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CAPÍTULO 3 – DANDO FORMA À PESQUISA

3.1.2 Os sujeitos e a educação de jovens e adultos

A história da educação de jovens e adultos tem se mostrado muito mais tensa do que a história da educação básica. Por muito tempo e ainda hoje, essa educação tem sido marginalizada, ficando “à mercê” de projetos voluntários, organizações não governamentais, sendo vista como educação de caráter compensatório.

O público atendido por essa modalidade de ensino é constituído, em sua maioria, por jovens e adultos trabalhadores, pobres, negros, subempregados, oprimidos, excluídos. As dimensões de condição humana desse público são de fundamental importância para as experiências de educação. É necessário pensar que a EJA atende a pessoas excluídas, não pelo fato de serem analfabetas, mas, ao contrário, que são analfabetas devido a questões sociais, como a pobreza, a exclusão, o preconceito.

Segundo Arroyo (2001), as propostas educativas escolares sabem que, para incorporar concepções ampliadas de educação, têm de violentar a estrutura escolar. Mas a EJA não vem desta tradição, pois aprendeu a educar fora das grades e dos regimentos escolares e curriculares.

A EJA é ancorada em uma visão totalizante do jovem e do adulto como ser humano com direitos, sujeitos que trazem uma bagagem cultural e uma vivência ampla. A EJA busca não apenas alfabetizar, mas formar o sujeito como um ser pleno, social, cultural, cognitivo, ético. Freire (2000) afirma que:

Se a minha não é uma presença neutra na história, devo assumir tão criticamente quanto possível sua politicidade. Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade de que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas para participar de práticas com ela coerentes. (FREIRE, 2000, p. 33)

Arroyo afirma que o mérito dos projetos populares de EJA tem sido adequar os processos educativos à condição a que são condenados os jovens e adultos. Não o inverso, que eles se adaptem às estruturas escolares feitas para a infância e a adolescência.

A alfabetização na EJA, por exemplo, adquire outra qualidade, em que a apropriação da leitura se vincula a uma nova condição humana, de pessoas com a capacidade de se envolver e participar de práticas políticas, sociais e culturais. Isto é, de se desenvolver como sujeitos. Os vínculos entre alfabetização de adultos e libertação, emancipação, são marcantes nessas experiências de EJA.

Ainda Arroyo (2001) afirma que os olhares sobre a condição social, política e cultural dos alunos de EJA têm condicionado as diversas concepções da educação que lhes é oferecida, "os lugares sociais a eles reservados – marginais, oprimidos, excluídos, empregáveis, miseráveis...– têm condicionado o lugar reservado a sua educação no conjunto das políticas públicas oficiais". (Arroyo, 2001, p.10)

O autor chama a atenção para o discurso escolar que os trata, a priori, como os repetentes, evadidos, defasados, “aceleráveis”, deixando de fora dimensões da condição humana desses sujeitos, básicas para o processo educacional. Ou seja, concepções e propostas de EJA comprometidas com a formação humana passam, necessariamente, por entender quem são esses sujeitos e que processos pedagógicos deverão ser desenvolvidos para dar conta de suas necessidades e desejos.

Construir uma EJA que produza seus processos pedagógicos, considerando quem são esses sujeitos, implica pensar sobre as possibilidades de transformar a escola que os atende em uma instituição aberta, que valorize seus interesses, conhecimentos e expectativas; que favoreça a sua participação; que respeite seus direitos em práticas e não somente em enunciados de programas e conteúdos; que se proponha a motivar, mobilizar e desenvolver conhecimentos que partam da vida desses sujeitos; que demonstre interesse por eles como cidadãos e não somente como objetos de aprendizagem.

não posso de maneira alguma, nas minhas relações político-pedagógicas com os grupos populares, desconsiderar seu saber de experiência feito. Sua explicação do mundo de que faz parte a compreensão de sua própria presença no mundo. E isso tudo vem explicitado ou sugerido ou escondido no que chamo “leitura do mundo” que precede sempre a “leitura da palavra” (FREIRE, 2000, p. 81)

Para transformar esse quadro, a EJA deverá se abrir para incorporar a pluralidade dos seus sujeitos, compostos de conhecimentos, atitudes, linguagens, códigos e valores que, muitas vezes, são desconhecidos ou vistos de forma desvalorizada pela cultura escolar e pelos currículos tradicionalmente oferecidos. Deve abandonar os modelos tradicionais de suplência e inventar novos modos. Além disso, deve-se ultrapassar o enfoque da Educação de Jovens e Adultos como educação compensatória, em favor de uma visão mais ampla e permanente. Os conteúdos curriculares precisam ser pensados no contexto da identidade e das aspirações dos diversos sujeitos da EJA. É preciso adotar estratégias pedagógicas e metodologias orientadas para a otimização da formação específica de professores e gestores responsáveis por esse modo de fazer educação, bem como construir uma nova institucionalidade nos sistemas de ensino.

Di Pierro (2005) assinala que a identidade da EJA não foi construída com base nas características psicológicas ou cognitivas das etapas do ciclo de vida (infância, juventude e velhice), mas em uma representação social. Essa representação social está arraigada tanto no estigma que recai sobre as pessoas analfabetas quanto numa perspectiva que atribui a esses educandos uma relativa homogeneidade sociocultural em virtude de sua “condição de camponeses ou migrantes rurais (ou sua descendência) e trabalhadores de baixa qualificação pertencentes a estratos de escassos rendimentos” (Di Pierro, 2005, p. 1120)

A imagem que os educandos têm da escola tem muito a ver com a imagem que têm de si mesmos dentro dela; parte daí a importância de se valorizar esse ensino e promover uma educação de qualidade, que valorize seus sujeitos e possibilite a eles condições de participação e desenvolvimento social.

A educação de jovens e adultos deve garantir acesso à cultura letrada, participação mais ativa no trabalho, na política e na cultura. Seus sujeitos têm necessidade de acesso a informações, de assumir direitos e deveres. É um grupo homogêneo do ponto de vista socioeconômico, mas heterogêneo culturalmente. Os alunos de EJA trazem uma bagagem que inclui conhecimentos sobre o mundo letrado, adquiridos em breves passagens pela escola ou na realização de atividades cotidianas.

O problema não está então, mais uma vez, na oferta de vagas, mas na preocupação em se fazer da EJA uma educação comprometida, que vise não apenas à diminuição da taxa de analfabetismo, mas à formação de sujeitos aptos a ingressarem na sociedade de forma ativa, com consciência crítica e questionadora.