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I.3. A informação em rádio

I.3.4. Os valores-notícia em rádio

São os “óculos” que os jornalistas usam “para ver o mundo e para o construir”. Qualidades que fazem com que um acontecimento seja notícia, mereça ser trabalhado e tornado público, como é o caso do insólito, o extraordinário, o catastrófico, a guerra, a violência, a morte, a celebridade – “qualidades duradouras” do que é notícia. Porém, estes critérios não são “imutáveis”, variando em função da época e do local em que a notícia emerge, e mesmo da empresa jornalística que a veicula. [Traquina, 2007: 203] Mais ainda, os valores-notícia, tal como a forma de relatar o acontecimento, são influenciados pelas características do meio que lhe serve de suporte.

Neste sentido, a “sonoridade”, em rádio, surge como um importante factor de valorização da notícia. A existência de um “bom som”, não só em termos técnicos, como também em termos de significado, isto é, um som que ilustre “aspectos salientes do acontecimento noticiado” [Wolf in Bonixe: 84], seja revelador e interessante, ajudando o ouvinte a compreender melhor o assunto de que se está a tratar, determina a sua “inserção” no noticiário, bem como a sua “posição no alinhamento”.

Aliás, e como já vimos lá atrás, só aquilo que soa, que provoca uma vibração sonora passível de ser captada pelo ouvido humano, tem existência em rádio. “Todos os significados têm de chegar ao ouvinte através do som” [Gomes in Bonixe, 2009: 84], cabendo ao jornalista a tarefa de tornar sonora a realidade que pretende relatar.

“Transformar os acontecimentos em som seja através da sua palavra, da palavra dos outros (com a inclusão de declarações dos protagonistas), de efeitos sonoros como os sons de ambiente ou através da sonorização das peças jornalísticas através da inserção, por exemplo, de músicas.” [Bonixe, 2009: 83]

29 Por outro lado, para que um acontecimento seja notícia tem de ser, acima de tudo, actual – princípio que rege o jornalismo em geral, mas aqui é levado ao extremo. Pela sua instantaneidade e leveza do equipamento, o meio presta-se “à divulgação de factos imediatos e, tanto quanto possível, em directo”. Mais do que explicá-los ou contextualizá-los, a rádio revela-os, enuncia-os. “Enaltece” o facto, “principal matéria- prima da informação radiofónica”, vivendo do acontecimento actual, daquilo está a acontecer hoje, agora, neste exacto momento. Do que nos diz respeito e ao nosso tempo, às nossas preocupações. Por isso, a actualidade sobrepõe-se aos outros critérios no momento de decidir o que noticiar. É a “característica necessária para que uma notícia tenha vigência ou caduque”. [2009: 46, 100-102, 312]

A própria estrutura da rádio, com noticiários de hora a hora ou de meia em meia hora e a possibilidade de interrupção da emissão para dar conta de informações de última hora, exalta as notícias actuais e privilegia aquelas que acabam de chegar à redacção, que têm maior probabilidade de ser veiculadas em primeiro lugar, precisamente pelo seu valor de actualidade. Por serem os últimos desenvolvimentos. [Bonixe, 2009: 46-47, 50, e Meditsch, 1999: 94-95]

Além disso, uma vez que os espaços noticiosos são pré-definidos e têm de ser preenchidos, os jornalistas de rádio tendem a privilegiar os acontecimentos que gerem controvérsia e obriguem a ouvir várias facções, aproveitando ao máximo o filão criado pela notícia para “realimentar” o dispositivo [2009: 49].

O factor tempo impõe-se, valorizando a informação que é dada em primeira mão, bem como o jornalista que o faz [2009: 48, 314], e constitui-se como valor-notícia não só quando se manifesta na forma de actualidade, mas também quando funciona como “pega noticiosa”, servindo de pretexto à difusão de ‘estórias’ que de outra forma não seriam contadas por não trazerem qualquer novidade. É o que acontece quando se faz notícia do aniversário de um acontecimento do passado ou se comemora um dia internacional (efemérides). [Bonixe, 2009: 48 e Traquina, 2007: 189-190]

Assim, duplamente pressionados pelo tique-taque do relógio, que os obriga a trabalhar depressa para cumprir as deadlines constantes e a contar a notícia num curto espaço de tempo, os jornalistas definem estratégias e rotinas que os ajudam a vencer a “cronometralidade” [2009: 47-49]: hierarquizam os espaços noticiosos, dividem-se em equipas que lhes permitem dar o “máximo rendimento” nos momentos principais,

30 monitorizam entidades e instituições que originem notícias com frequência, criam arquivos sonoros, acompanham o que se faz na imprensa e nas outras rádios, seguindo no seu encalço quando têm uma informação interessante, contractam os serviços de agências noticiosas, comentadores, correspondentes e jornalistas especializados, com conhecimentos e contactos privilegiados em certas áreas, planeiam a cobertura de acontecimentos previsíveis, distribuindo os recursos técnicos e humanos disponíveis e reunindo informações complementares de contextualização. [Meditsch, 1999: 94-101]

Faz-se de tudo para normalizar a actividade jornalística, “ordenar a novidade” e “rotinizar o inesperado” [Dines in Meditsch, 1999: 93], num esforço diário, persistente, para antecipar o acontecimento, chegar antes dos outros órgãos de comunicação social e ser o mais rápido a completar o trabalho, fornecendo os dados essenciais para a sua descodificação. Informando bem. De tal forma que também estas estratégias e rotinas desempenham um papel fundamental na escolha dos temas noticiados e das fontes ouvidas, actuando como valores-notícia. [Bonixe, 2009: 47]

Mais, na selecção é considerada: a relevância do facto para a comunidade abrangida pelo serviço informativo, com claro impacto nas suas vidas (significado); a notoriedade dos agentes envolvidos (indivíduo, instituição, país); a amplitude do acontecimento (número de pessoas envolvidas); a personalização do ocorrido; o facto de ser pouco frequente (raro) e ter uma duração reduzida (limitada no tempo); o seu carácter insólito, inesperado; o conflito (violência física ou verbal), o escândalo, a falha (algo que foge à norma, como o acidente) e a infracção das regras (comportamento considerado errado). [Traquina, 2007: 188-193 e Cruz, 2002: 368-372]

Em termos práticos: a disponibilidade de meios técnicos e humanos para cobrir um acontecimento, bem como a facilidade de os mobilizar; o dia noticioso, mais ou menos cheio em termos informativos; a diversidade dos temas abordados num espaço informativo, bem como a quantidade de notícias que foram recentemente veiculadas sobre ele (equilíbrio); o facto de outros meios já terem dado a notícia (concorrência); e a consonância do acontecimento com uma narrativa já estabelecida, ‘preenchida’ com os novos factos, que torna mais fácil a sua apreensão. [Traquina, 2007: 196-200]

Tudo isto influencia. Os vários factores surgem combinados ou em separado e definem a probabilidade de um acontecimento ser noticiado. Conferem-lhe um valor de notícia que, de forma mais ou menos consciente, será tido em conta no momento

31 de seleccionar, tratar e alinhar a informação difundida num espaço informativo. Isto e todas as questões subjectivas, o contexto profissional, os princípios que orientam a actuação dos profissionais de jornalismo.

I.4. A rádio de serviço público e a experiência na redacção da Antena 1

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