicas que fundamentam a decisão. No ordenamento administrativo português será o equivalente à “proposta de decisão” final do procedimento em que não é prática habitual constar o parecer jurídico. Este parecer jurídico é habitual a sua utilização pelo órgão decisor quando pretende inverter o sentido da proposta de decisão que indo em sentido de indeferimento pretende “iludir a lei” para deferir a pretensão alegando motivos de ponderação para violar a lei a que deve obediência por não estar perante opções a ponderar que só existem quando actua dentro dos seus poderes discricionários.

91 Cfr.

Assim PEDRO CAEIRO, a propósito do crime de denegação de justiça e prevaricação (artigo 369º), in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra, Coimbra Editora, 2001, págs. 614, 617 e 618.

Embora a propósito de titular de cargo político, defende-se no Ac. do STJ de 2.3.1994, proc. nº 045044 (in www.dgsi.pt) que não incorre no crime de prevaricação, nem no crime de denegação de justiça, “o Presidente da Câmara que, fundado num parecer de jurista da sua Câmara, defere um pedido de licenciamento de obras, ainda que estas não estejam conforme ao RGEU”. Decisão que não perfilhamos, por demonstrativa de um crime em comparticipação que deveria ter uma decisão de mérito nos termos legais. Como é evidente este meio de recurso ao parecer do jurista, excepcional nas autarquias locais, visa “iludir a lei” para favorecer amigos ou um “acto acordado” mais coincidente com o crime de corrupção.

92 Cfr. Ac. do STA n.º 01018/08, de 12.3.2009 (in www.dgsi.pt) onde se afirma: “A informação prévia

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ao dispor do particular (artigo 14.º), mas que é constitutivo de direitos na esfera deste, cujo procedimento segue a via dos demais procedimentos em matéria de competências, nomeadamente de pareceres (artigos 13.º, 13.º-A e 13.º-B), emissão de informação final e proposta de decisão ou aprovação sendo da competência da Câmara Municipal (artigo 16.º), o poder de decidir, sem prejuízo de delegação do poderes.

Do exposto conclui-se que o funcionário gestor técnico do procedimento ou o chefe de divisão, a nível autárquico, não é sujeito activo para a prática do crime “decidir” previsto no artigo 382.º-A do CP e 18.º-A da Lei n.º 34/87, por incompetência absoluta. Ainda que estes agentes actuem com poderes delegados ou subdelegados, estamos perante actos nulos93 por inexistência de lei de habilitação o que poderia levar à

existência do crime de usurpação de poderes.

Sobre este tipo de crime refere FREITAS do AMARAL que a sua verificação “consiste na

prática por um órgão administrativo de um acto incluído nas atribuições do poder legislativo, do poder moderador ou do poder judicial94.

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