PARTE 2. A OBRA DE ALEX FLEMMING: ESPAÇO, CORPO, MAPA
2.4 Outros encontros
exercícios de observação crítica.
No contexto interdisciplinar analisado nesta investigação, verificamos que a produção/representação do espaço na arte e na geografia se mostra fundamental, no intuito de compreender as relações humanas no/com o mundo, pois, compreendemos o espaço geográfico como uma esfera múltipla em que distintas trajetórias coexistem, tal como mostra Massey (2002, p. 32): “o espaço não existe antes de identidades/entidades e suas relações.” Esse é, evidentemente, um significativo desafio para ambas as áreas.
Consideramos que a obra de Flemming pode ser de expressiva fertilidade para o processo de formação docente em uma perspectiva interdisciplinar. Não se trata de ensinar conteúdos da geografia pela arte, mas sim de alargar os horizontes para evidenciar os dois campos e o cruzamento de saberes possíveis, algo importante para criar, inventar e imaginar percursos pedagógicos diferenciados, que permitam discutir identidade, espaço, lugar, território, corpo, mapas, conflitos, guerras, dentre outros aspectos.
Principalmente o corpo e o mapa possuem papeis significativos na obra do artista. Esse fato pode trazer, para o processo de formação de professores, um rico debate sobre os limites da racionalidade cartográfica, com a intenção de esboçar os conflitos contemporâneos. Por vezes, é preciso recorrer aos artistas e às produções, que podem despertar a sensibilidade estética sobre a geografia contemporânea.
2.4. Outros encontros
Iniciamos esta pesquisa com um olhar voltado à análise de uma das séries de maior reconhecimento de Flemming, denominada “Body Builders”. Contudo, ao adentrarmos no universo plástico do artista, observamos a necessidade de abordar outras obras que também compõem um fértil diálogo entre arte e geografia para a formação de professores. Ponderamos que a força do trabalho do artista parece se inserir no conjunto de toda a sua produção plástica, ao compreender que grande parte das suas produções é marcada por mapas e pelos sentidos que esses objetos têm na arte contemporânea.
Consideramos importante mostrar duas obras representativas do potencial das produções de Flemming para a formação docente: a obra “EU/ME”, de 2016, que pertence à série “Autorretratos” (Figura 14), e a instalação “Galileu Galilei”, de 2008 (Figura 15).
Figura 14: EU/ME Nota: Alex Flemming. EU/ME. São Paulo, 2016. Tinta acrílica e colagem sobre tela, 90 x 140 cm. Fonte: Disponível em: https://alexflemming.com.br/project/autoretrato/. Acesso em: 2 set. 2020 Figura 15: Instalação Galileu Galilei Nota: Alex Flemming. Instalação Galileu Galilei]. Berlim, 2008. Fonte: Disponível em: https://alexflemming.com.br/project/instalacao/. Acesso em: 2 set. 2020. Flemming não se contenta apenas com a beleza nos seus trabalhos, posto que, por elas, sua mente inquieta e ávida por produzir, o leva a questionar sobre política, religião, sexualidade, identidade, dentre outras temáticas. Tais obras sugerem (ou abrem brechas para) uma perspectiva potente de leitura, análise, pesquisa e composição estética, envolvendo arte e geografia. Isso nos permite trabalhar para além dos triviais conteúdos disciplinares e nos leva a investigar outros modos de desenvolver conhecimentos e questionamentos. Nesse itinerário
formativo, pode ser oportuno que os docentes se arrisquem a criar trabalhos com materialidades diversas sobre o corpo, o território e os mapas, com base, ou inspirados, nas produções de Flemming.
Nosso encontro com as produções artísticas pode ser, por vezes, singular. A formação estética será mais pujante se envolver o docente pelo saberfazer, do conhecimento e da ação. Duarte Júnior (2010, p. 23) indica que “a arte pode consistir num precioso instrumento para a educação do sensível, levandonos não apenas a descobrir formas até então inusitadas de sentir e perceber o mundo, como também desenvolvendo e curando os nossos sentimentos e percepções acerca da realidade vivida”.
Certamente, esses são alguns dos mais importantes papéis dos artistas contemporâneos: produzir efeitos no sujeito, incomodálo, interceptálo pelo estranho, pelo singular e pela possiblidade de brotar em si outras ideias sobre a realidade vivida e as questões do mundo.
PARTE 3
A OBRA DE YANA TAMAYO: A OCUPAÇÃO/PRODUÇÃO DO ESPAÇO“A paisagem nada tem de fixo, de imóvel. Cada
vez que a sociedade passa por um processo de mudança, a economia, as relações sociais e políticas também mudam, em ritmos e
intensidades variados.”
PARTE 3. A OBRA DE YANA TAMAYO: A OCUPAÇÃO/PRODUÇÃO DO ESPAÇO
3.1. Palavras iniciais
Ao pensar sobre o processo de interdisciplinaridade tendo como fio condutor a arte e a geografia, buscamos eleger certos conceitos e temáticas que dialogam e se articulam, promovendo uma relação de saberes, uma conectividade, que permita sair da fragmentação e do isolamento tão comuns no campo acadêmico e pedagógico em que essas áreas se movem.
Nesta seção abordaremos o trabalho de Yana Tamayo Sotomayor17, que investiga as mudanças arquitetônicas e construtivas que compõem e modelam o espaço urbano. Ao mesmo tempo, esboçase a simbolização e a imaginação como fatores importantes na produção espacial. Realizar uma pesquisa de cunho interdisciplinar é um desafio e, para Fazenda (2015), os pesquisadores no contexto interdisciplinar, são transformados de maneira significativa, pois: se reconhecerão cada vez mais capazes de pensar em sua prática, tomando consciência da importância e da necessidade de serem socializadores, construtores e produtores de conhecimento. A teoria e a prática vão ressignificando o seu trabalho por meio da pesquisa. Sem conclamar a neutralidade em suas ações, as suas formas de ver e de construir suas identidades pessoais e profissionais serão alteradas para sempre (FAZENDA, 2015, p. 27). A perspectiva interdisciplinar entre arte e geografia pensada para a presente pesquisa visa compreender e potencializar os processos criativos estéticos e estésicos18 como construção de conhecimento. No contexto educacional, essa forma de interação entre diferentes áreas do conhecimento possibilita a construção de um saber críticoreflexivo pelo corpo docente, que se estende nas práticas pedagógicas aos discentes.
Rajchman (2011) esclarece que “pensar em arte” envolve ponderar sobre as instituições de arte e os seus circuitos de exibição. As Bienais, os museus e os curadores globais fazem parte do contexto e disseminam várias leituras sobre a arte, fundamentalmente sobre a arte contemporânea. Esse autor nos provoca a perceber que a arte nos força a pensar e a pensar conjuntamente sobre materialidades, circuitos de exposições, outras possibilidades de criação e disseminação do trabalho.
17 Nome artístico: Yana Tamayo. Nas citações acadêmicas: SOTOMAYOR, Yana Tamayo.
18O conceito de estesia, de acordo com Duarte Jr. (2010) é “definido pelos dicionários como ‘faculdade de sentir’, como ‘sensibilidade’ e, secundariamente, como ‘percepção do belo’. Na Continuação da nota de rodapé sobre o conceito de “estesia”: “[...] verdade, tal termo apresentase hoje como irmão da palavra estética, tendo ambos origem no grego aisthesis, que significa basicamente a capacidade sensível do ser humano para perceber e organizar os estímulos que lhe alcançam o corpo. Mas, enquanto limitamos a abrangência do conceito de “estética”, e de modo a compreender tãosó as questões ligadas à experiência da beleza e as discussões acerca da arte, a ‘estesia’ diz mais da nossa sensibilidade geral de nossa prontidão para apreender os sinais emitidos pelas coisas e por nós mesmos” (DUARTE JÚNIOR, 2010, p. 136137).