• Nenhum resultado encontrado

Outras estratégias

No documento Em tempo (quase) real (páginas 92-95)

matam 14 policiais A nota não trazia nenhuma indicação que ação semelhante

31 CGNews – Domingo, 14 de maio de 2006, 11h

4.2 Outras estratégias

Mas as estratégias do Nível Discursivo não terminam aqui. A primeira meta do discurso jornalístico é alcançar a objetividade e a imparcialidade, como explica o Manual de redação do jornal Folha de São Paulo, no item procedimentos (2001, p. 45). “Para relatar um fato com fidelidade, reproduzir a forma, as circunstâncias e as repercussões, o jornalista precisa encarar o fato com distanciamento e frieza”. Na primeira parte desta dissertação já apresentamos como esse conceito é entendido pela Semiótica, neste momento cabe saber que, para conseguir esse efeito junto ao

enunciatário, o enunciador mantém, nas notícias publicadas, um discurso projetado nas terceiras pessoas do singular e do plural e um efeito de generalização. Em Semiótica chamamos esse recurso de debreagem enunciva, quando o enunciador, para alcançar essa impressão de afastamento do discurso, constrói sua enunciação no tempo do “lá”, no espaço do “então” e na terceira pessoa.

Ao recolher o montante de notas da cobertura das rebeliões é possível notar que ainda que busque o mesmo discurso objetivo e imparcial, arcado no distanciamento de pessoa (os detentos, os policiais, os agentes, a PM, etc), e no espaço do lá (no Presídio, no Estabelecimento Penal de Segurança Máxima), o discurso mesclou recursos enunciativos, que concedem ao texto um sentido de proximidade, por isso, embora os acontecimentos estivessem “lá no presídio”, ao mesmo tempo eles estavam “aqui em Campo Grande”, “aqui em Mato Grosso do Sul”, em referência ao “aqui” do internauta. Ao recorrer aos dois modos de construção textual, o site aproxima a cobertura do interesse do leitor, que projeta e reafirma seu próprio simulacro de “jornal REGIONAL”.

Nas escolhas temporais uma particularidade típica dos ditos produtos em “tempo real” é o tempo enunciativo, que aproxima o enunciatário do acontecimento e da própria enunciação. Para conseguir efeito de vizinhança entre o tempo cronológico e o tempo de inserção, o jornal produziu seu discurso no Presente – “agora”, “neste momento” -, e quando não, usou o Passado como condição de memória, voltando em seguida o texto para o momento da enunciação, ou seja, o passado serviu apenas como uma contextualização do fato, que em seguida volta-se para o presente.

Exemplo (trecho da nota):

Penitenciária de Dourados também enfrenta rebelião – 14 de maio (12h15)

Presos de Dourados também iniciaram uma rebelião, por volta das 11h50 deste domingo, na Penitenciária de Segurança Máxima Harry Amorim Costa. De acordo com o Dourados News, vários tiros foram ouvidos no interior do estabelecimento. Informações preliminares dão conta que existem reféns. Conforme notícias de um policial militar do Serviço de Guarda e Escolta o clima no local é bastante tenso.33

No trecho destacado, percebe-se que o verbo no Passado Simples (Pretérito Perfeito 1), “iniciaram”, tem como objetivo contextualizar a informação com relação a outras rebeliões que o jornal vêm cobrindo, mas já na primeira frase o enunciador escolhe o demarcador “deste domingo” para lembrar que o acontecimento é o hoje do enunciatário/enunciatário, que não está desatualizado. O restante da nota volta- se para o Presente, para o momento “agora”. No restante da cobertura, o passado também foi neutralizado nas notícias com expressões como “agora há pouco”, “há pouco”, “deste domingo”, “de hoje”, “desde tal hora”, “já dura mais de tantas horas” etc. O efeito de continuidade foi mantido com a escolha de construções no gerúndio, com “estão sendo”, “está acontecendo”, “estão fazendo”, “estão tentando”, “estão discutindo”. Ou seja, o enunciador busca, enquanto Pessoa, um distanciamento do dito, enquanto que na Temporalidade produz uma aproximação. No discurso de uma mídia on line é uma miscigenação de recursos enunciativos, que agregam proximidade – Tempo e algumas vezes também o Espaço – e enuncivos – Pessoas. Com isso, embora o jornal mantenha sua postura de objetividade enquanto observador, mostra-se também como alguém que enuncia no momento em que vê.

Como a sanção primordial é ser o mais rápido, ele busca esse reconhecimento. A medida não compromete o efeito de objetividade, como bem lembra Fiorin (2005b): “Como a pessoa enuncia num dado espaço e num determinado tempo, todo espaço e todo tempo organizam-se em torno do ‘sujeito’, tomado como ponto de referência. Assim, o espaço e o tempo estão na dependência do eu, que neles se enuncia” (p. 163).

Trechos do dia 14 de maio:

Desespero toma conta de familiares no Segurança Máxima – 11h50

Familiares dos detentos do Presídio de Segurança Máxima de Campo Grande se escondem atrás de prédios para fugirem dos tiros, que são dados no interior do estabelecimento. Uma rebelião começou há pouco e há informações de que esteja relacionada com a ação do PCC (Primeiro Comando da Capital). No presídio há diversos presos ligados à facção.

Presídio é cercado; há suspeita de reféns no local – 12h01

Pelo menos cinco viaturas da Polícia Militar estão no entorno do Estabelecimento Penal de Segurança Máxima, em Campo Grande, onde ocorre uma rebelião. Além

da PM, o Cigcoe (Companhia de Gerenciamento de Crises e Operações Especiais) está no local. A polícia trabalha com a possibilidade de reféns. Hoje é dia de visita e há vários parentes de presos dentro do presídio, incluindo crianças e adolescentes.

Detentos são transferidos para Presídio Militar – 13h43

Detentos do pavilhão 4, que não se envolveram na rebelião que toma conta do Estabelecimento de Segurança Máxima de Campo Grande desde às 11h30 de hoje, estão sendo transferidos para o Presídio Militar.

Nesses três trechos o princípio de distanciamento e de objetividade é garantido pelas escolhas de Pessoa e Espaço: são “eles” e “lá no presídio” - ainda que em Campo Grande, longe do leitor. No entanto, como o Tempo é o germe que orienta uma mídia on line, o fato é narrado “agora”: ‘tiros são dados (agora), “onde ocorre (agora) uma rebelião”, “estão sendo transferidos (agora) para o Presídio Militar”.

No documento Em tempo (quase) real (páginas 92-95)