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Capítulo 3: Naturalização e regularidade sobre erros nos enunciados da série

3.3 Outra plataforma e um deslizamento

No campo da Comunicação Social, as novas tecnologias digitais trouxeram um impacto bastante profundo. A informação, antes limitada pelas mídias off-line, pode circular de forma intensa por diferentes canais, sistemas midiáticos e administrativos, além de criar um fluxo altamente ativo dos consumidores, que elege a inteligência coletiva como nascente de seu potencial de consumo e compartilhamento. Na atualidade, os conteúdos de novas e velhas mídias se tornam híbridos, reconfigurando a relação entre as tecnologias, indústria, mercados, gêneros e públicos. Esse cruzamento e convergência de mídias alternativas e de massa que é assistido por múltiplos suportes, estabelece

114 essa nova era. Jekkins (2008) cunha um conceito para definir as transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais, o que ele chama de “Cultura da Convergência”, baseado no tripé: convergência de mídia, inteligência coletiva80

e cultura participativa. Sem ser determinista tecnologicamente, o autor propõe o termo em uma nova cultura social mundial.

Como uma grande empresa de mercado, a Rede Globo se utiliza desses canais convergentes para fragmentar informações e notícias. Além de TV e jornais, off-line, a emissora mantém também canais on-line, como o site Memória Globo, dentro do portal Globo.com.

Entretanto, vale lembrar que, no site da emissora dedicada à memória de suas notícias, a Globo menciona as duas coberturas referidas como "Erro" (uma aba do template). O termo "desculpas", por sua vez, não é usado no site em qualquer momento.

Esses são os dois únicos casos assim chamados, embora outros fatos em controvérsia tenham sido agrupados no mesmo local como "falsas acusações" (Figura 24).

Figura 24 – Alto da tela do site Memória Globo

Fonte: captura de tela feita pelo autor.

A menção discreta dos fatos na série especial, (embora a circulação subsequente tenha dado a dimensão "pedido de desculpas"), a pequena quantidade de fatos rememorados e a aba "Erro", no site, permitem a retomada de alguma negação de erro na prática jornalística, como já foi mencionado.

Nesse sentido, a internet e o site Memória Globo ficariam mais expostos ao debate e considerações do usuário, capazes de cruzar informações, buscar arquivos e memórias e, assim, atribuir significado à palavra “erro”, colocando-a em circulação. Além disso, o material do site adquire um caráter histórico, de registro a ser consultado e mencionado outras vezes, por interlocutores

80 Inteligência coletiva, para o autor, é definida como a possibilidade de diferentes atores

115 interessados no assunto, o que não é o caso da veiculação no Jornal Nacional, que é restrito a telespectadores sintonizados no momento da veiculação.

Da mesma maneira, se esses vídeos forem acessados através da internet em outro momento, eles estarão no mesmo site que os menciona como "erros", dando-lhes, então, novos sentidos e configurando-os como uma confissão, que ocorre na internet, mas não na TV, onde os assuntos são tratados como polêmicas.

A capacidade de fazer crer do jornalismo, de que aquilo que ele diz a respeito dos fatos e acontecimentos do mundo se constituem em verdades, de que fazem parte da realidade, é uma premissa do contrato de leitura/comunicação/interlocução/mediação que o fazer jornalístico estabelece com a sociedade (CHARAUDEAU, 2015; VERÓN, 2004). Há, por essa razão, discurso de consenso no jornalismo de que a verdade mantém uma relação de correspondência ao real, aos eventos que reconstrói em forma de relatos jornalísticos. A verdade está impressa no código que norteia a atividade jornalística.

Em partes, a adoção de critérios positivistas na configuração do jornalismo moderno e os ideais de objetividade, imparcialidade, neutralidade e precisão auxiliam nesse processo de produção de efeito de verdade. Se está no jornal (seja na TV, no impresso ou que mídia for), parece haver, no imaginário, uma prova de que tal fato existiu e, mais do isso, conforme foi mostrado pela narrativa. Para o interlocutor da mensagem jornalística, nem sempre existe a percepção de como os signos reconstroem a realidade, materializando a ideologia.

O erro parece ser inexorável às manifestações humanas. No entanto, por razões éticas, deve haver a preocupação e esforços conscientes no sentido de controlá-los. No Jornalismo, existem mecanismos que tentam frear essa incidência, mas nem sempre são feitos usos corretos disso. Ademais, compreendemos o erro como sempre ideológico.

Tradicionalmente, como um gênero discursivo, o “erramos” – como são chamadas, em geral, as erratas no jornalismo – é utilizado de forma discreta sem muitas delongas evitando retomar a mesma prática em novos enunciados. Os veículos de comunicação em geral, tem diretrizes definidas em manuais a respeito dos procedimentos de como tratar os erros.

116 Voltando ao nosso corpus, o que nos interessa é o que está registrado nos princípios editoriais da emissora, ou seja, que o jornalismo a ser praticado deva ter como “atributos da informação de qualidade”: a isenção, a correção e a agilidade81. Ao abordar o item “Correção”, na Seção II, item A, os princípios

editoriais dizem que: “O público será́ sempre tratado com respeito, consideração e cortesia, em todas as formas de interação com os jornalistas e seus veículos: seja como consumidor da informação publicada, seja como fonte dela”.

Pode-se observar que, mesmo sendo posterior à publicação dos Princípios, a Rede Globo parece esquecer-se com quem tem um compromisso. O público, a audiência, apenas foi informado de que se tratava de um “mal- entendido”, de que o “erro” não mereceu um pedido de desculpas, mas um texto que inseria o ocorrido pelas condições históricas.

Os princípios editoriais ainda reconhecem a relação do jornalismo como um discurso que circula na história e pela história, embora não mencione que os erros assim também vão circular, apesar de, pelas condições em que foram produzidos e apresentados, muitas vezes são interpretados como a própria verdade pelo público:

É para contornar essa simplificação em torno da 'verdade' que se opta aqui por definir o jornalismo como uma atividade que produz conhecimento. Um conhecimento que será constantemente aprofundado, primeiro pelo próprio jornalismo, em reportagens analíticas de maior fôlego, e, depois, pelas ciências sociais, em especial pela História. (ORGANIZAÇÕES GLOBO, 2011, p. 4)

Há uma leve contradição presente no próprio documento da emissora. Se há a menção da importância de reconhecer a reação do público, nesse trecho, há um equívoco, pois o conhecimento aprofundado pela história ou pelas próprias “reportagens analíticas de maior fôlego” tem como alvo um público diferente, que, certamente, receberá os enunciados das coberturas de modo distinto.

81 Todas as citações referentes aos Princípios Editorias das Organizações Globo foram extraídas

de:

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