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3.3.5 A análise para o PB

3.3.5.3 Os trabalhos de Cyrino

As propostas de Cyrino já vêm sendo discutidas desde o capítulo anterior, quando detalhamos seu estudo diacrônico, referido nos trabalhos de (1994, 1996 e 1997). De acordo com as considerações diacrônicas feitas, o clítico acusativo de terceira pessoa passou por uma mudança que teve como conseqüência a sua extinção do sistema pronominal do PB. Como Cyrino mostra, o guia da mudança está relacionado aos traços semânticos de especificidade e animacidade do antecedente. Os resultados apresentados por ela mostram que antecedentes [- animado] são retomados, regra geral, pelo objeto nulo e antecedentes [+animado] pelo pronome lexical. Unido ao traço de animacidade, o traço de especificidade define ainda mais a escolha, especialmente quando os antecedentes são [+animado]. Tudo isso foi detalhado no capítulo anterior por meio de tabelas e exemplos, que mostraram a situação em peças de teatro do século XVI ao século XX.

Nesses mesmos trabalhos, Cyrino propõe um estatuto para o objeto nulo no PB, afirmando que ele é uma elipse nominal em Forma Fonética e reconstrução desse elemento em Forma Lógica. Para a autora, o que teríamos seria uma “inaudibilidade” de uma construção presente em LF. A proposta de reconstrução para explicar o ON do PB vem de

43 Chomsky (1986: 126) afirma que “o PPA [EPP] é um modo particular de exprimir o princípio geral de que

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Fiengo & May (1994) que, segundo Cyrino (2003: 44) “afirmam que a elipse, além de exigir a condição de que a reconstrução seja aplicada, demanda também uma condição de recuperabilidade”. A reconstrução nos informaria a identificação da categoria sintática, enquanto que a “recuperabilidade” nos daria a informação do conteúdo da categoria sintática. Assim, além da reconstrução do material elidido, teremos que ter também a recuperação do conteúdo desse material44.

Em Cyrino (1999) a autora procura confirmar em dados sincrônicos o que seus dados diacrônicos já haviam mostrado; “neste trabalho, o objeto direto nulo no corpus do NURC é analisado, para verificar se os resultados provenientes de textos escritos (peças teatrais em Cyrino, 1994) podem ser comparáveis a resultados de dados de um corpus oral” (Cyrino,

op.cit.: 604). Ela se valeu de dados de Dillinger et al (1996) (segundo ela da região de São

Paulo e Rio de Janeiro) e também de dados provenientes de corpus compartilhado de Porto Alegre, Salvador e Recife. Os dados apresentados em sua primeira tabela45 parecem mostrar que, assim como sugeriram Schwenter & Silva (2002) acima, não há diferenças dialetais quanto ao uso do objeto direto nulo nas regiões do Brasil:

Região Total Obj. direto nulo

SP 49 25 (51%) RJ 44 22 (50%) Salvador 31 24 (77%) P. Alegre 61 32 (52%) Recife 27 13 (48%) Total 212 116 (55%)

Tabela 4 (Cyrino, op.cit.: 610): ocorrência de complementos nulos

Como vemos nessa tabela, à exceção de Salvador, o percentual de ocorrência do nulo nas demais regiões brasileiras analisadas é semelhante. Além disso, a autora mostra que em

44 A proposta de Cyrino sobre o estatuto de elipse nominal do objeto nulo em PB não será aqui trabalhada mais

detalhadamente, uma vez que nosso objetivo principal não é discutir o estatudo do objeto nulo em PB, nem tentar explicar nossos dados por meio dessa análise, mas sim observar de que maneira esse nulo é adquirido nessa variedade do português. Para maiores detalhes sobre a proposta de Cyrino remeto o leitor a Cyrino (1994/1997).

45 Nessa tabela, Cyrino apresenta os dados referentes ao objeto direto nulo, objeto indireto nulo e aos dois

complementos nulos, ou seja, não está levando em conta, além das posições nulas, também as posições preenchidas. Realizamos esse recorte da tabela porque objetivávamos mostrar o percentual de ocorrência do objeto direto nulo, tema dessa dissertação.

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relação aos antecedentes do objeto nulo, os dados apresentados em sua pesquisa diacrônica (tabela 5) são confirmados pelos dados sincrônicos (tabela 6):

Antecedente Número % [+esp., +ani] 0 0 [+esp., -ani] 64 67,4 [-esp., +ani] 4 4,2 [-esp., -ani] 27 28,4 Total 95 100

Tabela 5 (Cyrino, op.cit.: 615): ocorrência de objetos nulos no século XX

Antecedente Número % [+esp., +ani] 10 8,9 [+esp., -ani] 72 64,3 [-esp., +ani] 7 6,3 [-esp., -ani] 23 20,5 Total 112 100

Tabela 6 (Cyrino, op.cit.: 611): antecedentes do objeto direto nulo

Quando comparamos as tabelas 5 e 6, especialmente em relação aos antecedentes [+específico, -animado], observamos a semelhança de resultados dos dados diacrônicos com os dados sincrônicos; o objeto nulo ocorre em 64,3% dos casos quando o antecedente possui esses traços nos dados do NURC e em 67,4% nos dados diacrônicos (escritos).

Segundo a autora, “os resultados confirmam as pesquisas sincrônicas e diacrônicas existentes: o objeto direto nulo do PB é preferencialmente [-animado] e ocorre em qualquer tipo de estrutura, seja ilha ou não” (Cyrino, op.cit.: 618).

Em um outro trabalho (Cyrino, 2003), a autora afirma que a correlação entre a queda dos clíticos e o aparecimento do objeto nulo (como afirmaram a própria Cyrino (1994,1997), Pagotto (1996) e Nunes (1996)) não é simples, visto que nem todos os clíticos desapareceram do sistema pronominal brasileiro. Ao contrário disso, a queda dos clíticos acusativos e o conseqüente aparecimento da construção com objeto nulo é fruto de uma espécie de princípio, que estaria agindo na posição de objeto, mas não na posição de sujeito – o Princípio Evite Pronome, como mencionamos no capítulo anterior.

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Assim, segunda a autora, o objeto nulo só poderá ocorrer quando tiver um antecedente em uma posição baixa da hierarquia da referencialidade. Tal hierarquia da referencialidade foi proposta por Cyrino, Duarte & Kato (2000) que, segundo Cyrino, mostraram que a referencialidade tem uma alta relevância na pronominalização em diversas línguas.

não-argumentos proposições [-humano] [+humano]

---3ªp.--- --- -- 2ªp. 1ªp.

[- específico] Å---Æ [+ específico]

[- referencial] Å---Æ [+ referencial]

(Hierarquia da referencialidade (Cyrino, op.cit.: 41))

Segundo ela, a generalizada queda dos acusativos de 3ª pessoa, ao contrário dos demais clíticos, é explicada pela posição que cada um deles ocupa na Hierarquia; quanto mais à esquerda o elemento estiver (como o nulo com antecedente [-animado]) menor valor referencial ele terá. “Para uma língua que tem a opção entre variantes plenas ou nulas, um dos fatores que influencia a escolha é o estatuto referencial do antecedente” (Cyrino, op.cit).

A autora ainda admite que no caso do objeto direto anafórico, os clíticos acusativos de terceira pessoa podem ser ‘evitados’, pois ocupam uma posição baixa na hierarquia da referencialidade. Como discutido no capítulo anterior, se esse princípio estivesse agindo de maneira incisiva na posição de objeto então era de se esperar que o pronome lexical também não estivesse ocorrendo, na retomada de antecedentes inanimados, o que não acontece, visto nossos dados de aquisição da linguagem e, especialmente, os dados de retomada pronominal de antecedentes inanimados na gramática adulta, que serão discutidos no capítulo 5.

Também como já afirmamos no capítulo anterior, mesmo que a correlação entre a queda dos clíticos e o aparecimento do objeto nulo não se confirme, o fato é que a função antes exercida pelo clítico acusativo de terceira pessoa é agora realizada ou pelo objeto nulo ou pelo pronome lexical.