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Outras investigações sobre percepção de doenças de pessoas com

Capítulo 1. Revisão de Literatura

1.5 Doenças crônicas e percepção de doenças

1.5.6 Outras investigações sobre percepção de doenças de pessoas com

Um estudo realizado na Holanda, utilizando o IPQ-R, investigou o papel da percepção de doença em indivíduos cronicamente enfermos em relação à participação laboral (Boot, Heimans, Gulden & Rijken, 2008). Participaram 189 pacientes totalmente incapacitados para o trabalho e 363 que estavam empregados, sendo estes portadores de diversas doenças crônicas, como asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, diabetes mellitus e doenças musculoesqueléticas. Os resultados revelaram que a incapacidade para o trabalho esteve significativamente associada com a percepção de que a doença era mais grave. Pacientes cronicamente doentes que estavam trabalhando possuíam uma percepção de doença mais positiva e acreditavam com menor frequência que sua doença tinha sido causada por fatores psicológicos. Entretanto, os autores deste estudo ressaltaram que não era possível afirmar se cognições negativas sobre a doença são antecedentes à incapacidade para o trabalho ou são causadas, ou agravadas, pela própria incapacidade. Os autores sugeriram que fosse investigado se cognições negativas sobre a doença podem ser modificadas por intervenções, e se mudanças nas cognições sobre as doenças contribuem para a prevenção ou redução da incapacidade para o trabalho.

Em outro estudo buscou-se identificar a relação entre estratégias de enfrentamento e a percepção de doença em pais de crianças com doenças crônicas. Foi realizado no Brasil (região metropolitana de Porto Alegre) por Colleto e Câmara (2009) com 40 pais, sendo feita uma adaptação do IPQ-R para cuidadores de crianças com doenças crônicas. Os resultados demonstraram que os cuidadores percebiam o tratamento como uma forma de controle positivo frente à doença da criança; foi verificado também que havia clareza em relação às características e repercussões futuras da doença. Já em relação à representação emocional, observou-se uma percepção mais negativa da enfermidade. Constataram também que a percepção de maiores consequências negativas da doença associou-se a uma maior utilização de estratégias de enfrentamento de fuga e esquiva. Entretanto, os cuidadores que percebiam a doença com maior clareza em termos de sintomas (compreensão), apresentaram menor utilização da estratégia de fuga e esquiva. Também foi observado que um maior controle pessoal percebido associava-se a uma maior utilização de estratégias de afastamento. Assim, os resultados do estudo indicaram que estratégias ativas, focalizadas no problema, contribuíram para uma percepção de doença mais

adaptativa. Como limitações do estudo foram referidas o número reduzido de participantes e de processos intervenientes durante o preenchimento dos instrumentos. As autoras sugeriram a realização de estudos qualitativos junto a essa população, de maneira que informações sobre suas representações e estratégias de enfrentamento fossem aprofundadas. Estudos com cuidadores do sexo masculino também foram sugeridos, considerando que existe um número reduzido de publicações que investigaram este grupo. Além disso, foi apontada a importância de uma maior atenção dos serviços de saúde, proporcionando espaços de convivência e de trocas entre essas pessoas, com o propósito de promover a saúde mental das mesmas.

Já um estudo australiano foi realizado em pacientes com glaucoma, fazendo uso de colírio (Rees et al., 2010). O objetivo do estudo foi determinar o índice de não-adesão intencional e não- intencional em pacientes com glaucoma e identificar associações entre o comportamento de adesão e as crenças dos pacientes. Um dos instrumentos utilizados foi o Brief IPQ. A não-adesão intencional correlacionou-se significativamente com a coerência (compreensão) da doença e a dimensão temporal. Tal fato sugere que a não-adesão intencional foi associada com uma menor compreensão da doença e menos crenças sobre a natureza de longo prazo da condição. A não- adesão intencional também esteve associada com a subescala consequências, sugerindo que pessoas que apresentaram não-adesão intencional acreditavam que a doença não acarretaria consequências graves. Rees et al. (2010), autores desse estudo, concluíram que crenças sobre o uso do colírio influenciaram a adesão ao tratamento. Eles ressaltaram ainda a necessidade da implementação de estratégias para a promoção da adesão em pacientes com glaucoma que apresentavam não-adesão intencional ou não-intencional.

Ao contrário, estudiosos da Nova Zelândia (Dalbeth et al., 2009) não encontraram relação entre adesão à medicação e percepção de doenças, porém os achados parecem incoerentes. O objetivo do estudo foi investigar a percepção de doenças em pacientes com gota. Participaram 105 pacientes diagnosticados com gota há menos de dez anos, sendo utilizado o Brief IPQ. Os pacientes percebiam a gota como uma condição crônica, responsiva ao tratamento, mas não fortemente influenciada por ações pessoais. No entanto, de maneira intrigante, muitos pacientes acreditavam que ela foi causada por dieta ou uso de álcool e a maioria defendia que possuía boa compreensão da sua doença. De uma maneira geral, a condição foi percebida como acarretando um moderado impacto sobre suas vidas. A percepção negativa da enfermidade foi associada com um pobre controle e incapacidade para o trabalho em pacientes com gota. Esses achados sugerem a importância de outros estudos que investiguem a associação entre adesão ao tratamento e percepção de doenças. Ademais, acredita-se na importância de programas psicoeducacionais que auxiliem os pacientes com gota a desenvolver um novo repertório cognitivo e comportamental, favorecendo a construção de crenças mais realistas em relação à enfermidade.

Os estudos apresentados constituem apenas uma amostra das contribuições e avanços na compreensão da percepção de doenças. Também ilustram a amplitude do campo de investigação

desse construto, ressaltando que, para tanto, podem ser utilizados métodos quantitativos e qualitativos. No entanto, observa-se que o IPQ-R e o Brief IPQ, especialmente, constituem excelentes opções para investigar percepções de doenças e estão sendo comumente usados em combinação com outros instrumentos em função da sua praticidade. Daí a relevância de pesquisas que objetivam adaptar e validar instrumentos dessa natureza, conforme destacado no próximo capítulo.

Capítulo 2. Objetivos

A percepção dos pacientes sobre a sua condição é solicitada raramente em entrevistas médicas, apesar da sua importância, e os pacientes tendem a não expressar espontaneamente suas crenças aos médicos e profissionais de saúde, não permitindo que os mesmos atuem no sentido de auxiliar essas pessoas a desenvolverem uma percepção mais realista e funcional da enfermidade (Petrie & Weinman, 2006). Instrumentos, como o Brief IPQ, podem ser de grande utilidade para que profissionais de saúde, especialmente psicólogos, possam identificar rapidamente cognições disfuncionais dos pacientes sobre a sua doença e auxiliá-los na sua reestruturação. No Brasil, são inexistentes os instrumentos validados com os mesmos objetivos e vantagens do Brief IPQ. Devido a isso, acredita-se na relevância para a psicologia da saúde de estudos que disponibilizem instrumentos validados para a prática clínica e de pesquisa, favorecendo a ampliação de conhecimentos sobre os aspectos cognitivos e emocionais de doenças, possibilitando, consequentemente, intervenções psicológicas mais efetivas, especialmente cognitivo- comportamentais e psicoeducacionais.

2.1 Questões de Pesquisa

As seguintes questões foram norteadoras deste estudo:

 A estrutura fatorial do Brief IPQ em língua portuguesa (português do Brasil) é correspondente ao instrumento original em língua inglesa?

 Quantos fatores formam a estrutura fatorial do Brief IPQ nessa versão?  Qual a consistência interna de tais fatores?

 A versão brasileira do Brief IPQ possui um bom ajuste?

 A validade discriminante foi sustentada na versão traduzida e adaptada para a cultura brasileira?

 A percepção de doença varia em conformidade com características sociodemográficas e médico-clínicas?

 O Brief IPQ é um instrumento útil para a prática e para a pesquisa de profissionais de saúde? 2.2 Objetivo Geral

Este estudo teve como objetivo adaptar e validar o Brief Illness Perception Questionnaire (Brief IPQ) para a cultura¹ brasileira.

¹ Nota. O termo “cultura” foi empregado nesse estudo de maneira restrita, referindo-se especialmente a aspectos linguísticos da cultura brasileira.

2.3 Objetivos Específicos

Traduzir o Brief IPQ para a língua portuguesa (português do Brasil), com base nos procedimentos de análise semântica e tradução reversa;

 Identificar as propriedades psicométricas do mesmo por meio da análise dos componentes principais (ACP) e da análise fatorial confirmatória (AFC);

Relacionar variáveis sociodemográficas e médico-clínicas com os escores do Brief IPQ;

Comparar os escores do Brief IPQ entre os diferentes grupos estudados (validade discriminante).

Capítulo 3. Método

3.1 Delineamento do Estudo

O presente estudo teve delineamento transversal. Ressalta-se que nos estudos transversais os dados são coletados em um único momento. Uma outra característica desse estudo refere-se ao enfoque predominantemente quantitativo. Assim, a coleta e a análise dos dados foram realizadas com o intuito de responder às questões de pesquisa com base na medição numérica e na análise estatística descritiva e inferencial (Sampiere, Collado & Lucio, 2006).

3.2 Participantes

Participaram do estudo 325 pacientes, divididos em cinco grupos segundo o diagnóstico, compostos de 65 indivíduos em cada um deles, com enfermidades diversas: HIV/aids, diabetes, hipertensão arterial, psoríase e asma. Na seleção por conveniência dos participantes não foi feita distinção de sexo, raça, situação conjugal, condição socioeconômica e tempo de doença. Como critério de inclusão, no entanto, os participantes deveriam ter mais de 18 anos e ter cursado no mínimo a 4ª série do ensino fundamental, tendo em vista a autoadministração do Brief IPQ. Foram excluídos do estudo os pacientes que não consentiram em participar, bem como indivíduos com retardo mental ou outra limitação cognitiva que impossibilitasse o adequado preenchimento do instrumento.

Ressalta-se que a escolha das doenças crônicas investigadas baseou-se no interesse em compreender as diferenças entre a percepção de doença de indivíduos com enfermidades com características distintas e devido a questões de ordem prática, como número de pacientes atendidos e a frequência de ambulatórios no local escolhido para a coleta de dados. A caracterização sociodemográfica e médico-clínica dos participantes está descrita na seção Resultados.

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