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Páginas de participação, aprender brincando com os direitos de participação

CAPÍTULO IV O (Re)Descobrir da infância como grupo social de plenos direitos: A

3 Páginas de participação, aprender brincando com os direitos de participação

Foi a partir deste encontro que sentimos que as crianças tinham “entrado” verdadeiramente no sentido deste projecto. A actividade proposta foi: através da leitura dos direitos de participação as crianças diziam o que significava para elas cada direito e escreviam-no numa folha A3 que tinha no centro o direito representado rodeado por um sol e em cada raio as crianças registavam as suas opiniões. De certa forma foi um (re)definir e um (re)significar dos direitos de participação das crianças através das suas próprias vozes.

(Foto do trabalho realizado sobre o artigo 15º da Convenção)

Foi notório o envolvimento das crianças neste trabalho, assim como foi notório que, aos poucos, as crianças se foram libertando das “amarras” e dos limites, que temos consciência que são muito difíceis de ultrapassar como é o facto de interromper com o processo de reprodução de desigualdades de poder entre adulto e criança, atitudes que estão tão profundamente enraizadas na sociedade. Foi a partir deste momento que nos apercebemos que as crianças tomavam muito a sério aqueles direitos como sendo delas próprias e queriam mostrar ao mundo, especialmente aos adultos, que as suas vozes não podem continuar a ser silenciadas. Esta atitude fez-nos lembrar Paulo Freire quando define a educação como um acto comunitário, em que o diálogo com os outros, mediado pelo mundo, se torna condição necessária para a libertação de relações de opressão.

“Temos direito a liderar.” (Lucas, 7 anos)

“Quando nós falamos os adultos devem ouvir-nos.” (Rodrigo, 7 anos)

“Quando nós estamos a falar eles têm de ouvir e quando eles falam nós ouvimos.” (Margarida, 7 anos).

Estes foram alguns dos significados dados acerca do artigo 12º que como nos refere a CDC implica a salvaguarda da liberdade de opinião, o direito a ter voz, o que de acordo com o que nos refere Trisciuzzi (1998) citado por Fernandes (2005), é essencial para recuperar a dignidade, a visibilidade e identidade social da criança, rompendo assim com o

silêncio social a que as crianças estiveram votadas durante séculos. Este artigo é normalmente invocado como o núcleo do direito de participação infantil e constitui um desafio radical às atitudes tradicionais de exclusão das crianças das arenas de acção e de decisão. Introduz alterações profundas às limitações de participação dependentes de critérios etários estritamente entendidos, pois defende que todas as crianças são capazes de expressar os seus pontos de vista.

Por outro lado, o direito a participar está estritamente associado ao artigo 13º que se refere à liberdade de expressão, de pensamento e de consciência. As crianças entenderam este artigo da seguinte forma:

“Tenho direito a falar do que penso.” (Rafael, 7 anos)

“Tenho direito a escrever as coisas que imagino.” (Ana, 7anos) “Temos direito para descobrir as coisas.” (Diogo, 8 anos) “Tenho o direito a dizer coisas através da fala.” (Daniel, 7 anos)

“Temos direito a falar do que nós pensamos e a desenhar o que pensamos.” (João, 8 anos).

As várias opiniões dadas pelas crianças em torno deste direito fizeram-nos perceber a necessidade de se construir espaços sociais onde, verdadeiramente, as crianças tenham possibilidade de tornar visíveis as suas representações sobre o mundo social que as envolve, acerca do conjunto de requisitos sociais e culturais que para elas são significativos e que atribuem significado às interacções com os outros. De certa forma, as crianças compreenderam que a sua participação é, também, um elemento fundamental para a democratização das sociedades, entendendo que não se pode transformar nem melhorar a realidade sem que elas estejam conscientes das mudanças e que se comprometam com elas. Participar e expressar a sua opinião implica a sua intervenção como agentes de mudança e não apenas como sujeitos passivos.

Sarmento (2002) recomenda-nos que reconheçamos os direitos de participação das crianças na construção do espaço público pela mobilização expressiva da sua opinião, segundo modalidades e fórmulas imaginativas e diversificadas.

Na realização do trabalho sobre o artigo 14º foi-nos perceptível que as crianças têm bem presente o respeito pelos direitos e deveres dos pais ou seus representantes legais na orientação e exercício do referido direito.

“Tenho direito a falar e os adultos a dizer se está certo ou errado.” (Dinis, 7 anos) “Quando nós queremos uma coisa e pode estar errado ou certo, primeiro temos que conversar depois é que se sabe.” (Miguel, 7 anos)

“Os nossos pais dizem se está certo ou errado o que nós fazemos.” (Beatriz, 7 anos)

De certa forma, pensámos que tínhamos voltado à questão do poder do adulto sobre a criança, poder este que, em grande medida, continua a ser a referência através da qual as crianças ponderam as limitações e as possibilidades do exercício do direito à participação. Porém, concluímos que era a forma como o artigo estava escrito que levava as crianças a referir-se constantemente ao adulto, não propriamente como detentor do poder, mas sim reconhecendo os seus direitos e deveres na orientação e exercício deste artigo, que faz referência ao direito da criança à liberdade de pensamento, consciência e religião.

“Tenho direito a praticar a religião que quiser.” (Maria, 7 anos)

Por outro lado, os artigos 15º e 17º são, no nosso ponto de vista, fundamentais para que o direito de participação se possa sustentar. Qualquer pessoa, seja ela criança ou adulto, não tem oportunidade de participar em qualquer processo se não estiver minimamente informada sobre esse mesmo processo. De acordo com a opinião de Fernandes (2005:408), “no que diz respeito à infância, o direito à informação tem sido recorrentemente omitido por se considerar que as crianças não têm maturidade intelectual que lhes permita compreender criticamente a informação.” Como referimos anteriormente, as crianças só podem participar e manifestar-se se tiverem acesso à informação sobre a realidade social em que estão inseridas de forma informada e objectiva e para isso defendemos uma reafirmação do direito que as crianças possuem de acesso à informação.

“Os pais devem ver se nós compreendemos a informação.” (Alberto, 7 anos) “Tenho direito a ser informado do que se passa em vários sítios.” (Joana, 7 anos)

direito de associação e de reunião era algo que só dizia respeito aos adultos.

“Quando o catequista manda os nossos pais virem a uma reunião, eles têm de ir e se nós quisermos podemos ir.” (Bernardo, 7 anos)

Mas, outro ponto de vista, não menos interessante, foi o facto das crianças associarem este direito ao facto de se reunirem para decidirem por exemplo as regras dos seus jogos.

“Quando nós jogamos às apanhadas, nós todos devemos decidir quem é apanhar.” (Beatriz, 7 anos)

“Quando jogamos à bola, na equipa nós devemos falar para ver qual o que vai à baliza.” (Ricardo, 8anos)

Ao longo dos nossos encontros, percebemos o valor da pertença destas crianças a determinados grupos de brincadeira, como o grupo das apanhadas, o grupo do berlinde, o grupo do futebol e para além da brincadeira, da diversão, do convívio, neste contexto, as crianças começaram cada vez mais a frisar os seus direitos e deveres enquanto elementos desses grupos. Este aspecto leva-nos a concluir, que cada vez mais, os seus espaços e tempos de brincadeira são efectivamente tempos e espaços de socialização e de sociabilidade entre elas e de construção do exercício da cidadania.

Ao longo destas sessões de trabalho foi-nos perceptível o facto das crianças fazerem muitas vezes referência ao (pouco) tempo e espaço de brincadeira, como que fazendo uma reclamação a um direito que lhes é negado durante o seu dia-a-dia. Este aspecto tornou-se ainda mais visível quando começámos a ler os pequenos diários que eles escreveram e quando começaram a fazer os desenhos para a exposição.

Com efeito, as crianças passam a maior parte do seu dia na escola, e a forma como as suas rotinas são organizadas está dependente disso mesmo e isto, inevitavelmente, transforma a escola num espaço de grande regulação.

Os discursos das crianças foram claros quanto à forma como a compartimentação do tempo é feita. As crianças sentem falta de espaços e de tempo para poderem brincar livremente e isso remete-nos para tempos de infância que nada ou quase nada têm de livres e de lazer.

“Gostaria de ter mais intervalos.” (Maria, 7 anos)

“Temos direito a divertimo-nos” , “Temos direito a brincar.” (Joana, 7 anos) “Eu gostaria que a escola tivesse mais espaço.” (Alberto, 7 anos)

De acordo com a opinião de Fernandes (2005), decorre destas representações o controlo social que é exercido sobre as crianças, de uma forma mais ou menos implícita, mas, de alguma maneira, sempre presente, através do enquadramento destas em locais fechados, vigiados e que convergem para a ideia que Zinneckler (1995) citado por Fernandes (2005) defende de “domesticação da infância”. Esta é, também, uma teoria que tem vindo a ser desenvolvida e defendida nas últimas décadas por autores como Ariés (1962) que defendia que na modernidade o confinamento das crianças começa quando elas entram na escola.

4 A Construção dos mecanismos de sensibilização dos adultos

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