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Ao assumir a perspectiva do surrealismo etnográfico na pesquisa em educação, ainda necessito acrescentar um item que auxiliará no delineamento da abordagem aqui empregada. A operacionalização deste estudo, em acordo com essas premissas, necessita, assim, de uma escrita que se proponha a outros panoramas reflexivos, inclusive sobre a própria maneira de conceber essa escrita (BUSSOLETTI, 2013). Refiro isso, pois concordo com o que Novarina (2009a) expressa ao dizer que:

Na escrita, toda a caverna do corpo ressoa de memória; as palavras cavam e trançam uma fuga; elas descem, pela dança, na própria matéria do pensamento. [...] O desejo é ir mais longe na língua, descer até sua sombra, seus movimentos secretos, tirar todas as cores, encontrar todas as marcas (NOVARINA, 2009a, p. 43).

Considero que a imersão na vivência da prática de pesquisa, seguindo a proposta de surrealismo etnográfico, requer um tipo de escrita em que conceitos, textos, reflexões possam ser abordados e fazerem parte do processo vivenciado pelo pesquisador, sem que necessitem de palavras escritas para ilustrá-los, conforme as normas e formalismos dos textos acadêmicos tradicionais o fazem. O surrealismo etnográfico nos permite ir além do que as palavras alcançam, descobrir que elas podem indicar apenas uma porta de entrada ou um véu de tule para passagens. As palavras se preexistem e, nesse preexistir é que o surrealismo etnográfico permite que avancemos nesse entre-espaço, pois, conforme Novarina (2009a):

O que as palavras nos dizem no interior onde ressoam? Que não são nem instrumentos de escambo, nem utensílios para se pegar e jogar. [...] elas ressoaram muito antes de nós; chamavam-se umas às outras muito antes que estivéssemos aqui. As palavras pré-existem ao teu nascimento. Elas razoaram muito antes de você (NOVARINA, 2009a, p.14).

A percepção de que a escrita em palavras pode apresentar limites ao se avançar no espaço investigativo do surrealismo etnográfico, significa que suas navegações pelo universo do inconsciente e/ou pelo campo emocional, sensorial, sinestésico e afetivo encontrarão limites passíveis de serem borrados, posto que podem agregar em suas abordagens reflexões sobre variáveis distintas das possivelmente asseguradas pela objetividade, razão e lógica instituídas. Essa peculiaridade confere ao surrealismo etnográfico uma particular capacidade de liberdade em campo de pesquisa, uma vez que se está sempre em busca do novo, em como abordá-lo e como trazê-lo à tona quando sua ontologia não couber mais em palavras. Nesse sentido, refiro a alegoria do nó cristalográfico, proposto por Bussoletti (2011) expondo que:

64 [...] a cristalografia como a ciência que estuda os cristais permite uma via de acesso à imagem [...] possui a valoração imaginária de algo que se coloca pela visão, quer seja pelo cristalino do olho, quer seja pela tabulação poética das luzes cristalinas do olhar. O nó cristalográfico, enquanto imagem poética, permite, assim, entre o estranhamento e a familiarização, que representemos os movimentos de tensão e ambivalência necessários para a compreensão da imaginação criadora no exercício da escrita de pesquisa surrealista. [...] espaço onde as antíteses e a consciência da ambivalência são instrumentos que produzem a dinâmica necessária da ruptura em busca da palavra nova (BUSSOLETTI, 2011, p.08).

Desse modo, ao propor abordagens que se aprofundem em perspectivas prismáticas48, nas quais a imagem é assumida como texto, conteúdo reflexivo em si e não como elemento ilustrativo, enlaçar os tópicos surgidos durante a vivência do processo de pesquisa, propicia mergulhar em reflexões que fogem ao bi, tridimensional, assumindo a alegoria do prisma cristalográfico como uma abertura aos múltiplos olhares e trânsitos que podemos ter em relação aos focos de análise e escritas de pesquisa. Essa acepção, possibilitaria, inclusive, a abertura e a ampliação de possibilidades para escritas nas quais a poesia, literatura, teatro, elementos virtuais, fotografia, música, dança, performance art, vídeo e demais artes possam se constituir em suas próprias existências, imagens, experiências e linguagens, como alternativas legítimas de inclusão na escrita de tais trabalhos, sem se proporem a ser meras escolhas de ilustrações para esses textos. Na busca de encontro dos nós, justaposições e ambivalências, problematizados sob esse ponto de vista, significa que também necessito surrealizar não apenas a escrita, conforme Bussoletti (2011, p.08) afirma, mas “surrealizar a escrita para mais uma vez reafirmar a pesquisa e a educação como um inquieto ofício e um imenso risco [...] Afinal, não é esse o destino das coisas que se reivindicam vivas?”.

Trazer o contexto imagético à escrita acadêmica, não apenas no que se refere a criar imagens por meio de operacionalização interpretativa da escrita textual, mas ao incluir imagens em instantes fixados, como aberturas a chaves de compreensão, ou mesmo como em movimentos, ou obras de artes visuais vem ao encontro de um dos pressupostos que considero de fundamental importância ao se incluir as imagens como textos em estética neste

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Concebo aqui a perspectiva prismática e o prisma como possibilidades múltiplas que também são multifocais, com elementos que podem ou não dialogar entre si. Mas, que possuem um algo de origem similar e jamais estanque, sempre com potencial de se borrar, se hibridizar, se movimentar, possibilitar novas nuances, novas texturas reflexivas. Outras maneiras de se efetuar a escrita de pesquisa por meio de uma hibridização de linguagens, sejam elas literárias, corporais, imagéticas, sonoras, sensoriais ou artísticas de um modo geral. Assim como a luz incidida sobre alguma das faces do prisma produz diferentes matizes e tonalidades, eles também estão em movimento, intercâmbio, mistura e, por esse motivo, dão margens a novos olhares, novas situações. Trazer isso à escrita de pesquisa, significa conceber que não apenas a imagem seja texto, mas outros elementos também o são, como por exemplo, o movimento, a cena, o vivenciamento, o teatro, a dança, a performance, o vídeo, o virtual, as artes em geral. A dinâmica da relação de escrita entre as diversas linguagens promove outros meios de significar, compreender e se relacionar com as pesquisas em educação.

65 tipo de escrita, quando se está trabalhando com a metodologia de surrealismo etnográfico. Nesse sentido, concordo com o que Aumont (2014) refere quando expõe que:

[...] a imagem <<contém>> inconsciente; inversamente, o inconsciente <<contém>> imagem, representações. Todavia, é impossível precisar de que modo essa imagética está presente no inconsciente, dado que, por definição, o inconsciente é inacessível à investigação direta, [...] (AUMONT, 2014, p. 52). Quando o autor acima refere à impossibilidade de acesso ao inconsciente, ele está explanando sobre o fato de que investigações que desejem permear pelos caminhos do inconsciente, agregando seus elementos como subsídios reflexivos que vêm à tona, elas deverão buscar vias outras que não as tradicionalmente desenvolvidas em estudos que se fixam em análises objetivas, lineares e diretas dos fatos, experiências e realidades. Há que se abrir à percepção de um outro tipo de abordagem para se tangenciar esses entre-espaços. No trecho acima se percebe a estreita relação entre imagem e inconsciente, esta peculiaridade parece dialogar intrinsecamente com o surrealismo etnográfico e representar um importante fator no diálogo da imagem na escrita acadêmica por meio desta metodologia e, inclusive, agregar a imagem como fragmento, lampejo de estímulos reflexivos. Segundo Aumont (2014):

Da imagem também esperamos, por vezes, que ela nos introduza num mundo diferente em que vivemos. Muitas vezes as imagens artísticas procuraram fazer-nos <<ver>> coisas impossíveis, apresentando-as quer no modo da fantasia [...], quer como imagens de um outro mundo [...], quer por fim subvertendo um tanto a imagem do mundo comum (um pintor como Magritte fez disso a sua especialidade). [...] Essa função de imaginário da imagem é importante, social e psicologicamente, e foi amiúde apresentada como a mais importante (pelos surrealistas, por exemplo). [...] A imagem tem como função consolidar e precisar a nossa relação com o mundo visível. Ela desempenha um papel de descoberta do visível. Vimos que a relação com o visível é essencial à nossa atividade intelectual: a imagem permite-nos aperfeiçoá-la e dominá-la (AUMONT, 2014, p. 53).

Quando trabalhamos com a metodologia do surrealismo etnográfico, estamos abertos a ampliar as possibilidades da escrita de pesquisa acadêmica. Nesse sentido, agregar elementos oriundos das artes permite que a discussão assuma patamares mais profundos, pois incluem aí subsídios em estética, contendo intrinsecamente estímulos a outras perspectivas do cognitivo, nesse caso, do cognitivo-significativo-afetivo. Desse modo, concordo com o que Aumont (2014) refere, quando menciona que:

A interpretação das imagens é diferente das palavras porque os aspectos sintáticos, prescritivos e verídicos da gramática verbal não se aplicam; as imagens, sobretudo, não podem ser verdadeiras nem falsas, pelo menos no sentido de que se revestem esses termos para as linguagens verbais. [...] Essas abordagens sublinham principalmente a capacidade da imagem para fazer-nos presenciar um fenómeno [...] (AUMONT, 2014, p. 182).

66 Dessa maneira, para aprofundar as perspectivas reflexivas no surrealismo etnográfico se pode fazer uso das imagens considerando-as como texto em estética. Entretanto, apesar de, nesse momento do texto, estar me fixando na discussão sobre imagens como texto, gostaria de re-enfatizar que a mesma discussão ressaltando a importância delas como elementos reflexivos de textualidade em estética, também se aplica a outros tipos de linguagens artísticas, uma vez que as potencialidades pela via da estética estão presentes em quaisquer de suas possibilidades.

No caso do texto desta tese, além de as imagens, também incluo recursos virtuais por meio de links de internet que conduzirão a fragmentos de cenas relacionadas ao que se está abordando em determinadas partes do texto. Em função de estar abordando aspectos relacionados ao trabalho em teatro, acredito que esse tipo de recurso possa auxiliar o leitor a se envolver com a narrativa que aqui construo de uma maneira diferenciada.

No entanto, há que se perceber, também, uma ampliação do que desejo expressar quando falo sobre imagens, uma vez que elas não estão apenas relacionadas às imagens aqui indicadas para os links de acesso aos vídeos ou às que estão impressas ao longo deste trabalho. Aqui, quando estiver falando sobre as sensações, as sinestesias relacionadas ao experimento poético-teatral e às relações de corporeidade, estou refletindo sobre fragmentos de sensações, fragmentos estes que podem apresentar imagens, sons, sensações, estesias, elementos dispersos e resguardados no ínfimo das sensações de/em corporeidade e, assim, também, pelas vias do inconsciente, podendo expressar histórias, narrativas, experiências que requerem uma maneira outra para expressá-las em sua amplitude reflexiva na escrita acadêmica. Concordo com o que Aumont (2014) refere ao expressar que:

Todas as imagens têm a possibilidade de contar uma história, mas não há uma relação de proporção literal e automática entre o seu tempo empírico e a temporalidade do que elas contam ou ilustram, e ainda menos entre o tempo empírico e a <<quantidade>> de coisas contadas (AUMONT, 2014, p. 189). Apesar de a perspectiva reflexiva do autor supracitado se pautar em outro tipo de análise sobre aspectos de temporalidade, a descontinuidade do processo e a relação com as imagens são noções que sinto que devo agregar ao que é referido acima. O inconsciente como meio de acesso de um constante dispersar de fragmentos dotados de experiências múltiplas, à espreita, em latência do por vir, requer que as narrativas que desejem se aproximar dele permeiem elementos de ontologias que não se fixem nos meios pelos quais a lógica racional se apega objetivamente. Para que as subjetividades possam ser surpreendidas, há que se ter uma escrita espantada, uma escrita que possibilite à estética se potencializar como

67 disparadora de reflexões. Essa parece ser uma das necessidades da escrita quando se está trabalhando por meio do surrealismo etnográfico.

O surrealismo etnográfico é um hibridizador de linguagens, um matizador de possibilidades, no qual diversas instâncias de escritas de pesquisa se coadunam propondo

outras perspectivas que englobam aspectos diferenciados dos processos cognitivo-afetivos e,

no caso deste trabalho, importantes para abordar essas peculiaridades incluindo o sensível, a partilha do sensível, o sinestésico e os processos cognitivo-afetivo-significativos. Para tanto, seguindo essa perspectiva, há que se ter cuidado para que, ao incluir as artes como escrita- reflexivo-sensível, não torna-las meras ilustrações dos textos escritos e delimitados pelas possibilidades da lógica encefálico-fisiológica-racional. Há que se perceber as artes, como linguagens, como textos de si, em si e em diálogo justaposto com as discussões e reflexões a que os trabalhos utilizando o surrealismo etnográfico se proponham a efetuar.

O trabalho aqui desenvolvido foi realizado por um ator, levando em consideração que seu foco empírico49 se abriu à possibilidade de investigação sobre aspectos envolvendo corporeidade, sonoridade, sinestesia, havendo a necessidade de se transgredir os limites das palavras para vislumbrar caminhos. Desse modo, a escrita relacionada a essa pesquisa também requeria uma perspectiva de expansão para além do que as palavras conseguiriam apreender, já que tais elementos investigados se expressam por outras vias. Nesse sentido, concordo com o que Novarina (2009a) refere ao dizer que:

As palavras são como caroços que é preciso quebrar para liberá-los pela respiração. A palavra, primitivamente, é algo enterrado: alguma coisa que quebra por dentro; a linguagem é mineral e se abre, soprada. [...] A língua é o chicote do ar (NOVARINA, 2009a, p.17).

Mas, além disso, pensando no estudo aqui realizado e por quem o realiza, também há a necessidade de surrealizar a própria pesquisa de campo, problematizando e propondo reflexões surgidas por meio da abordagem estética da prática de pesquisa. Por esse motivo, exponho o que Bussoletti (2011) reflete sobre as inter-relações entre surrealismo e o nó cristalográfico na escrita de pesquisa ao dizer que:

Propomos assim o reencontro com a aventura surrealista, utilizando o termo num sentido “expandido”, numa tentativa de circunscrever a estética da escrita pelos horizontes cambiáveis e distintos da ciência e da arte, apostando nas trocas e no fazer emergir de novas possibilidades de ciência e de realidade. [...] A “surrealização” da escrita de pesquisa é uma aproximação ao conceito de “surracionalismo” de Bachelard (1936), onde o autor possuía outra concepção de razão que incorpore ao pensamento exercido da liberdade de criação tal como o surrealismo opera nas artes (BUSSOLETTI, 2011, p. 03-04).

49

Abordagem explicitada no Capítulo 6, “ENCONTRO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA”, a partir da página 102.

68 Por se tratar de uma proposta ética e estética de pesquisa que abarca questões não pertencentes a variáveis que podem ser configuradas em modelos tradicionais de investigação acadêmica quantitativa, a necessidade de exposição de outro olhar para esse exercício se fez necessária. A grande área da educação, assim como o campo poético, das artes, do alegórico e do simbólico, ao serem integrados em perspectivas de escrita e análise que demandem movimentos diferenciados dos tradicionais, podem fomentar o surgimento de novas questões sobre o processo de re/significação, relação, recepção e diálogo, contribuindo para o pensar de novas alternativas de pesquisa. Ressalto, também, que devido ao fato de esse estudo ser desenvolvido por um ator, em acordo com os parâmetros específicos das artes cênicas, os meios pelos quais suas observações e suscitações de reflexões ao longo da realização do experimento poético-teatral50 comportavam possibilidades nas quais a palavra já não mais conseguia dar conta, uma vez que meu foco estava nas relações de corporeidade51, excedente de visão52 e processo de significação53.

As pesquisas que envolvem práticas em artes cênicas como seu trabalho de campo demandam singularidades que talvez não sejam tão divulgadas para as outras áreas do conhecimento (BIÃO, 1999; 2007; 2009; KEEFE; MURRAY, 2007; MURRAY; KEEFE, 2007; KERSHAW; NICHOLSON, 2011; PARKER-STARBUCK; MOCK, 2011; PRENDERGAST, 2014; O‟DONOGHUE, 2014). Mas, além disso, metodologias que investiguem reflexões surgidas por meio e/ou durante a prática artística ou o processo criativo que não se destinem apenas a abordar execução ou proposição de técnicas específicas, também são pouco difundidas, inclusive dentro das próprias pesquisas em artes cênicas. No caso do estudo aqui realizado, aninho ao surrealismo etnográfico a particularidade de desenvolver uma metodologia em diálogo com o que Prendergast (2003) refere sobre solilóquio.

Em meu estudo, expando a visão de solilóquio enquanto momento reflexivo da personagem em uma peça de teatro para, também incluindo esse aspecto, considerar o solilóquio como uma espécie de instante para uma etnografia surrealista de/em criação artística. Nesse caso, o método de solilóquio é considerado como sendo um diálogo entre o eu

50

Experimento descrito no Capítulo 6, “ENCONTRO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA, a partir da página 102.

51

Essa abordagem será aprofundada no Capítulo 8, “O EXCEDENTE DE VISÃO, A RELAÇÃO ATOR x ESPECTADOR E O PROCESSO DE SIGNFICAÇÃO DO EVENTO TEATRAL”, a partir da página 127, associando-se o que será abordado no Capítulo 9, “DRAMATURGIA DA CORPOREIDADE”, a partir da página 143.

52

Idem Nota 51.

53

69 e o mim, abrindo oportunidade para um innerlogue, ou um tipo de “auto-diálogo interior”, uma interação que pode ser alegórica ou simbólica entre o eu atuando e o mim reflexivo, conforme o objetivo do que se esteja desenvolvendo. Essa abordagem pode auxiliar pesquisas qualitativas em práticas reflexivas para iluminarem a “voz interna” de suas reflexões, uma voz pré-textualizada, pré-verbalizada, uma voz fenomenologicamente viva, um meio de re/encontrar/confessar o que está protegido pelos bastidores do inconsciente.

Soliloquiolizar nos permite fazer pequenos retratos, evidenciar fragmentos pessoais, como uma chave ao self, uma fonte de vida no inconsciente. Considerando esse eu como expressão de um impulso interior e o mim como análise reflexiva do eu, uma auto-alteridade para se compreender as relações consigo, com o próximo e com o mundo, a abordagem sob a via do solilóquio permite ao ator/ator-educador/pesquisador o distanciamento reflexivo para o desenvolvimento e análise de sua pesquisa de campo quando, neste caso, envolver seu próprio corpo, sua corporeidade, seu processo criativo (PRENDERGAST, 2003).

Nesse estudo, as percepções sobre o momento criativo e o evento teatral54 prescindem um aprofundamento na essência da concepção de instante para o trabalho de ator. Esse fato evidencia tais experiências como breves fragmentos de vivenciamento, fragmentos a comungar, os quais, por sua efemeridade, requerem uma abordagem investigativa específica que possibilite a imersão para além das superfícies do momentâneo, extraindo daí caminhos para o universo profundo do não aparente, do não dito, do silêncio, pois, conforme Novarina (2009a, p. 46) refere: “a ação do ator é desagida, num instante, numa só vez: não há nada para ver a não ser um relacionamento aberto, uma escapulida. [...] um lugar onde passamos junto. E que engolimos”. Nesse caso, a proposta de surrealismo etnográfico vem ao encontro de uma necessidade que meu campo empírico requer em expandir as possibilidades de comungar vivenciamentos e reflexões, se aprofundar em um espaço-tempo no qual a vivência é fugaz e única em momento de presença, um sobressalto rico em vestígios.

Quando trago a presença cênica55 e o vivenciamento das relações de corporeidade56 para o meio dessa discussão, sei que também estou criando uma limitação à escrita desse estudo por meio de palavras, uma vez que a sinestesia ao se reivindicar em acontecimento para sua explicação, prescinde o vivenciamento, o estésico que não cabe nas grades das

54

Terminologia apresentada no Capítulo 1, “O TEATRO EM MIM”, a partir da página 21, aprofundando o conceito com o que é abordado no Capítulo 10, “A PEDAGOGIA DO EVENTO TEATRAL”, a partir da página 192.

55

Conceito aprofundado no Capítulo 9, “DRAMATURGIA DA CORPOREIDADE”, a partir da página 143.

56

Este processo está aprofundado no Capítulo 9, “DRAMATURGIA DA CORPOREIDADE”, a partir da página 143, associando-se ao que é abordado no Capítulo 10, “A PEDAGOGIA DO EVENTO TEATRAL”, a partir da página 192.

70 palavras. Nesse sentido, justamente por considerar que palavras possuem limites, considero que, mesmo por entre eles, seja possível escapar, vibrar, volatilizar, flanar, extravasar para elementos de escrita que vão além delas. Porém, como efetuar essa escrita quando determinados elementos não couberem em palavras? Talvez, não encontre a resposta ainda nesse momento, mas uma alternativa que proponho é incluir o vivenciamento, o contato, a recepção estética, as relações de corporeidade, as artes, quando as palavras não mais alcançarem o que a significação requer por meio do sensorialmente estésico e não menos cognitivo.

A noção surrealista que proponho – aninhada ao soliloquiolizar -, vem ao encontro da

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