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Pelo que ficou dito, compreende=se que qualquer olhar sobre os manuais e gramáticas escolares não pode dispensar=se de uma leitura e análise dos textos programáticos, porque, reitere=se, são eles que, objectivamente, dão corpo às orientações gerais oficiais da política educativa145, constituindo=se como quadros de regulação146 da

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Recorde=se a definição de “Programa” presente no Anteprojecto de Proposta de Lei: “…entende=se por “Programa”, o conjunto de orientações curriculares, sujeitas a aprovação nos termos da lei, específicas para uma dada disciplina ou área curricular disciplinar definidoras de um percurso para alcançar um conjunto de aprendizagens e de competências definidas no currículo nacional do ensino básico ou no currículo nacional do ensino secundário” (p. 7)

146 A função reguladora é explicitamente declarada no & -* & & , constituindo essa

declaração uma espécie de pois ocorre na primeira linha do ponto 2, intitulado “Apresentação do Programa”;, o lugar que ocupa confere=lhe ainda maior relevo: “Este programa pretende ser um instrumento

regulador [sublinhado meu] do ensino – aprendizagem da língua portuguesa nas componentes (

% 7 ( % , 7 , - e J -* & , instituídas como competências

nucleares desta disciplina”. Também os programas anteriores (os aprovados pelo Despacho nº 124/ME/91 de 31 de Julho) se apresentavam como instrumentos reguladores do processo de ensino=aprendizagem, embora ao lugar da declaração não tenha sido dado o mesmo destaque. Os Programas de Português (A e B) (PP A, B, de agora em diante) para o Ensino Secundário fazem essa declaração já quase no final do ponto 1 –

118 acção pedagógica; regulação concretizada na definição de finalidades, competências e objectivos, na selecção de conteúdos a transmitir e a adquirir, e também na apresentação de sugestões/ orientações metodológicas como se deixou já dito.

Ao conjunto de disposições gerais já existente veio somar=se, mais recentemente, aos actuais textos oficiais e de acordo com o estabelecido no Decreto=Lei 6/2001, a indicação das competências147 (gerais/ específicas) referentes aos níveis de ensino a que os

programas se destinam.

Relativamente ao Ensino Básico, é no documento enquadrador, intitulado * + !, ? " (CNEB doravante), que se estabelece o conjunto de competências consideradas essenciais e estruturantes no âmbito do desenvolvimento do currículo nacional para cada um dos ciclos deste grau de ensino. Dado tratar=se da escolaridade obrigatória, o documento acautela ainda a definição de um perfil de aluno à saída do ensino básico, perfil que corresponde às competências específicas, as quais, por sua vez, dizem respeito a cada disciplina em particular ou área disciplinar. Para além das competências, são ainda explicitadas as experiências educativas que devem ser proporcionadas a todos os alunos que a frequentam, pois entende=se que só assim se cumprirá o desígnio fundamental do ensino obrigatório: permitir que todos os alunos desenvolvam de forma integrada capacidades e atitudes que porão em prática em diferentes situações, mais ou menos, familiares.

No que tange o ensino secundário, na ausência de um documento enquadrador similar, o item 2.3. da “Apresentação” do & -* & & , ./01 ..01 .201 “Enquadramento dos Programas do Ensino Secundário na Reforma Curricular”: “Informados pelas directrizes expostas, os programas apresentam=se como instrumentos reguladores do processo de ensino aprendizagem” (1997:8). % & '( & (OCP) para o 3º ciclo do Ensino Básico di=lo também já no final da “Introdução”: “Procurando corresponder aos propósitos enunciados, não como um corpo mais ou menos estruturado de matérias a assimilar, mas como instrumentos reguladores do processo ensino=aprendizagem” (1991:10). Por outro lado, afirma=se também o seu carácter prescritivo – “os programas são documentos prescritivos” (OCP: 10), “Os programas assumem um carácter prescritivo” (PP A, B: 8) = aspecto ausente nos actuais. Omissão que, no entanto, não significa ausência de “carácter prescritivo”.

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O termo competência não é unívoco e os textos oficiais são disso prova. No * +

!, , a noção é entendida especificamente como “saber '( ou em [sublinhado dos autores], agregando conhecimentos, capacidades e atitudes. O objectivo é “promover o desenvolvimento integrado de capacidade e atitudes que viabilizam a utilização dos conhecimentos em situações diversas mais familiares ou menos familiares ao aluno”. Por outras palavras, a noção de competência aqui “diz respeito ao processo de activar recursos (conhecimentos, capacidades, estratégias) em diversos tipos de situação, nomeadamente situações problemáticas” (2002: 9). No & -* & & , ./1 ..1 .21 3

4 5& 0 J '( 3 o termo competência não é usado exactamente neste sentido, mais lato, mas sim

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3 4 5& J '( 3 (PLP, CGTC daqui por diante) define as competências a desenvolver ao longo deste grau de ensino.

É, portanto, este o conjunto de directrizes normativas, expresso nos textos programáticos oficiais, que regula e legitima os conhecimentos/ competências a adquirir e/ou a desenvolver, sob a forma de conteúdos a ministrar e actividades/ estratégias a implementar em cada ciclo e ano de escolaridade. Ao mesmo tempo que o faz, manifesta, mais explicitamente umas vezes do que outras, concepções pedagógicas sobre o processo de ensino e de aprendizagem que se tornam patentes, por exemplo, nos processos de operacionalização e nas experiências educativas que nos mesmos textos se propõem.

Visando, em última análise, a boa consecução dos grandes objectivos educacionais, é, todavia, evidente que as propostas oficiais espelham sempre uma dada concepção pedagógica dominante num dado momento, perfilhada pelos autores dos programas oficiais que dela se fazem eco. Um olhar em diacronia – que aqui não se faz por não caber nos propósitos deste trabalho – demonstrá=lo=ia à evidência148.

A natureza reguladora dos programas exerce=se, pois, também na indicação de percursos, processos de operacionalização, estratégias, actividades, formas de avaliação que, em grau mais ou menos significativo, acabam por condicionar a acção pedagógica. Pese embora poder admitir=se nem ter sido essa a intenção dominante dos autores. As sugestões apresentadas, a maior parte das vezes mais exemplificativas do que absolutamente

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Só a título de exemplo, veja=se o que é dito na Introdução da OCP: “Mas o aspecto mais inovador do programa situa=se no projecto pedagógico global que […] contempla uma pedagogia de desenvolvimento integrado, em que a promoção de atitudes e valores assume papel nuclear e em que o domínio de aptidões e capacidades sobreleva e simultaneamente condiciona a aquisição de conhecimentos. Deste modo, também se pretendem ver reformuladas a relação pedagógica e a metodologia do processo de ensino=aprendizagem relativamente aos padrões tradicionais” (1991: 9). Compare=se com o que diz o CNEB, também na Introdução: “A cultura geral que todos devem desenvolver como consequência da sua passagem pela educação básica pressupõe a aquisição de um certo número de conhecimentos e a apropriação de um conjunto de processos fundamentais mas não se identifica com o conhecimento memorizado de termos, factos e procedimentos básicos desprovido de elementos de compreensão, interpretação e resolução de problemas. A aquisição progressiva de conhecimentos é relevante se for integrada num conjunto mais amplo de aprendizagens e enquadrada por uma perspectiva que coloca no primeiro plano o desenvolvimento de capacidades de pensamento e atitudes favoráveis às aprendizagens”. Entre um e outro texto medeiam dez anos. Algumas das diferenças que neles se observam, nomeadamente uma maior preocupação com a “cultura geral” e a aquisição de conhecimentos suportada no desenvolvimento da capacidade de compreender, interpretar e resolver problemas, o enfoque no desenvolvimento de competências e não um ensino centrado nos objectivos deixam perceber algumas mudanças de perspectiva no paradigma educacional. Mais claro ainda se torna quando, nos textos dos programas de Português do Ensino Secundário relativos a 91, se alude explicitamente à perspectiva cognitivista que deve orientar a avaliação, referência totalmente rasurada nos novos programas em vigor.

120 vinculativas, acabam sempre, no entanto, por introduzir um factor de restrição149 dos

espaços de liberdade e imaginação que os textos programáticos, também oferecem ao docente150.

Ressalve=se, no entanto, que a função de regulação poderá nem sempre se revelar de forma determinante. Convoque=se mais uma vez Castro para lembrar que a pretensão de regulação, inscrita nos textos programáticos pode ser

invalidada pela forma que, num dado momento histórico, assumem as relações entre os níveis de recontextualização e de reprodução do discurso pedagógico; pode acontecer que no contexto de transmissão, por razões endógenas e/ ou exógenas ao sistema educativo, mesmo no plano dos conteúdos, se proceda, por expansão ou redução, reorganização daquilo que é proposto pelos textos programáticos (Castro:72=73).

E, na verdade factores endógenos e exógenos acabam sempre por ter um peso considerável na forma como é concretizada a sua função reguladora. O protagonismo do manual leva hoje com frequência à subalternização dos textos programáticos. O manual acaba por substituir o programa.

Por outro lado, releve=se ainda o facto de os conteúdos programáticos resultarem de uma dupla selecção que se traduzirá numa dupla regulação. Na impossibilidade de todos serem objecto de transmissão e aquisição, são escolhidos apenas alguns no contexto geral do(s) domínio(s) científico(s) de referência respeitantes à(s) área(s) disciplinar(es) em causa: para o Português, a Linguística, a Literatura, a História da Literatura, a Teoria Literária... Uma vez escolhidos, estão legitimados e determinam o que ensinar (factos, conceitos, dados, autores...). Além disso, fazem=se igualmente opções no que tange a(s)

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Efeito restritivo em duas dimensões: porque limita, em parte, a acção e as opções do agente que os porá em prática e porque poderá favorecer uma certa inércia do professor que se acomodará a esses limites sem procurar alargar horizontes de conhecimento ou experimentar outras práticas, porventura até mais adequadas aos contextos em que actua.

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A considerável quota de liberdade de acção, se não se apresenta instituída explicitamente no discurso dos textos oficiais, é inferível a partir do uso de certos vocábulos. A título de exemplo refira=se o título do item 2.5. “Sugestões Metodológicas” [sublinhado meu] no - , CGCT. Da palavra escolhida, “sugestões”, pode sempre depreender=se que não se pretende impor com carácter prescritivo o que ali se sugere; pelo contrário, parece querer significar um estímulo à capacidade de o professor criar actividades/ estratégias adequadas às competências a desenvolver. Não obstante, a nível do discurso, o verbo modal dever, as expressões modalizadoras é necessário, “torna=se imperativo” pontuam maioritariamente as sugestões. Mas o carácter geral das mesmas deixa ampla margem de manobra ao professor, citado por três vezes explicitamente: “cabe ao professor criar estratégias que orientem o aluno” (PLP: 19) “deverá o professor propor estratégias / actividades” (id. 20) e “Cabe ao professor gerir as respostas individuais à leitura” ( . 23). Também o CNEB, que se constitui como “referência nacional para o trabalho de formulação e desenvolvimento dos projectos curriculares de escola e de turma a realizar pelos professores” ( . 3) insiste em que “O trabalho de interpretação e concretização destas orientações cabe aos professores” (CNEB: 10).

121 abordagem(ns) teóricas151 que os conceptualizam, incluindo e excluindo, com o mesmo

gesto, outras que a instituição não legitimará. Este facto é particularmente visível nos conteúdos linguísticos. Só muito recentemente os programas começam a acolher conceitos provenientes de áreas da linguística tradicionalmente afastados dos programas dos Ensino Básico e Secundário: estão neste caso os conceitos/ noções, por exemplo, do domínio da Semântica Frásica, da Linguística Textual ou da Pragmática152.

No campo literário é também visível a mudança de perspectiva que levou a preferir alguns autores em detrimento de outros que foram sendo banidos do de leitura obrigatória.

Esta função reguladora dos textos programáticos explica a fortíssima relação com os manuais escolares sejam eles as antologias de autores/ textos, sejam as gramáticas escolares. Os programas das disciplinas são quadros de referência para a elaboração dos manuais e, simultaneamente, constituem critério de avaliação da qualidade/ fiabilidade dos conteúdos apresentados, factor de ponderação importante na escolha de um de eles entre a significativa quantidade que as editoras disponibilizam no mercado. É por isso que, de modo meramente implícito algumas vezes, de forma declarada e ostensivamente publicitada na capa, outras vezes, os autores dos manuais declaram a sua conformidade aos programas das respectivas disciplinas153, como se fosse possível não o estarem.

Daí que, no contexto deste trabalho, a análise dos manuais seja precedida da dos programas da disciplina de Português, no sentido de se observar qual o relevo que aí se atribui ao ensino e aprendizagem do léxico, não apenas em termos dos conceitos seleccionados, mas também das abordagens teóricas de que relevam e ainda no que toca às sugestões que eventualmente sejam apresentadas para o seu tratamento pedagógico= didáctico. Pretende=se, em seguida, procurar estabelecer a medida da adequação entre o que

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Mesmo que não se reclamem ostensivamente de uma ou de outra corrente, as referências bibliográficas denunciam a(s) filiação(ões) teóricas dos autores dos programas. Mas também a apresentação do corpo de saberes, o relevo e/ ou apagamento de alguns aspectos, conceitos e suas definições, e metalinguagem (ns) usadas falam das opções teóricas subjacentes.

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O PLP, CGCT = é disso exemplo, ao incluir no Funcionamento da língua conteúdos do domínio da Pragmática, designamente conceitos e noções da Teoria dos Actos de Fala; e da Linguística textual: coesão e coerência mecanismos de estruturação textual, tipologias textuais, processos interpretativos inferenciais; da Semântica Frásica: modalidade, referência deíctica,… A Bibliografia, por seu lado inclui nomes como os de Adam, Bronckart, Maingueneau, Moirand e também os de Pinto de Lima, Mateus ., Faria, I. H. 0,

Peres, entre outros. Destes só os de Adam, Maingueneau e Moirand já constavam das referências bibliográficas do PP A, B.

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No caso das gramáticas escolares, várias delas ostentam a informação de que estão de acordo com a nova Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário.

122 os textos oficiais estipulam e os saberes e actividades operacionalizadoras apresentados nos manuais, no que em particular respeita os fenómenos linguísticos da sinonímia, da polissemia e da homonímia enquanto instrumentos ao serviço do enriquecimento da competência lexical.

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