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OUTROS SIGNIFICADOS DA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

No documento Download/Open (páginas 60-68)

Buscando a realidade social da deficiência intelectual, verificamos, no trabalho de campo, um total despreparo de mães e pais no que se refere a ignorar as condições de saúde de seus filhos no aspecto de qualidade de vida. Acreditam ser a condição da deficiência advinda do acaso, do pecado, do castigo divino e de outros imaginários. Reféns de sua situação econômica e social, deixam para o Estado os tratamento médico, educacional, terapêutico, quando existem na localidade. No contexto em que vivem, não conhecem condições básicas de saúde e políticas públicas específicas para atendimento ao deficiente intelectual que é uma parcela no montante de 14,5% da população brasileira, segundo o Censo de 2000, realizado pelo IBGE. Já a OMS afirma que países em desenvolvimento abrigam dez vezes mais crianças e adolescentes com deficiência que os países desenvolvidos. Ante a esse cenário, perguntamo-nos: seria possível o Brasil, com base em dados aproximados da realidade, promover políticas de atenção às pessoas com deficiência numa perspectiva dos direitos apoiados por todos os segmentos que, mobilizados, trariam à realidade a defensoria em causa própria?

Voltando à realidade, percebemos a falta de uma medicina preventiva para preparar a população no sentido de cuidados básicos individuais e coletivos de higiene e nutrição. Afinal, qualquer pessoa poderá também adquirir uma deficiência, seja por acidente de trabalho, violência urbana, acidentes de trânsito. Sobre isso, estimativas da OMS são de que mais da metade dos casos de deficiências poderiam ser evitados. Por exemplo, o mapeamento de 1995 destaca como evitáveis os transtornos congênitos e perinatais. As incidências de deficiência são congênitas, perinatais (falta do exame pré-natal 16,6%), doenças transmissíveis (16,8%), enfermidades crônico-degenerativas (21%) e desnutrição (11%). Também os transtornos de ordem psicológica (6,6%), alcoolismo e uso de drogas (10,0%) e causas externas (18%). Com esse palco da vida e vivendo na pobreza, os pais de crianças e jovens com deficiência permanecem com seus direitos violados, “acomodaram-se” com essa condição e não apresentam iniciativas na busca pelos serviços de saúde, como podemos confirmar pelos depoimentos seguintes:

a) Tem mais ou menos uns seis meses, foi depois que eu cheguei aqui, sou da Bahia. Tem uns seis a sete meses que estou aqui, que eu vim descobrir que ela tinha alguma coisa, que até então na minha cidade os

médicos nunca tinham falado nada, só que em criança prematura, que é muito difícil mesmo, que fica um tempo sem andar e tal, então aqui que eu vim descobrir que realmente ela tinha uma paralisia (S.M.).

b) Ele ainda era bebê, ele ia fazer sete meses quando começou a ter o problema de saúde dele. Fui dormir, quando acordei ele estava com uma febre que até hoje a gente não sabe o por quê. Mas, foi um choque muito grande (V.S.).

c) E eu descobri que tinha como lidar, porque assim, antes, eu não sabia como lidar. Ele tinha crises leves de espasmos. Então, aquilo ali eu não entendia. Às vezes ele batia no meu rosto eu não sabia porquê! Às vezes eu batia várias vezes nele porque não sabia. Quando eu descobri o diagnóstico dele que ele tinha um problema mental e que tinha que ser tratado, quer dizer, para mim foi uma alivio. Que eu descobri que tinha como tratar meu filho, em momento algum eu me senti assim, eu, e porque geralmente o primeiro passo é as mães se desesperarem e não aceitarem o problema. Não para mim, eu acho. Para mim ele é normal e o fato de eu descobrir que ele tem uma doença mental foi um motivo de alívio porque eu posso tratar dele, que foi o que aconteceu que venho tratando dele até hoje (I.S.).

A sociedade não percebe a pessoa com deficiência como um autor de sua própria história, apenas que ele é dependente da família ou de uma instituição social ou religiosa. Ainda prevalece o conceito médico sobre a deficiência, enquadrando as pessoas nas suas dificuldades. Programas sociais de atenção a pessoas com deficiência deveriam ser criados com base no contexto social em que a pessoa vive. Assim, distinguir as potencialidades, habilidades provocaria uma aura de inclusão social e a cultura seguiria com mudanças desses estigmas, sobre o que afirma Berger (1985, p.19) “A cultura consiste na totalidade dos produtos do homem”. Iniciativas de cunho público e a sociedade civil organizada poderiam construir a ambientes sociais favoráveis a todos, fazer um diferencial a todas as pessoas, com suas particularidades e singularidades, porém, constituindo pluralidades humanas.

O sentimento que nasce do significado da deficiência é de extrema dor, dor de morte. A morte é a única certeza naquilo que envolve um ser biológico, mas inaceitável. A notícia de um diagnóstico de doença, de deficiência nos filhos incapacita emocionalmente os pais ou familiares primeiramente e isso depois, forja uma condição de anomia, pois não procuram defender-se dos conceitos pré- elaborados acerca da deficiência e “introjetam” uma condição negativa. Para Elias (2001, p.31),

“A reticência e a falta de espontaneidade na expressão de sentimentos de simpatia nas situações críticas de outras pessoas não se limitam à presença de alguém que está morrendo ou de luto. [...] manifesta-se em muitas ocasiões que demandam a expressão de forte participação emocional sem perda do autocontrole.”

A seguir, poderemos observar uma mãe que depõe esse sentimento de culpa pela condição do filho. Enquanto isso, a vida passa e todas as criaturas humanas carregam suas limitações. Haverá superação para tamanha dor? O que sentimos é que os recursos de linguagem são insuficientes para demonstrar a falta de iniciativa para mudança de paradigmas:

O que eu entendi, e senti? Eu não entendi muito bem. Eu senti uma dor de morte, eu acho que senti uma dor de perder alguém muito querido, assim uma dor muito grande, assim um desespero, sei lá, não dá nem para explicar o que é, mas é um desespero, uma coisa assim que você não sabe o porquê, tenta entender. Uma culpa, um sentimento de culpa misturado com dor, acho que é um sentimento muito triste, muito, muito triste, muito profundo (M.R.).

A situação de abandono por que passam as pessoas com deficiência e suas famílias demonstra a incapacidade do sistema e da sociedade em articular ações na defesa de direitos de seres humanos. A extrema pobreza desencadeia doenças na infância e levam à deficiência. Mas a falta de recursos tecnicamente corretos é resposta às dificuldades encontradas, as quais vão se moldando no círculo do abandono até que a morte venha resgatar essas pessoas. Exclusão da criança prematura do atendimento médico causa aos outros um desconforto e ninguém sabe o que dizer. Para Elias (2001, p.31), “A gama de palavras disponíveis para uso nessas ocasiões é relativamente exígua. O embaraço bloqueia as palavras”. A criança viva, abandonada até a morte, parece ser uma condição naturalmente aceita. Vejamos o depoimento da mãe:

Olha, para falar a verdade, fiquei um tanto quanto assim constrangida, pelo fato deles não terem me dito antes, porque eu poderia ter procurado um tratamento mais cedo. Ela vai fazer quatro anos, eu já tenho uns sete meses que estou aqui em Goiânia, eu acho que se fosse, eu tivesse procurado um tratamento mais cedo, talvez o problema dela já teria sido resolvido, pelo fato de que na minha cidade os médicos serem assim. Eu acho que é uma deficiência da parte deles, que eu acho que uma criança que nasce prematura, eles sabem que a criança é prematura, eles sabem que a criança não aguenta respirar, porque eles não colocam logo no balão de oxigênio, dependendo, o médico me respondeu que criança prematura na nossa cidade nascia e eles colocavam em cima da cama, e ficava até a hora de morrer, não é uma falta de respeito com o ser humano? Eu tive que ir mais de uns oitocentos quilômetros para levar ela para um neonatal para ela poder conseguir sobreviver (S.M.).

Cuidados com o outro é um dever moral. Afirma Smith (apud BOFF, 2001, p.32) que “Piedade” e “compaixão” são palavras destinadas a designar o

compadecer-nos com a dor de outros” (grifos do autor). E a condição de doença, de deficiência, impõe uma certa autoridade que é reconhecida em todas as grandes culturas e religiões: a autoridade de quem sofre. A mãe apresenta suas dificuldades e limitações mas busca uma força transcendental para defender o direito do filho com deficiência intelectual ao tratamento de saúde: “O dia a dia é difícil. Para vir para o tratamento tem que dedicar somente a isto. Você deixa tudo para cuidar pessoalmente de tudo” (E.G.).

Houve, entre os entrevistados, uma mãe que destacou o envelhecimento dela como um agravante à situação que vive a filha, uma vez que é uma condição de incapacidade que se contrapõe à dificuldade da filha com deficiência intelectual. Em seu imaginário, a filha na cadeira de rodas sofre conscientemente com sua deficiência, mas sorri. Observa a mãe reclamando das dificuldades das duas mas se mostra alegre, animada. Nesse caso, pode ser que haja uma associação de desamparo real vivido pela filha à sua consciência desse desamparo, bem como às conseqüências que esse estado de deficiência certamente acarretará. Segundo Smith (apud BOFF, 2001, p.31), “[...] ela constrói em sua própria mágoa a mais completa imagem da miséria e da desolação”. Mesmo assim, a filha, na cadeira, continua sorrindo, dentro de sua inconsciência, despreocupada, e isso é remédio contra a angústia e o medo da sua realidade. Essa mãe, se defende afirmando:“As dificuldades são as minhas, estou cançada, enfrentar a rua para trazer aqui no Crer, ir atrás de remédios, de tudo. Eu sozinha cuido de tudo, mesmo com dificuldade” (M.B.).

Os pais de pessoas com deficiência, demonstram todo sofrimento quando percebem que suas necessidades não foram atendidas, buscam incessantemente se fazer ouvir e muitas vezes as prioridades para a sobrevivência de si e do outro (filho) não são alcançadas. O pai entrevistado, com discernimento das condições sociais do filho, já em tratamento terapêutico conquistado a partir desta busca de direitos mantendo-se aquele altivo e atento, não deixando nada para trás. Segundo Smith apud BOFF (2001, p.105),

“Mas enquanto falam de sua desgraça, elas renovam em certa medida o seu desgosto; despertam em sua memória a lembrança das circunstâncias que deram ocasião à sua tristeza; suas lágrimas fluem mais fortes do que antes e agora se abandonam facilmente a toda fraqueza de sua aflição”

Esse pai também relata as dificuldades encontradas no cotidiano de seu filho com deficiência intelectual:

Olha algumas dificuldades, em casa até que não, que a gente dá muito carinho para ele, mas muitas vezes a gente quer sair e conseguir alguma coisa para ele, o médico é muitas vezes difícil da gente conseguir, no ônibus é difícil a gente conseguir andar de ônibus. Agora mesmo fui tentar um vale para andar com ele de ônibus, não me deram, não consegui, porque falaram que ele não precisa, mas, a gente vai levando a vida como pode (O.S.).

No momento da entrevista, percebemos a falta de informação do pai entrevistado. Sabemos, com base nesta pesquisa de campo, pelos depoimentos, que muitos também compartilham dessa falta de informação. As leis asseguram a assistência ampla à saúde, à educação, ao trabalho, à assistência social, segurança e ao transporte, e o grande desafio é fazê-las serem cumpridas. As políticas públicas para atenção básica são insuficientes. O pai depoente foi encaminhado ao serviço social da instituição para buscar orientações até no sentido de garantir seu direito, do passe livre, para si como acompanhante e para o filho com deficiência intelectual.

CAPÍTULO II

AS RELAÇÕES SOCIAIS DA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Temos que no Brasil, as estatísticas mais atualizadas acerca da deficiência estão de acordo com o Censo do IBGE de 2000 as quais apresentam, 24,5 milhões de pessoas nessa condição, o que equivale a 14,5% da população do País. Dessas, 48,1% foram declaradas deficientes visuais, 22,9% possuem deficiência motora, 16,7% deficiência auditiva, 8,3% deficiência intelectual e 4,1% deficiência física.

Com base nisso, observamos que há um número bastante considerável de pessoas que, de forma direta ou indireta, são excluídas socialmente, em razão da deficiência. Ante a esse cenário, a discussão da inclusão educacional de pessoas com deficiência em uma sociedade preconceituosa e conservadora, iniciou-se o movimento de autodefensoria, por intermédio de segmentos organizados. O apelo que está sendo feito por esse movimento é o de aceitação dessas pessoas em escolas, em empresas, no meio social em geral, pensando na questão da cidadania e do Estado.

Nesse sentido, o que devemos entender é que a debilidade de uma pessoa, motivada por alguma alteração genética ou um acidente, não leva, necessariamente, à ideia de que ela tenha distúrbios comportamentais ou de caráter, justificando a sua exclusão ou o preconceito contra elas. Um deficiente intelectual não tem a mesma capacidade de aprendizagem por apresentar limitações e déficit cognitivo, mas está dentro de um mesmo ambiente que lhe propicia as condições de aprender, interagir com o meio, ou de exercer alguma função. Sistematicamente, entender a deficiência nos leva a não agirmos com preconceito, pelo fato, de eles serem simplesmente diferentes.

Todos nós acompanhamos sempre, diríamos há anos, esforços governamentais nos três níveis, no sentido de melhorar em profundidade a nossa educação, base de sustentação de um país realmente forte, de crescimento verdadeiramente sustentado, como dizem especialistas.

Percebemos que existe por todo o país a conscientização crescente de que devemos ter educação para todos de ótima qualidade e, quando dizemos todos, incluímos as crianças abandonadas, as sem famílias e que moram nas ruas das

grandes cidades ou as pertencentes a famílias sem teto, e as das zonas rurais de todo o país, onde o progresso chega bem mais devagar. E é importante salientarmos que, as crianças e os jovens com deficiência, alunos com necessidades especiais de aprendizado, devem estar presentes em nosso trabalho diário na defesa de seus direitos.

Em todo o mundo, países ricos e industrializados e países emergentes, como o Brasil, têm na erradicação da pobreza, na medida do possível, um dos alicerces mais fortes de seus governos. À medida que conflitos por terras, lutas religiosas e raciais ocorrem em toda a parte atrapalhando o progresso dos povos, acentuam-se a pobreza, a fome e a ideia instigante de que nenhum povo pode dormir tranquilamente se, em seu próprio país, existem graus de pobreza que causam profunda vergonha e acentuam demasiadamente as desigualdades sociais tão prevalentes entre nós.

Cada vez mais a sociedade civil em que estamos inseridos amplia sua visão no sentido de alcançarmos escolas de melhor qualidade, hospital e atendimento médico de primeira, suporte financeiro a famílias de pessoas vulneráveis como se fossem nossos filhos e amigos. Não parece possível admitir que temos, num mesmo país, um segmento da sociedade privilegiado, com um padrão de vida de nações ricas e que a imensa massa trabalhadora se debate em filas da previdência social, filas de desempregados, sem esperança nos olhos, isso tudo dentro de um país como o Brasil abençoado de muitas formas, produtor de tantas riquezas que, infelizmente, não são aproveitadas pelos cidadãos.

Em 2004, definidas as Metas de Desenvolvimento das Nações Unidas para o Milênio, a Inclusion International salientava às Nações Unidas e aos países filiados, bem como outros grupos de defesa da cidadania que essas metas não seriam alcançadas se as pessoas com deficiências e suas famílias continuassem a permanecer excluídas:

Dividir pela metade a pobreza extrema por volta de 2015 provavelmente não atingirá os mais pobres: uma em cada quatro pessoas entre as mais pobres do mundo possui uma deficiência, os esforços globais fracassam em enfrentar isso. Será que as pessoas com deficiências mais uma vez estarão relegadas à outra metade?

Essas são palavras de 5Diane Richler, presidente da Inclusion International que é uma entidade denominada federação global de organizações de famílias que defendem os direitos humanos de pessoas com deficiência intelectual e suas famílias em todo o mundo.

Uma em cada cinco pessoas mais pobres possui uma deficiência. Outro dado apresenta que 43% da população mundial deficiente vivem em relativa pobreza. Esses números não cobrem cerca de 30 a 40% de lares em todo o mundo onde se cuida de um membro da família com deficiência, e que são também discriminados em razão da associação destes com o parente deficiente.

Os esforços atuais para erradicar a pobreza estão enfrentando questões importantes relacionadas à exclusão de pessoas com deficiências e, dessa forma, não podem aliviar o isolamento, a vulnerabilidade e a dependência de pessoas com deficiências e de suas famílias. Para apoiar esses esforços, a Inclusion International liberou para divulgação um próprio grupo de metas de desenvolvimento para o milênio: “Por volta de 2015 as pessoas com deficiência intelectual e suas famílias irão viver livres de pobreza e discriminação” 6. Essa entidade é uma federação composta de duzentas organizações que defendem os Direitos Humanos de pessoas com deficiência intelectual em todo o mundo e é ligada às Nações Unidas.

Assim, entendemos ser a inclusão um processo gradativo, que vai incorporando ideias de apoio às escolas regulares comuns. As escolas especializadas poderão contribuir no acompanhamento do processo educacional dos alunos incluídos, na formação de professores e técnicos, na orientação à família, na rede de serviços, na prevenção e em todas as áreas da saúde, da assistência social e do trabalho. A disponibilidade de partilhar experiências acumuladas para a consolidação do processo de educação inclusiva é real. Também poderão trabalhar para institucionalizar o regime de parcerias entre organizações não governamentais e governamentais, buscar investimentos suficientes e necessários para operacionalização de ações educacionais qualitativas dos alunos matriculados, nas atividades de atendimento educacional especializado.

5 Declaração de Diane Richler, presidente da Inclusion International, disponível em: <http://www.inclusion-

international.org > Acesso em 09.08.2009 às 17:10 hs.

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