• Nenhum resultado encontrado

OUVIR, CANTAR, CONTAR, LER, NARRAR, PERPETUAR

No documento Editora da Universidade Estadual de Londrina (páginas 45-121)

Catitu Tayassu

Primeiras palavras…

Integro, a meu modo, o saber ancestral apreendido com um velho xamã das terras do norte, cujas palavras da noite sopravam, de vez em vez, um dito antigo e, depois, depois de um longo silêncio, as lembranças sobre mitos e tradições. No meio disso, a pequena cabaça com chá de erva e a boa água do rio vivo. Rio longe do oceano. Rio pelo sangue vital da fl oresta. Erva, água, bebida. Sagradas? Talvez. Meios de cura? Por certo. Dessa noite passada, tão longe no tempo quão perto de mim, o seu dizer pelo meu entendimento: a existência das coisas implica, sem dúvida, o Mistério… O começo da vida emendado ao insólito nó… o i m pelo nascer da morte, e assim, de ciclo em ciclo, o renascimento de cada ser em seus estados invariáveis: estar e viver em cada coisa e lugar.

Esse ensinamento é também parte do conhecimento para os que atravessaram as pedras e encontraram os poemas entre os sinais subtilmente deixados pelas mulheres de Xia e, assim, numa língua esquecida – Nu Shu – cujos poemas com cinco caracteres é também parte da herança popular, transmitida das mães às i lhas, numa outra China distante da atual. Desse período pouco conhecido pelo ocidente resistiu essa estranha escrita feminina: pintada em leques, lençóis e minúcias, por meio dos poemas das camponesas laotong.

O ensinamento atravessou continentes, montanhas e oceanos, apesar das fronteiras entre o Norte e o Sul erigidas pelos homens e suas leis incertas.

Ainda hoje tal saber é compartilhado pelos mais velhos guardiães do cachimbo, nos colos dos vales e das planícies, onde mal assentados ainda se encontram os Kaiowa, Ponca e Lakota nos sumiços da América.

De um outro modo reza, pois, a tradição: a aceitação do eterno e do efêmero, um e outro inseparáveis, unidos pelo Mistério maior e aquela mudança mais deinitiva… A morte como regra invariável. A vida a que pertencemos, mas jamais o seu contrário… O permanente é senão o estado provisório de cada um, durante sua curta ou longa passagem pela Terra Mãe. A palavra é, pois, tão duradoura como o seu im no corpo da estrada vermelha. O passado é engolido pela boca do presente, que o transforma e o reviviica pelas vozes do futuro, isto, bem entendido, pelo que permanece no depois sobre o passado, e o que dele dura em cada ciclo do hoje; e só o hoje existe. A palavra é sagrada. Os discursos sempre vão. Perdem-se. Consomem- se. Transformam-se. Iludem. A tradição ica enquanto orelha tiver aquele que conta. Contar, narrar, ler o tempo, traduzir os sinais, compartilhar e dispersar a palavra contida nos ensinamentos tal a fumaça pela boca do cachimbo, que deixará nos mais moços o que resiste dos mais antigos…

Somos, assim, parte de um só mito em muitas línguas. A vida que é, para uns muitos, sedentária, é senão parte de uma longa história entre viagens e mutações. A mitologia humana é uma estranha enciclopédia sobre o acervo das histórias – suas vozes e seus silêncios – seus gestos e suas palavras – seus casos e seus escritos - revelados por tantos espelhos, quanto os relexos e miragens recriados e reinventados em nome das criaturas, dos totens, das iguras mitológicas, das personagens, das linguagens, das histórias, dos sons, das canções e dos símbolos, tais como é simbólica e representativa a História e, nela, as suas muitas versões sobre os feitos e os esquecimentos, heróis e excluídos e, assim, em cada língua, pelo olho do grande Espírito escondido no fundo do olho da pedra Ita: as transições, as transformações e as facetas da morte remendando a vida.

Isto dito, como contam os que ainda contam e sabem contar os segredos da casa do Norte pelo templo dos ancestrais e das coisas sagradas.

São essas, e outras, as muitas imagens que coabitam o imaginário individual e coletivo presente em todos os povos, etnias e línguas. Todas elas, tão permanentes quão fugazes e, assim, também a oralidade: suas vezes, vozes e vestígios, no passado e no presente, pelas práticas que se perderam, pelas práticas sociais que sobreviveram e as práticas orais que se metamorfosearam… e ainda mudarão ou desaparecerão face à nossa incapacidade mediante o esquecimento, bem como as nossas incessantes tentativas pela preservação e difusão da memória.

Isto posto, aberto pois, o meu “discurso”, mas sem qualquer discurso ou pretensão. Ele será apenas o que é possível à quase toda palavra quando deitada em folha de papel e, mais tarde, quando levantada pelos olhos generosos de um leitor ou de uma leitora que, enim, darão vida, voz, sentido e compreensão ao que escrevo…

Escrevo do outro lado dessa folha Atlântica. Discorro num domingo emendado a uma segunda sem feira, sem mercado, sem os cheiros dos mariscos, das lores, das hortaliças, dos frutos e dos enchidos que se vendem, a partir das terças-feiras.

Escrevo numa sala quase tão vazia quão o silêncio desse inverno que perdura. Numa noite alta, branca e cinzenta e, se há lá fora o dia, nem ela se deixa ver… O dia é tímido. O cinza cobre a força do sol.

Estabeleço frases e, assim, essas primeiras palavras pelo corpo deste artigo… nessa tela que será, em breve ou mais tarde, substituída por algumas folhas de papel e, assim, a vossa leitura, caro leitor, cara leitora, sobre as práticas orais e sobre os conteúdos do tempo do onça aqui, de algum modo revisitados, por meio deste artigo travestido em depoimento…

A escrita em carne de papel… em palavra tinta… pelos fragmentos das páginas… e por intermédio exclusivamente dos recortes feitos pela minha memória e as leis do bom-senso: exigidas pelo campo teórico e metodológico a que devo, de algum modo, obedecer, mas sem o prejuízo da liberdade… no uso da palavra… no tratamento da escrita… e por um certo cuidado

estético… que toda escrita requer e necessita, embora, devo ser apenas a mais iel possível ao tema proposto nesse livro: as práticas orais…

Pelo io da palavra…

Sugestionada pelas práticas ancestrais e, portanto, por diferentes narrativas da tradição oral – mitos, cantos e contos – elegi como conteúdo preferencial neste artigo os mitos universais, os casos do sagrado, as conversas em torno da fogueira: lendas, sagas, epopeias, fábulas e, enim, a cultura dos mais antigos, cujo legado chegou até nós, por intermédio de diferentes práticas de socialização e difusão sobre a chamada “cosmogonia”, a “palavra da origem” e os “mitos fundadores”.

Assim, no colo deste texto espero compartilhar algumas ideias, leituras, relexões e interesses, nesses últimos anos, em torno da memória ancestral e das práticas orais. Isto posso explorar, pois, as concepções que estruturam o projeto cultural e linguístico pela criação de um Arquivo On-line Internacional, dedicado exclusivamente aos textos da tradição oral, a partir do espaço associativo criado em 2009, em Paris, intitulado: “Pour la Vie Ailleurs & Pour la Vie Maintenant – Pela Vida Afora & Pela Vida Agora” e de seu futuro site web, atualmente, em processo de construção.

Esse Arquivo On-line tem por meta principal a criação de uma base virtual, aberta e gratuita, toda ela, voltada para a produção e a difusão de uma memória viva sobre o patrimônio cultural e imaterial, nomeadamente, os textos ancestrais − originários de diferentes povos e etnias − e, assim, tanto quanto possível contribuir para a livre circulação do patrimônio sobre as tradições orais (com ou sem o berço da escrita) e, ao mesmo tempo, participar responsável e coletivamente para a salvaguarda das línguas, principalmente, as mais ameaçadas de desaparecimento.

Patrimônio cultural e imaterial da humanidade…

A Conferência das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, renomeada, UNESCO, deiniu em Outubro de 2003 os princípios norteadores para uma política em prol do Patrimônio Imaterial da Humanidade, sustentada sob três eixos ou instrumentos de fórum internacional: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (de 1948), o Pacto Internacional quanto aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (de 1966) e, no mesmo ano, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.

Esta feita, a convenção estabelece um documento oicial e indica que o “patrimônio cultural imaterial é tanto fonte de diversidade quanto garantia de desenvolvimento sustentável sobre a salvaguarda da cultura tradicional e popular”. Esse patrimônio guarda suas estreitas relações com o acervo material e natural. Portanto, se de um lado, o processo de globalização e de mutação social tende a promover o diálogo e as trocas entre diferentes grupos, nações, povos e comunidades em suas diferenças e singularidades, por outro lado, ele tem gerado a intolerância, a deterioração, a destruição, o apagamento e o esquecimento sobre as fontes, os recursos, os meios e as práticas relativas à riqueza desse mesmo patrimônio cultural imaterial.

A UNESCO sublinha a necessidade de conscientização, em particular, das novas gerações quanto ao valor da herança imaterial desse vasto patrimônio como também o importante papel das comunidades étnicas – indígenas e outras – grupos e, em alguns casos, indivíduos, cuja presença e signiicado representam e garantem a produção, a salvaguarda, a manutenção e a recriação desse bem cultural imaterial revelado pelas línguas, pelas obras- primas do patrimônio oral e cultural e pelas diversas tradições artesanais e técnicas ancestrais, ritos e cerimônias, sem omitir as expressões artísticas, práticas sociais, representações, conhecimentos, bens simbólicos, atos festivos e de celebração.

Em favor da salvaguarda desse legado cultural, uma série de disposições e deinições gerais vai conferir ao texto inal da convenção o seu

valor documental e norteador para as ações e projetos, sejam eles criados nas instâncias locais e nacionais, sejam eles coordenados por acordos e alianças internacionais de cooperação.

Entende-se, portanto, por salvaguarda “as medidas que visam garantir a viabilidade do patrimônio cultural imaterial”. Nesse sentido, todas as atividades, recursos e processos destinados à “identiicação, documentação, investigação, preservação, proteção, promoção, valorização e a transmissão essencialmente por meio da educação formal e não formal e a revitalização desse patrimônio em seus diversos aspectos” são vivamente incentivadas e apoiadas pela UNESCO.

Os museus, as bibliotecas, os acervos públicos e galerias não estão suicientemente estruturados e otimizados como espaços criadores e socializadores da História, da Memória, da Cultura e da Ancestralidade. A apropriação coletiva do patrimônio sobre a memória cultural faz-se, pois, possível quando os equipamentos sociais e os mecanismos de conservação, proteção, salvaguarda e difusão são democráticos e acessíveis.

Paris e Lisboa…

A minha trajetória como pesquisadora e professora conduziu-me a Paris, no inal do ano de 2000. Durante um ano dediquei-me à formação como pós-doutora em História Cultural e, nos anos seguintes, realizei outros projetos de investigação cientíica, todos eles, ligados direta ou indiretamente aos campos da História, da Educação, Edição e Literatura e, mais especiicamente, aos temas da alfabetização, do letramento, da memória, das práticas de leitura, da genealogia de textos antigos e da literatura feminina no Brasil, na França e em Portugal.

O tema da imigração e a situação política, econômica e social da Europa/na Europa, de um lado, a sua ampliação a partir da aliança com outros países e, do outro lado, o acirramento do discurso nacionalista e o

estabelecimento de novas medidas de vigilância sobre suas fronteiras tornou- se, indubitavelmente, um tema importante e emergente em minhas ações e relexões.

Pude cotejar mais continuamente as cidades de Paris e de Lisboa, morar nas duas capitais, e durante anos atravessar e “des-cobrir” seus devaneios, fascínios, vertigens, ilusões, virtudes, vícios, (i)moralidades, limites e possibilidades, acordos e transgressões, ditos e contradições, liberdades e tutelas, códigos de sociabilidade, de integração, de marginalização, os abusos de Poder e o exercício do poder menor em suas diferentes formas de inclusão, exclusão, arbitrariedade, regra, (in)tolerância. Assim como existem, tantas e diversas, aqui e acolá, em toda (ou quase toda) cidade cosmopolita, cidade grande, cidade turística, cidade de pedra, cidade liberal, selva sem loresta, cidade sob as leis do capital, cidade globalizada, cidade provinciana e, ao mesmo tempo, moderna, mundana, religiosa, tanto quanto profana, como também são as cidades de São Paulo, Nova Iorque, Pequin, Tokyo, Londres, Barcelona, Madrid, Dublin, Roma, Atenas, Rio de Janeiro e tantas outras.

Entre idas e vindas de Lisboa para Paris, descobri (sendo ao mesmo tempo des-coberta) acerca de meus interesses, os mais adormecidos ou empoeirados no celeiro da memória ou os mais tímidos e mal-deinidos, desde o tendão da infância.

Conheci antigos e novos autores, contadores, prosadores, cantadores, intelectuais, festeiros e levantadores de copos… Gente mui ina. Brosladores de outrora. Escritores pela pena de ganso. Homens em quartos de sótão ou apartamentos de esquina. Mulheres em ruas sem saída, como também as mais militantes depois dos frutos pelas duas Simones: de Beauvoir e Weil… Gente velha, enxuta e mediana. Textos pelos becos e avenidas das cidades e, assim, também as muitas surpresas nos cafés literários, nos teatros menores e maiores, e durante as noites em saraus literários – areté n’e poty – as galerias improváveis pelos subterrâneos da memória: os poemas fora das gavetas, as sagas ultramarinas, os contos antigos, sem omitir, o encontro com os poetas

frequentadores da lua e do sol e… Enim, toda essa gente… com ou sem renome, cujas obras grandes ou títulos improváveis foram empurrando-me (senão convidando-me) a interrogar o tempo e a desenterrar mitos e lendas, contos e fabulações em textos homéricos, por meio das epopeias e das odisseias em línguas mortas e vivas e, assim, rever, reler, reinterpretar, redescobrir: as personagens mitológicas que de releitura em releitura… abriram uma nova memória… conspiraram pelo valor da oralidade… e, desde então, o apego às coisas íntimas ligadas à ancestralidade… presente ou ausente nos livros de alfarrábio…

De travessia em travessia, o reencontro, dentro e fora da Europa, com os cantos africanos, as cantilenas chinesas, os fragmentos de Ulisses, os tesouros Maias, as cosmogonias indígenas e hinduístas, os mitos da Mauritânia, Gâmbia e Senegal, as lendas dos quatro cantos do mundo, como também os cadernos selvagens de Betty Mindlin, a “Moqueca de Maridos” pelos narradores Suruís e, além deles, os mitos dos últimos Guaranis, os Mbya, os Kaiowás do Mato Grosso do Sul, os Tuparis e, no sumidouro da história, Tupinambás e outros povos embotados pelo furor das suas cruzes e das espadas.

Com ou sem a mão do destino as minhas viagens pelas Áfricas, os meus depois entre o Norte e Sul de Portugal, a minha estadia em Lisboa e o meu presente numa outra Paris. Paris mais mudada. Moça nova em mulher antiga. Torre de perna aberta. Política em mãos fechadas.

Fatigada pelo mesmo na velha cidade, pelas novidades em suas mesmíssimas airmações ontológicas decidi-me, então, pelo mergulho silencioso e, talvez, perigoso, senão duvidoso, meio à realidade liberal e capitalista dos tempos de agora… que é o de andar em corda bamba… atrás daqueles nomes sem os nomes coligidos na Grande História das Civilizações… criar um projeto cuja concepção e atividade é baseada na troca solidária entre línguas, falantes, textos, leituras, povos e narrações do mundo inteiro…

Despi-me da pele da cidade para vestir a cor e alguma dor da loresta. Chorar e sorrir nadando em rio limpo ou sujo, mas sempre mais ameaçado pelo escopo das economias atuais. Catar perdidos e achados. Sertão, caatinga, terra, rio Grande, represa Três Marias, represa Sobradinho, represa Xingu, represa Paulo Afonso e, quando falta a mão que corta pelo punhal do homem, as surpresas durante a viagem pelo São Francisco, Xingu, Negro, Amazonas, seus aluentes e muitos braços.

Assim, o percurso de barco em barco: os alagados, as marés cheias e baixas, a poeira, o mato, a estrada, o asfalto, ônibus, avião, cavalo, chuva, sol, calor, mosquito, canoa e andança pelo redescobrimento das aldeias, das reservas, dos quilombos, o desespero dos pescadores e, enim, a histórica atrocidade contra essa parte nossa – tão incompreendida quão erroneamente integrada – os últimos brasis, a peleja de nossos índios.

No meu retorno à selva de pedra a minha insistência (senão teimosia roraima-paraíbana-baiano-mineira), a de balançar peneira, limpar poeira, tirar água parada e, se possível, garimpar no Velho Mundo pela “pepita douro” ou “pedra preciosa”. Teimosia ou não, assim, o trabalho em Paris, onde procuramos no âmbito de uma organização não governamental realizar nossa ambiciosa iniciativa cultural – reconstituir uma memória viva sobre o patrimônio da humanidade – propiciar a travessia de seus conteúdos imateriais e colaborar, o mais possível, para a salvaguarda das línguas.

Como diz o contador de histórias Souleymane Mbodj, erradicado em Paris e originário do Senegal, “o bom mel deve ser saboreado por todas as bocas”. Princípio antigo no saber da língua wolof e, assim de outro modo, o dizer sobre a nossa iniciativa, de um lado, o patrimônio cultural e imaterial, de outro, a sua renovação pelas vozes de hoje, e por meio de uma base web contribuir para a difusão gratuita, tendo em vista os recursos propiciados pelas novas tecnologias de comunicação.

Desde então o garimpo pela seleção dos contos, cantos, lendas e cosmogonias que viajaram de boca em boca ou atravessam de livro em livro

o Atlântico, o Pacíico, o Mar Vermelho, o Mediterrâneo, o Índico… e, de um modo muito estranho e inverosímil, o nascimento das primeiras sementes bem no meio do inverno, em 2008, quando de meu retorno para a cidade de Paris, e a organização, no ano seguinte, da etapa inaugural pela criação de um Arquivo On-line, em formato áudio, e como é previsto a sua ampliação em 2011, em formato audiovisual.

Torre de Babel…

O cosmopolitismo em Paris favoreceu a realização das primeiras gravações em torno dos contos, mitos e lendas. A variedade de línguas e a concentração de diferentes povos, etnias e comunidades do mundo inteiro permitiram, pois, a compilação de aproximadamente 800 gravações sobre quarenta e cinco países e línguas diferentes.

Em Lisboa, o apoio, da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a CPLP, por meio da Missão do Brasil, naquele momento, sob a responsabilidade do Embaixador Lauro Moreira foi, indubitavelmente, decisivo para o desenvolvimento de nossa iniciativa cultural. Do mesmo modo, a solidariedade do Instituto Franco-Português e do Instituto Romeno, ambos em Lisboa, as primeiras instituições parceiras pela memória viva do patrimônio cultural e material em torno dos textos da tradição oral. Em Paris, o apoio solidário também da Embaixada do Paraguai e da Romênia, o que muito favoreceu as gravações dos contos, lendas, poemas e mitos em língua romena, guarani, portuguesa e francesa.

Iniciamos as gravações em Janeiro de 2009 e, por diferentes contatos, começamos a receber as primeiras doações: cantos, testemunhos, preces xamânicas e outros textos, os quais foram progressivamente aumentados ao longo do corrente ano, o que nos permitiu atingir 1200 icheiros (em formato áudio), todos eles, cedidos por diferentes doadores - viajantes, pesquisadores, estudiosos, leitores, contadores de histórias, amantes da tradição oral.

Pour la Vie Ailleurs & Pour la Vie Maintenant – Pela Vida Afora & Pela Vida Agora, conspira pelo espírito coletivo e solidário, pela travessia das línguas, a migração entre culturas e a difusão da matéria viva, em voz e texto, cujo vasto patrimônio cultural permitiu reunir até o momento presente, aproximadamente, cento e cinquenta vozes em diferentes línguas.

Vozes de diferentes leitores, narradores, contadores de histórias, pesquisadores, escritores, poetas, viajantes, especialistas em temas diversos, aposentados, professores, crianças, adolescentes, xamãs, vizinhos, anônimos, imigrantes, ilhos de imigrantes, refugiados, artistas e outros proissionais de diversos setores que, generosa e voluntariamente, emprestam seus olhos e compartilham, por meio de suas vozes, o apreço que têm (ou que descobrem) sobre velhos textos de outros povos ou de sua própria cultura.

Essas “vozes solidárias” participam, em Paris e em Lisboa, e contribuem para a criação desse Arquivo On-line Internacional (ou base de dados), que esperamos inaugurar o mais brevemente.1

Vozes que rememoram as narrativas ancestrais, as escritas antigas, os textos da tradição oral, os mitos fundadores, as cantilenas populares, as lendas do sumidouro do mundo, poemas variados e os contos que, mais tarde, a partir do século XVI foram, paulatinamente, dedicados e reorganizados como parte da literatura voltada para os adultos e para as crianças.

Essas vozes alimentam o fundo arquivístico nessa imensa quimera – uma outra Torre de Babel, sobre contos e línguas. Vozes de pessoas que

No documento Editora da Universidade Estadual de Londrina (páginas 45-121)