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2.1. A capela do rei no Mosteiro de Santa Maria da Vitória: um programa dinástico

2.2.2. Os túmulos da Ínclita Geração: um programa uniforme

Na parede de fundo da capela (lado sul) encontramos os 4 túmulos em arcossólio de quatro dos filhos de D. João I e D. Filipa (Fig.38). Da direita para a esquerda, e seguindo a ordem hierarquicamente estabelecida, temos: D. Pedro (1392- 1449), duque de Coimbra, e sua mulher D. Isabel de Urgel (1408?-1469) 150; D.

Henrique (1394-1460), duque de Viseu; D. João (1400-1442), mestre da Ordem de

149 Não sabemos se os jacentes seriam inteiramente policromados, assim como os suportes da arca

tumular, de onde até agora não foram encontrados vestígios de cor.

150 Sua mulher, D. Isabel de Urgel, tem um túmulo atribuído a si no convento de S. Clara-a-Nova,

Coimbra (originalmente em Santa Clara-a-Velha). Trata-se de um túmulo de meados do século XV policromado.

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Santiago151 e sua mulher D. Isabel de Bragança (?-1465) e D. Fernando (1402-1443). A

cada túmulo corresponde um altar na parede este, seguindo a mesma ordem hierárquica, agora da esquerda para a direita. O programa comemorativo dos infantes, com os respectivos altares, acabou, assim, por alterar a ideia original de D. João (como vimos anteriormente explícito no seu testamento), de ocupar o espaço parietal a toda a volta da capela com outras sepulturas.

Depois da morte de D. João I é D. Duarte que, preservando e exaltando a memória de seu pai, acaba por concluir as obras na capela, com o remate do extenso discurso laudatório inscrito na pedra, nas faces laterais do túmulo duplo de seus pais, e com a construção dos túmulos de seus irmãos. Tão importante como apresentar D. João como o monarca ideal, seria crucial apresentar a sua família, os seus filhos em

particular, como um modelo de unidade e harmonia a seguir152. Trata-se

efectivamente de um programa uniforme, em que todos os túmulos apresentam as mesmas soluções construtivas e decorativas, mas também individualizado, não só pela organização de cada altar com a sua própria invocação, mas especialmente com a representação dos elementos identificadores de cada um, através do uso da heráldica e empresas pessoais (emblemática) nos frontais tumulares. Apesar da unidade compositiva dos túmulos em arcossólio, não deixam de existir algumas singularidades, especialmente nos moimentos de D. João (m.1442) e D. Henrique (m.1460). O de D. João apresenta um baixo-relevo no fundo do arcossólio, cópia do século XIX/XX do original que se conserva em reserva, e cuja localização primitiva não é clara, e duas representações da sua empresa pessoal relevadas e policromadas inseridas no lado esquerdo da parede superior ao próprio túmulo. Destes elementos não foram recolhidas amostras mas deduz-se, pelos vestígios visíveis, que seriam dourados (Fig.39). No túmulo de D. Henrique, temos a particularidade da existência de um jacente, uma solução que acabou por individualizar a sua memória.

151“No fim do mez de Outubro d’este anno de mil e quatrocentos e quarenta e dois, o Infante D. João

em a villa d’Alcacere do Sal acabou sua vida de febre, d’onde levaram seu corpo ao mosteiro da Batalha, onde tem sua sepultura, dentro da capella d’El-Rei D. João seu padre, e foi sua morte com dôr e tristeza de muitos muito sentida (…)” – Rui de Pina. Crónica d’El-Rei D. Afonso V, vol.2 (Lisboa, Mello d’Azevedo, 1902), 10.

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A estrutura de cada moimento dos infantes desenvolve-se, a nível decorativo, num enquadramento retabular de molduras, pináculos e cogulhos, inspirado claramente na estrutura do pórtico sul de entrada na igreja da Batalha, e que segue o mesmo modelo em todos os túmulos (com pequenas variantes). A enquadrar o arcossólio, desenvolve-se um gablete quadrangular, decorado com rendilhado e emoldurado de ambos os lados por pináculos cogulhados. As arquivoltas são ornamentadas com variados elementos vegetalistas. A arca tumular propriamente dita, inserida no arcossólio, é constituída por tampa semicilíndrica rematada nas arestas laterais e inferior por grade de cogulhos (excepção da de D. Henrique, que tem jacente). Os dois conjuntos centrais, que dizem respeito a D. João e D. Henrique, encontram-se unidos, partilhando o mesmo pináculo, enquanto os das extremidades (de D. Fernando e D. Pedro), estão isolados, através da separação dos mesmos túmulos centrais, por colunas esguias de suporte da abóbada da capela (Fig.38).

Iniciando a descrição dos locais onde foram recolhidas amostragens de pigmento153, encontramos na zona superior correspondente aos cogulhos do pináculo

de junção do túmulo de D. Henrique e D. João, vermelho na base e dourado no elemento vegetal propriamente dito (Fig.40). O dourado continua a ser utilizado em toda a parte relevada dos elementos vegetalistas do pináculo. Também se identificou utilização de verde (de cobre) em zona de folhagem relevada (Fig.40). A combinação de vermelho e dourado no túmulo de D. Henrique parece ser uma constante nas zonas de preenchimento de fundo e elemento vegetalista relevado, respectivamente (Fig.41). Também foi identificada uma amostra, retirada da zona de fundo do friso com inscrição do frontal original do túmulo de D. Henrique (que se encontra no claustro afonsino do mosteiro), e que corresponde ao preto (Fig.42 e 43). Deixamos a análise da pintura mural do arcossólio deste túmulo para secção própria (2.4.).

No túmulo de D. João retiraram-se três amostras do frontal original do mesmo, também guardado no claustro afonsino do mosteiro (Fig.44). Duas delas dizem respeito à zona de ramagens da empresa do infante, uma talvez com vestígios do que teria sido dourado (camada preparatório?), outra como tendo sido vermelho, neste

153 Foram recolhidas amostras do túmulo de D. Pedro, mas não foram analisadas até ao momento. No

entanto identificaram-se à partida o dourado, vermelho, preto e verde, à semelhança dos outros túmulos.

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caso com semelhanças aos componentes químicos do pigmento vermelho encontrado na arca tumular (estrato cor laranja). A terceira amostra encontra-se na zona do escudo de armas de Portugal, e apresenta também semelhanças com a constituição do pigmento vermelho (Fig.44). Não foram recolhidas amostras do túmulo de D. Fernando, nem do seu frontal original, dado que não se encontraram vestígios da existência de cor, o que não significa que não existissem.