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2. Pressupostos teóricos

2.5. Outras abordagens teóricas sobre o fenômeno

Salientamos que algumas dessas definições de Npred e Vsup são também endossadas por outras visões, a despeito do arsenal teórico distinto. Mel'čuk (1998), na teoria Sentido-Texto, também sublinha que o Npred define os verbos suporte que podem acompanhá-lo, classificando o par como um tipo de collocation. Assim como este trabalho, Langer (2005) apresenta testes de liberdade sintática para definição de verbos suporte, bem como Sag et al (2002) que, pensando no processamento

computacional de expressões multi-palavra, também constata que as construções com "verbo leve" se distinguem das demais por apresentar grande flexibilidade. Meyers (2007), por sua vez, também tem a correferência entre o argumento do verbo e do substantivo como central na caracterização do Vsup. O conceito de Vsup surge também em outras teorias, com algumas variações, bem como o conceito correlato “verbo leve”. Apresentamos nesta subseção semelhanças e diferenças da proposta do Léxico-Gramática com outras visões.

A identificação entre os argumentos do verbo e os argumentos do Npred é um critério bastante difundido para a identificação e caracterização do Vsup na linguística, como visto, por exemplo, em Neves (1999), Meyers (2004) e Langer (2004)4. Mesmo para caracterizar o "verbo leve", como em Jackendoff (1974), Kearns (2002), Bonial (2014), Savary et al (2017), entre outros, essa propriedade se mantém fundamental, mesmo que não seja definitiva para todas as perspectivas5. Considerando argumentos sintáticos e argumentos semânticos como elementos distintos, esses autores entendem que o verbo leve faz parte de um "predicado complexo6", ligando sintaticamente o substantivo a alguns de seus argumentos. Alguns, como Jackendoff (1974) e Kearns (2002) ainda consideram que o Vsup é responsável por atribuir os papéis semânticos, visão que se justifica pela existência dos verbos que aqui chamaremos conversos, uma vez que seu uso implica a inversão do par agente/paciente.

Por outro lado, uma conceituação de Vsup que tem a correferência como acidental é Petruck & Ellsworth (2016), na qual se encontra "controle" como um fenômeno à parte, ao passo que a noção "suporte" é definida como identificadora de "palavras que não significariam a mesma coisa sem seu dependente sintático" (p. 75, nossa tradução), havendo assim maior ênfase na idiomaticidade do par, ideia expressamente derivada de Mel'čuk (1998).

Na Teoria Sentido-texto, Mel'čuk (1998) considera a construção com Vsup como um "semi- frasema", isto é, um conjunto de lexemas interdependentes, sendo que um dos elementos (nesse caso, o substantivo) impõe restrições ao outro. Elas são contrapostas às expressões idiomáticas e semi- idiomáticas em termos de composicionalidade. Assim, lançando mão de outros pressupostos, a

4 Não se trata de recriação acidental do mesmo critério: mesmo fazendo parte de outros paradigmas de pesquisa, os

autores se baseiam em parte, respectivamente, em Gross & Vivès (1986), Gross (1981) e Giry-Schneider (1987). Por outro lado, também não estamos diante de uma adoção literal do conteúdo desses textos. Meyers (2004), por exemplo, estende o conceito de "suporte" a adjetivos e substantivos que possuem propriedade de correferência entre sujeito e oração completiva.

5 Tal afirmação não corrobora a ideia de que os critérios para estabelecer correferência entre os elementos sejam os

mesmos para todas essas abordagens. As possíveis diferenças devem ser consultadas nas fontes.

6 Isto é, um predicado formado por mais de uma palavra ou, nas palavras de Butt (2010), palavras que correspondem

a uma única oração (no original em inglês, "monoclausal", p.2). "Complexo", aqui, não se refere ao resultado de uma transformação.

relação de dependência entre o paradigma de seleção do Vsup e o substantivo é também utilizada nessa teoria.

Similarmente, Butt (2010) sugere que predicados complexos e, portanto, os verbos leves, se distinguem de construções de controle por serem constituídas de uma única oração (p. 2); ao longo do trabalho, a autora não elenca a referência como componente fundamental da construção com verbo leve, ainda que esta esteja presente em muitos de seus exemplos.

Trabalhos centrados em expressões multi-palavras, como Sag et al (2002) e Savary et al (2017), propõem critérios semelhantes para distinguir as construções com "verbo leve" de outros tipos de expressão multi-palavra. Por sua vez, Langer (2004) e Bonial (2014) identificam algumas outras possibilidades sintáticas, quando não idênticas, muito próximas às de frases com verbo pleno, as quais justificam, neste último, que se chame as construções com Vsup de "semi-composicionais".

Quanto ao termo “verbo leve”, Jespersen (1949, p. 117) é apontado como um dos primeiros a utilizá-lo, segundo Butt (2010) e Bonial (2014). Na definição desse trabalho, adaptada para terminologia gramatical corrente, o verbo leve é uma palavra não significativa (isto é, semanticamente vazia) com flexão de tempo e pessoa, que acompanha a "ideia importante" (semanticamente plena) veiculada por um substantivo deverbal, sendo comparado a verbos auxiliares.

A ideia de que o Vsup é semanticamente vazio não é inteiramente aceita em Léxico-Gramática: ainda que "em uma primeira aproximação se considere que os verbos suporte são palavras gramaticais (...) vazias de sentido"7 (GROSS, 1998, p. 26, nossa tradução), "determinados verbos suporte, caracterizados por suas propriedades sintáticas, são claramente portadores de sentido"8 (idem, p. 28, nossa tradução). A esses verbos suporte de semântica própria, o autor denomina "variantes". Trata-se de verbos suporte que trazem informações aspectuais, os quais exploramos em mais detalhes no capítulo 3, e variantes de intensidade, repetição, exteriorização, conjuntivos e outras. Além disso, há verbos que carregam sentidos vagos: é o caso de "cometer", que atribui uma polaridade negativa ao Npred com o qual se combina (GROSS, 1998, p. 39 - 40). Por fim, o Vsup acompanha Npred como um todo, e não apenas deverbais. Dessa forma, o verbo leve de Jespersen (1949) se diferencia do Vsup de Gross (1998) por dois fatores: a semântica vazia do verbo leve, não obrigatória para o Vsup, e o tipo de substantivo que acompanha o verbo.

Procurando uma definição mais moderna de verbo leve, contrapomos nossa abordagem ainda à de Bonial (2014, p. 16), que lida com essas variações de outra maneira ao definir o "verbo leve" a

7 Original: "En première approximation, on pourrait considérer que les verbes supports sont des mots grammaticaux

(...) vides de sens".

8 Original: "(...) certains verbes supports, caractéristiques par leurs propriétés syntaxiques, sont clairement porteurs de

partir de dois fatores: peso semântico e composicionalidade. A autora define o verbo leve como algo próximo de um verbo auxiliar em uma escala de "poder predicativo". Por esse ângulo, o verbo leve é altamente polissêmico, mas ainda mantém algum conteúdo semântico, o que o torna diferente de uma palavra funcional. Ao propor tal escala, a autora cria a categoria de verbos "semi-leves": isto é, verbos que ligam o Npred a um argumento, mas mantêm uma semântica própria. Além disso, propõe uma classe à parte de verbos aspectuais, equivalente às extensões aspectuais de Gross (1998), separando- os da categoria "verbo leve".

Distanciando-se ainda mais da definição de Vsup em Gross (1981), Butt (2010) escreve que "(...) a habilidade de carregar informações de tempo/aspecto ou ser flexionado não é uma característica típica dos verbos leves" (p. 5, tradução nossa)9. Nessa perspectiva, as características sintáticas e semânticas dos verbos leves variam entre línguas, formando subtipos, e sua única característica fixa é a propriedade de formar uma única oração composta por mais de uma palavra. Deve-se notar que os objetivos translinguísticos de Butt (2010) visam conceituações aplicáveis a línguas com morfologia verbal bastante distinta da que se verifica no português, trazendo questões alheias a este trabalho. Dessa maneira, Butt (2010) diverge das três definições de Vsup e verbo leve previamente apresentadas.

"Verbo leve", portanto, definido nesses termos, não coincide com o conceito de Vsup de Gross (1998). Se tentássemos conciliar as duas nomenclaturas, levando em conta Jespersen (1949) e Bonial (2014), teríamos os "verbos leves" como uma subcategoria de Vsup baseada em um julgamento semântico e restrita a substantivos deverbais. Entretanto, não trabalharemos com a categoria "verbo leve" no restante deste texto, mencionando-a apenas quando for necessário evocar um trabalho que a utilize.