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2.2 OS TRIBUNAIS DE CONTA E O CONTROLE INSTITUCIONAL AO LONGO

2.2.2 Os Tribunais de Contas pós-Constituição de 1988

Com a Constituição de 1988, que redefiniu o papel das instituições brasileiras, os Tribunais de Contas adquiriram maior importância e obtiveram a ampliação de suas prerrogativas de fiscalização neste novo momento, mais propenso à liberdade e de soberania dos valores democráticos e dos princípios republicanos. (PASCOAL, 2009; LOUREIRO et al, 2009). Otimista, o então conselheiro do Tribunal de Contas da União, Luciano Brandão Alves de Souza destacou no ano posterior à promulgação que:

[...] o texto de 1988 explicitou e acrescentou, significativamente, a abrangência e a qualidade, mais diversificada, das competências dos órgãos de Controle Externo. Em síntese, os Tribunais de Contas agora podem mais (DE SOUZA, 1989, p.45). O ex-congressista, ex-presidente do Tribunal de Contas de Pernambuco e professor de direito constitucional, Jarbas Maranhão, destaca que a Constituição Federal de 1988 manteve os

sistemas de controle interno e externo (art. 70). O primeiro, exercido por cada um dos Poderes, e o segundo, pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas da União (art. 71). Para o autor, “a palavra “auxílio” deve ser entendida como colaboração funcional e não subordinação hierárquica ou administrativa [...] impondo-se, todavia, que mantenha independência como órgão e função” (MARANHÃO, 1993, p.260). Sem esta independência institucional, o Tribunal ficaria suscetível ao descumprimento dos preceitos estabelecidos na Carta Maior (DE CARVALHO, 2003).

A interpretação conjunta dos arts. 70 e 71 permite ainda inferir quantos às demais prerrogativas estabelecidas pelo constituinte aos tribunais, dentre as quais, a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial de todos os órgãos da administração direta e das entidades da administração indireta, cabendo ainda ao Tribunal o seu julgamento. Ficou ratificada, ainda, no parágrafo único do artigo 70, a obrigatoriedade de prestação de contas a todos responsáveis pelos recursos públicos:

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária (BRASIL, 1988).

De Souza (1989) observa ainda a inovação trazida com a competência de fiscalizar as renúncias de receita. Segundo o autor, a fiscalização se fazia necessária ante as constatações evidenciadas nas auditorias programáticas realizadas pela Corte de Contas que identificaram distorções e irregularidades nas políticas de concessão de incentivos fiscais da União. Mais que isso, permitiu ampliar o debate quanto à sua pertinência em detrimento aos investimentos em áreas mais sensíveis, como saúde, educação e segurança.

Todas as atribuições encontram-se detalhadamente expostas no art. 71 do texto constitucional. Por força do princípio da simetria constitucional, tais competências também se aplicam às Cortes de Contas Estaduais e municipais, motivo pelo qual o texto deve obrigatoriamente replicado nas Constituições dos Entes Federados.

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante Parecer Prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;

II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;

III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;

IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;

V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo; VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;

VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas;

VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;

IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;

X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;

XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados. § 1º No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis. § 2º Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito. § 3º As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.

§ 4º O Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatório de suas atividades (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Para o presente estudo, destacamos as competências previstas nos incisos I e II, de caráter apreciativo e judicante, que atribuem aos tribunais a apreciação das contas do Chefe do Poder Executivo, mediante apresentação de Parecer Prévio, e a realização de julgamento das contas anuais dos administradores e demais responsáveis pelo patrimônio público. Porém, a

competência apreciativa, predominantemente opinativa, deve estar sempre acompanhada da competência corretiva e sancionatória dos Tribunais de Contas (inciso VIII, IX e X), como a aplicação de

[...] multa proporcional ao dano causado ao erário; fixação de prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao cumprimento da lei [...], sustação da execução do ato; representação ao poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados; tomada de contas especial (DE CARVALHO, 2003, p.197). Outras competências estabelecidas pelo Constituinte e que merecem ser destacadas são a obrigatoriedade dos órgãos de controle interno reportar ao controle externo, sob pena de responsabilidade solidária, qualquer irregularidade ou ilegalidade apurada (art. 74, § 1º) e a capacidade de qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato denunciar às Cortes de Contas irregularidades ou ilegalidades (art. 74, § 2º), o que ampliou substancialmente os mecanismos de controle social (DE CARVALHO, 2003).

No período que sucedeu à aprovação, Loureiro et al. (2009) destacam que as crises financeiras ocorridas entre os anos de 1997 e 1998 geraram constrangimento externo, forçando o governo brasileiro a apresentar no ano 2000 a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) com o objetivo de implementar práticas de gestão fiscal que permitissem a realização do ajuste fiscal necessário para reduzir o endividamento público e para garantir a solvência das dívidas interna e externa. Segundo Araujo (2007), somou-se a isso a pressão popular para a moralização da gestão pública, sobretudo com a assunção de metas e o comprometimento de fiel cumprimento das peças orçamentárias. Laureano et al. (2017) enumeram os principais aspectos contemplados na lei:

(1) a restrição quanto à renúncia de receitas (artigo 14); (2) a definição de limites quanto às despesas com pessoal (artigos 18 a 23); (3) a definição de condições e de limites para o endividamento e para a realização de operações de crédito (Resolução n. 40/2001 e 43/2001 do Senado Federal, respectivamente, nos termos do artigo 30, inciso I); (4) a vedação quanto à realização de despesas nos últimos quadrimestres do mandato, as quais não possam ser cumpridas dentro do mesmo (artigo 42); (5) a definição de instrumentos de transparência da gestão fiscal, tais como a realização de audiências públicas (artigo 9, §4º; artigo 48, §1º), a publicação do Relatório Resumido da Execução Orçamentária (artigo 48, caput; artigo 52), a publicação do Relatório de Gestão Fiscal (artigo 48, caput; artigo 54), dentre outros (LAUREANO et al, 2017, p.97).

Embora o texto preliminar apresentado não mencionasse os Tribunais de Contas como garantidores do cumprimento dos preceitos estabelecidos, após amplos debates com entidades ligadas aos Tribunais, lhes foi atribuída pelo legislador a tarefa de guarda da lei, tal qual o ordenamento jurídico resguarda ao STF a garantia e a proteção da Constituição, exigindo dos

Tribunais desde então um processo de reestruturação técnica e de modernização (LOUREIRO et al, 2009).

Nas palavras proferidas pelo ex-conselheiro do TCU, Luciano Brandão de Souza,

Poder mais representa, necessariamente, acréscimo de compromissos, não só perante o legislativo, como em face da opinião pública. Esse o verdadeiro desafio que o sistema Tribunais de Contas, hoje mais do que no passado, [...] tem diante de sua consciência (DE SOUZA, 1989, p.45).

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