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As descrições de Leocádio Correia não ficaram restritas à febre amarela. Como mencionei anteriormente, seus sintomas eram semelhantes aos de outras pirexias, cuja etiologia também tinha relação com o ambiente, principalmente os fatores climáticos. Vejamos, portanto, algumas observações de Correia referentes a outros tipos de febres. A importância desse tipo de comparação reside não apenas em permitir uma compreensão das dificuldades que os médicos tinham em diagnosticar determinada doença, portanto, em aplicar uma terapêutica eficaz, mas, sobretudo, e mais importante, nos permite ver o processo de identificação da doença como fenômeno histórico. Conforme vimos, os sintomas da febre amarela não eram específicos e sua dissociação da leptospirose ocorreu somente em fins dos anos 1920. Antes de 1930, quando testes de laboratórios permitiram um diagnóstico com base na presença do vírus, a identificação da febre amarela se fundamentava em seus sinais clínicos. Com base somente em tais observações e na ausência de amostras de sangue e cortes histológicos de órgãos, era muito difícil distinguir a febre amarela de outras doenças febris (LÖWI, 2006).

De acordo com Leocádio Correia, a maioria dos enfermos tratados durante o ano de 1877 havia sido vítima da febre palustre. Apesar de não explicar a etiologia desta enfermidade, identificava complexas características da doença em seu relatório:

Desde o seu insulto agudo, caracterizado por acessos simples, de todos os seus diferentes tipos, desde a sua manifestação remitente, simples, ou simulando muitas vezes uma febre tifoide, desde o grande número de formas que pode apresentar, pela predominância de um sintoma ou conjunto de sintomas de um mesmo aparelho, o que faz com que muitas vezes se lhes dê um nome diverso, ou uma nosologia errônea; desde a sua manifestação super aguda, constituindo as formas graves do tipo pernicioso, até aquele estado que se pode considerar como o insulto ou infecção crônica do mal, a caquexia palustre, todas essas diferentes expressões clínicas foram mais ou menos observadas em Paranaguá (APEP, 1878, AP 535, Arquivo IJIP Vol. 2, Ofícios).

Durante 1877 apenas um caso de febre perniciosa foi constatado em Paranaguá, claramente demonstrada, afirma Correia: “pela especificidade da terapêutica aplicada, caso que pela singularidade do seu modo de invasão, só me foi possível firmemente reconhecer após aturada e contínua observação junto ao leito do doente” (APEP, 1878, AP 535, Arquivo IJIP Vol. 2, Ofícios). Este tivera como sintoma inicial uma diarreia, o que levou Correia a suspeitar de uma febre palustre. Pequenas doses de quinina foram ministradas ao enfermo, sem nenhum resultado. Passado algum tempo os sintomas se alteraram, agravando-se o quadro clínico. Correia então concluiu pelo diagnóstico de febre perniciosa em sua forma grave e delirante. A primeira crise durou quatorze horas e foi seguida por um segundo acesso. O febrento já era dado como morto quando, em uma última tentativa desesperada, Correia ministrou-lhe dez gramas de sulfato de quinina em um intervalo de 36 horas. O doente restabeleceu-se e entrou em convalescência (APEP, 1878, AP 535, Arquivo IJIP Vol. 2, Ofícios).

Em relatório referente ao ano de 1877, enviado ao governo da província do Paraná, Leocádio Correia argumentava que as febres perniciosas enganavam os médicos, dificultando o diagnóstico e a terapêutica, principalmente nos locais onde a doença raramente se manifestava. As febres perniciosas muitas vezes simulavam uma febre tifoide, uma pneumonia ou ainda uma hepato- enterite-aguda. Podiam também aparentar um ataque de apoplexia (derramamento de sangue no interior de um órgão) em sua forma apoplética (intensa ou grave), ou então uma disenteria simples. De acordo com Correia, a febre perniciosa poderia ter as seguintes formas: comatosa, carótica, epiléptica, álgida e colérica, sendo assim, uma enfermidade com complexo quadro sintomatológico (APEP, 1878, AP 535, Arquivo IJIP Vol. 2, Ofícios).

As infecções palustres, conforme nos revelam as estatísticas da Santa Casa de Misericórdia, foram uma das principais doenças a fazer vítimas na população de Paranaguá. A modalidade mais comum eram as febres intermitentes. Correia distinguia três manifestações típicas da infecção

palustre: calafrio, calor e suor. Os tipos mais comuns de infecção eram a cotidiana e a terçã. Seus sintomas iniciais eram sensação de frio nas extremidades, pés e mãos, seguido por percepção de calor intenso e prolongado. A febre remitente, explicava Correia, tinha o caráter de uma febre simples, mas podia também simular uma febre tifoide grave. Em 1877, um terço da população de Paranaguá contraiu algum tipo de infecção palustre, ou seja, aproximadamente 2.743 enfermos, se levarmos em consideração que o número de habitantes naquela época oscilava em torno de 8.228 pessoas (APEP, 1878, AP 535, Arquivo IJIP Vol. 2, Ofícios).

Entretanto, a moléstia mais frequente em Paranaguá, afirma Correia, era a caquexia paludosa ou infecção crônica de impaludismo, relacionada muitas vezes a surtos de febre não tratados. Contudo, Correia especificava que a caquexia paludosa também podia se manifestar independente de acessos febris anteriores. Essa doença tinha como sintoma inicial uma alteração no sangue, deixando o enfermo com coloração característica em virtude de alteração sofrida pelos glóbulos sanguíneos (APEP, 1878, AP 535, Arquivo IJIP Vol. 2, Ofícios), efeito muito semelhante ao da febre amarela, segundo apontamentos de João Vicente Torres Homem, que serão analisados a seguir. As observações de Leocádio Correia estavam em sintonia com as deste renomado médico da cidade do Rio de Janeiro, seu professor e autor de vasta produção científica. Entre suas obras destaca-se “Estudos clínicos sobre as febres do Rio de Janeiro”, que será utilizada nesta pesquisa como fonte primária e ponto de partida para a reconstituição de quadro mais amplo a respeito da febre amarela no século XIX.