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Capítulo 2. Vilões que são mocinhos

2.2 Walter White: o chefe de família implacável

2.2.2 Ozymandias, o rei dos reis

Meu nome é Ozymandias, rei dos reis. Contemplem as minhas obras, ó poderosos, e desesperai-vos!

Nada mais resta. Em volta só a decadência Dessa destruição colossal, crua e sem limites.36

A última temporada de Breaking Bad se inicia com a enunciação de uma tragédia. Num flashfoward, vemos Walter com barba e cabelos crescidos, sozinho em uma lanchonete tomando café da manhã no 52º aniversário. Lembrando que durante todas as outras temporadas, o café matinal em família era importante para ele, bem como uma tradição de aniversário. Nota-se que ele está usando um documento de identidade falso e que está bem longe de casa. Encontra-se com um senhor que vende armas e compra o que parece ser uma metralhadora.

36Tradução livre do trecho do soneto de Percy Bysshe (1818), recitado no vídeo de promulgação

Gus agora está morto. Depois de muitas dificuldades e de, inclusive, chegar ao ponto de envenenar uma criança, Walter conseguiu vencer. Se Walter está aliviado, Skyler está apavorada, pois teve um vislumbre daquilo que o esposo se tornou. Com as notícias sobre a verdadeira ocupação de Gus e a morte dele numa explosão, Skyler se viu confrontada pela realidade do que o marido é capaz de fazer. Borges (2012) aponta com precisão que Walter está tão diferente que parece outra pessoa, pois anda de outro jeito, possui outro olhar, um olhar de êxtase. Agora ele reina absoluto.

Olhe para como o homem anda. O jeito que ele coloca seus pés em terra de ninguém. A postura com que se aproxima e se move pela própria casa, mais intruso que não. E olhe só toda a intimidação ali e depois – sem uma única mão, voz ou promessa levantada, sem precisar fingir nada. Olhe para como o homem fala [...]. Olhe para o homem e tente lembrar quem ele era há apenas um ano. Eu mal consigo.37

Assistimos a Walter apagando todos os rastros da morte de Fring que poderiam conduzir a polícia a ele, bem como tomando as providências necessárias para assumir a produção e a distribuição de metanfetamina antes controladas pelo seu ex-chefe. Como Borges (2012) observa, não há como negar que ele é bom nisso, ele tem uma capacidade incrível de se adaptar, de se esquivar e de encarar as coisas quando necessário. Nas palavras do blogueiro: “Walt não sobreviveu até agora por alinhamento dos planetas, magia, dedos cruzados, pé de lebre ou vento curvado. Ele não é o criminoso de beira de morro. Ele matou Gus Fring. Ele enganou o DEA, não se sabe quantas vezes. Ele é bom”38.

Primeiramente, procura Mike para saber o destino das imagens gravadas pelas câmeras do laboratório onde ele e Jesse trabalhavam. Descobrem que estão salvas em um laptop de Gus que está em posse da polícia numa sala de evidências. Para contornar esse obstáculo, constroem um ímã gigante e, com um caminhão, aproximam-se o bastante da sala de evidências para danificar o aparelho. Segundo Borges (2012), isso demonstra o ritmo que essa temporada segue.

37Fonte: Série Manáacos. 38Fonte: Série Maníacos.

É toda a idéia do que parece ser a temporada: nem que seja no grito, ele [Walter] vai tomar o que quer. O mais perturbador não é nem isso, até. Quem assiste a Breaking Bad já está acostumado a esse ego desenfreado de Heisenberg. Ou melhor, de Walt. Heisenberg meio que já se mesclou e se perdeu dentro do outro, o chapéu se tornou desnecessário, é passado. E o que assusta é como Walt não sabe o quanto isso é terrível. Ele agora é quem sempre quis ser.39

Walter pode estar alheio àquilo se tornou e Jesse pode até, ingenuamente, ainda confiar no parceiro. Mas Mike não, ele nunca confiou em Walter. Mike surge na história inicialmente como detetive do advogado da dupla, contudo, mais tarde, descobrimos que ele na realidade era funcionário de Gustavo Fring. Ele realizava trabalhos como investigação do background de pessoas aspirantes a entrar na operação, fazia coleta do dinheiro das vendas, cobrava os devedores e impunha respeito a quem causasse problemas, recorrendo, maioria das vezes, ao uso de violência. Em linguagem popular, poderíamos dizer que ele era o capanga de Gustavo, ele desempenhava a força física necessária para manter a operação em andamento.

É interessante observar que Mike e Walter não são tão diferentes: ambos têm a mesma idade, são extremamente metódicos e são os melhores nos respectivos campos de atuação. E, acima de tudo, ambos justificam as escolhas profissionais com uma única palavra: família. A grande diferença entre eles, talvez, seja que tal motivação é verdadeira para Mike, mas será que o é para Walter?

Ao ser procurado pela dupla para retomar a produção e a comercialização da metanfetamina, Mike é bem direto nos motivos para recusar veementemente tal proposta, dirigindo-se a Walter diz: “você é um problema. Lamento que o garoto não enxergue isso, mas eu, com certeza, vejo. Você é uma bomba-relógio. Tic. Tic. Tac. Eu não tenho nenhuma intenção de estar por perto da explosão” [grifo nosso]40. Apesar de ter consciência disso, por motivos financeiros, o capanga acaba aceitando a proposta de Walter. Outro que estava apreensivo em voltar, era o advogado Saul, mas assim como Mike acabou cedendo, mais por temor do que por interesse financeiro. Nessa temporada, todos parecem estar com medo de Walter, da esposa até o advogado dele.

39Idem.

Borges (2012) faz uma colocação interessante usando a mesma metáfora da bomba prestes a explodir. Segundo o blogueiro, enquanto Tony Soprano está mais para um buraco negro, Walter White pode ser pensado como uma explosão, no sentido de que empurra e destrói todos ao redor, sem desculpas. Assim como um buraco negro, Tony absorve tudo para dentro de si até implodir – nem que seja em forma de ataques de pânico –, claro que no fim das contas ele, assim como Walter, acaba prejudicando todos ao redor. Walter, contudo, não demonstra nenhum remorso no caminho da destruição.

Há ainda outro grande obstáculo no que se refere a apagar todos os rastros, um outro exemplo de como Walter se tornou frio e calculista. A polícia encontrou informações apontando para diversas contas no exterior, abertas por Gus Fring. Tais contas conduzem os federais a todos que estavam envolvidos na operação de Gus, exceto Walter e Jesse. Desde o gerente da lavanderia, onde o laboratório se localizava, até uma grande multinacional alemã que ajudava no financiamento de todo o esquema. Com isso, nove pessoas envolvidas foram presas. A solução para tal problema, proposta por Mike, foi de comprar o silêncio dos antigos membros com o dinheiro das novas vendas, a contragosto, Walter aceita. Entretanto, na primeira oportunidade, Walter mata Mike e encomenda a morte dos nove envolvidos.

Conforme menciona Borges (2012), a história a partir desse momento gira em torno de Walter colocando as pessoas próximas em situações impossíveis, desde que contribua para a expansão do império criminoso. Ao mesmo tempo, vemos o personagem se tornando cada vez mais sozinho – Jesse sai do negócio, Skyler está cada dia mais fechada em si mesma, os filhos se mudaram para a casa de Hank. Tudo aquilo que matinha a humanidade dele está cada vez mais distante.

Antes de prosseguirmos para o terceiro capítulo, é conveniente a retomada de alguns pontos cruciais no personagem de Walter White. Primeiramente, chama-nos a atenção o fato de que ele é um indivíduo sem passado, posto que nada sabemos de suas origens. Conforme mencionado anteriormente, sobre a família anterior ao casamento, sabemos que o pai faleceu quando ele ainda era criança, que sua mãe ainda é viva, mas que, aparentemente, ele não mantém contato nenhum com a mesma. Sabemos também que ele acredita que foi traído pelos amigos da faculdade, por perder a mulher com quem se relacionava na época, Gretchen, e por não ter sido incluído nos lucros provenientes da pesquisa que iniciou com o casal. À parte disso, estamos diante de um homem reduzido

ao presente, que seria uma característica marcante do modo de subjetivação contemporâneo individualista.

Também é notável a aparente ausência de conflito. Walter White se mostra um homem o tempo todo em busca do controle absoluto das situações e de si mesmo, capaz de praticamente qualquer coisa para consegui-los. Doa a quem doer, às duras penas, Walter consegue tal controle. Tony Soprano, ao contrário, mostra-se um homem em constante conflito que está frequentemente perdendo as rédeas de si mesmo, seja sob a forma ataques de ira, seja como ataques de pânico. Além disso, Tony, muitas vezes, é movido por sentimentos de culpa e tentativas, ainda que fracassadas, de compensar as pessoas que se machucam ao redor.

Com o desenrolar das histórias de Tony Soprano e de Walter White, observamos o quanto esses dois pais de família são movidos pela voracidade de satisfazer os próprios desejos, por mais que justifiquem as ações como em prol das respectivas famílias. Assim como a figura do“monstro-tirano”, descrita por Campbell (2007), ambos acabam por atrair a ruína para si e para as pessoas mais próximas. Tony sofre da “psique torturada” sob a forma de ataques de pânico e, além disso, assistimos ao filho A.J. sucumbir ao que Tony chama de “maldição dos Sopranos” e seu sobrinho Christopher se afundar cada vez mais no abuso de substâncias ilícitas. Já Walter White é relativamente mais bem-sucedido em escapar da “psique torturada”, pois, no geral, consegue deslocar as inquietações para preocupações superficiais e aparentemente banais como, por exemplo, a presença de uma mosca no laboratório, ambiente altamente controlado e isolado do mundo exterior41.

Outro ponto interessante é a questão do dinheiro, o qual assume para Walter um papel de signo máximo de certificação do sucesso e do poder. Nota-se que ele está disposto a arriscar tudo para não perder os ganhos, os quais representam o legado que ele deixará para a família.

Por fim, chama-nos a atenção o fato de que com Walter não há meio termo: ou se ganha ou se perde. Ou se é um vencedor ou se é um fracassado. E ganhar, na maioria das vezes, passa necessariamente pela aniquilação do outro. Não basta ganhar do outro, é preciso eliminá-lo totalmente e ainda ser reconhecido como vencedor por ele.

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