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O fato de estudantes latino-americanos darem início a um doutorado em economia no exterior na década de 1960 era algo mais que o resultado da confluência entre os interesses desses alunos e os das instituições acadêmicas que os recebiam. É certo que os EUA eram – como continuam sendo – um centro irradiador de conhecimento e “atraidor de cérebros”, e que havia processos para seleção de alunos com maior dedicação e destaque. Contudo, não há como escapar ao fato de que àquele momento, em que os EUA acentuaram sua política de atração de estudantes e pesquisadores em todas as áreas, as oportunidades de pós-graduação também foram diretamente influenciadas pela geopolítica.

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Parece interessante tentar entender como esse posicionamento a favor de mais competitividade se encaixaria com os argumentos a favor de incentivos a investimentos em industrias e projetos trabalho- intensivos (ou seja, menos competitivos). A mesma questão se colocará a Bacha, como veremos.

141 “Técnicos vieram ver como Nordeste está empregando investimentos industriais”. Diario de

Pernambuco, 14 maio 1969, p. 7. Ver também Diario de Pernambuco, 29 maio 1969, p. 7.

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Os auxílios como bolsas a estudantes estrangeiros e mesmo o envio de técnicos aos países em desenvolvimento, que se tornaram a “regra” nos anos 1960, são parte integrante daquilo que ao final do século XX seria descrito como soft power por Joseph Nye.143 Políticas que visavam ter um impacto gradual e duradouro no intento de trazer os países, principalmente subdesenvolvidos, a compartilhar determinadas ideias, modos de pensar e agir oriundas do país hegemônico, os Estados Unidos. Os esforços foram grandes nesse sentido e envolveram a cooperação entre os setores público e privado dos EUA na construção do poder e das influências norte-americanas no globo. Algumas instituições não-estatais chegaram a funcionar virtualmente como uma extensão do aparato governo, como por exemplo a Fundação Ford.144

Ao olhar-se para a história do conhecimento e da ciência na América Latina no século XX, percebe-se que influência norte-americana foi significativa. No Brasil, tanto na área de exatas quanto na de humanas, a participação dos EUA foi fundamental para a formação e organização de programas de pós-graduação e das associações nacionais desses programas, pois muitas surgiram a partir do trabalho de profissionais brasileiros em cooperação com profissionais norte-americanos.145 Para falar da influência que as relações entre Brasil e Estados Unidos tiveram na trajetória de Malan e Bacha, é necessário ilustrar brevemente certos acontecimentos da década de 1960.

Ao despertar da Guerra Fria (1946-1950), o alinhamento geopolítico brasileiro com os americanos não destoaria do histórico das relações entre as duas nações – era a política externa americana para os países da América Latina. Mesmo com a suspensão de suportes técnicos e financeiros a partir do início do governo Eisenhower em 1953, o Brasil ainda estaria de certa forma pacificamente dentro da zona de influência, e essa parecia ser uma situação confortável para os norte-americanos, que tinham um diagnóstico similar para o restante da América Latina. No entanto, o período entre o final dos 1950 e início dos 1960 veio a ser o mais conturbado da oposição entre as potências capitalista e socialista, e de forma grave no que dizia respeito à influência sobre os países latino-americanos e o futuro de suas sociedades: a Revolução Cubana ocorre em 1959 e a crise dos mísseis em outubro de 1962.

143

NYE, Joseph S. Soft power. Foreign policy, n. 80, 1990, p. 153-171.

144 BU, Liping. Educational exchange and cultural diplomacy in the Cold War. Journal of American

Studies, v. 33, n. 3, 1999, p. 415.

145

Ver, por exemplo, DOS SANTOS, Cássio Miranda. Tradições e contradições da pós-graduação no Brasil. Educação & sociedade, v. 24, n. 83, 2003.

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Naquele iniciar da década de 1960, parte da classe política brasileira começou – ou recomeçou – a apresentar uma ideia de independência em suas relações externas, o que queria dizer que o Brasil passaria a dialogar em seus próprios termos com os países socialistas – mesmo que o significado desses “próprios termos” não fosse claro. Experimentaram-se flertes com o socialismo: na onda de popularidade de Che Guevara, Jânio Quadros lhe dá a medalha da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul; e em novembro de 1961, Goulart reataria relações diplomáticas com a URSS – dentre outros acontecimentos no mesmo sentido.146 E mesmo que em realidade àquele momento não se houvesse constituído nenhum grande “perigo vermelho”, muitos entendiam que era válido preocupar-se com a sombra comunista e, ainda mais, combatê-la.

Sob o governo dos democratas John F. Kennedy e Lyndon B. Johnson, as políticas ativas de aproximação dos EUA para com o Brasil ganham ainda maior intensidade que as observadas na transição 1940-50 e terão grande relevância na década de 1960 – a relação entre os dois países apresentará substancial harmonia após a tomada de poder pelos militares em 1964. Além de oportunidades financeiras, comerciais e de cooperação militar e tecnológica, nesse momento de contribuição cooptativa da diplomacia norte-americana, apareceram também oportunidades acadêmicas.147

O momento era de luta contra as ideias comunistas em muitas frentes. Como W. W. Rostow falava, em 1961, a uma plateia de oficiais militares de países aliados dos EUA: era necessário lutar com as ideias contra a expansão do comunismo e não só com armas bélicas.148 Uma das “armas intelectuais” lançadas foi a teoria (ideologia) da modernização, segundo a qual seria possível aos países pobres se modernizarem sem revoluções, sem grandes conflitos. E nesse caminho, os EUA se tornariam aliados, pois seria criada uma nova e mais construtiva “relação pós-colonial entre as metades do Norte e do Sul do mundo livre”: uma nova parceria entre homens livres - ricos e pobres. Descrevendo a modernização como um processo benevolente, universal, científica e historicamente comprovado, cientistas sociais, políticos e a mídia nacional norte-americana procuravam suprimir a ideia de que o poder dos EUA fosse imperialista. E de fato, estavam convencidos de que essa interação sob seus desígnios

146 MOTTA, R. P. S. O Perigo é Vermelho e vem de Fora: O Brasil e a URSS. Locus, v. 13, n. 2, 2007. Ver também LOUREIRO, Felipe. "Empresários, trabalhadores e grupos de interesse: a política econômica nos governos Jânio quadros e João Goulart". São Paulo: FFLCH/USP. Tese de Doutorado, 2012.

147 Nye utiliza o termo “poder cooptativo”. 148

LATHAM, Michael E. Modernization as ideology: American social science and "nation building" in

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seria o melhor para os subdesenvolvidos e para os do primeiro mundo, de modo que lançaram diversos programas de cooperação. 149

O programa Aliança para o Progresso começou em março de 1961, quase no mesmo momento da posse de Jânio Quadros, e foi o resultado de diversos fatores – incluindo certas demandas dos países latino-americanos, ansiedades estratégicas, preocupações com movimentos militares e esforços para moldar os laços no continente. Assim, uma das ideias basilares do programa era tentar garantir que o perigoso “período de transição” fosse feito sem revoluções sociais que impedissem o processo devido.150

Ainda em 1961, o John F. Kennedy assinaria a Lei de Assistência ao Exterior, criando a USAID. Com o início dos trabalhos dessa instituição, as oportunidades de assistência internacional ao desenvolvimento cresceram tremendamente. O discurso do presidente em março de 1961 mostrava o alto otimismo que tinham: ao final da década, pretendia-se acabar com a fome e prover educação básica universal, deixar o controle do progresso nas mãos das nações, que alcançariam um crescimento autossustentado em sistemas democráticos. O tempo dos governos de Kennedy e Johnson tornou-se conhecido como a “década do desenvolvimento”.151

No governo dos dois democratas, alguns intelectuais tiveram papel importante na luta contra a expansão do comunismo. Por exemplo, Rostow, que era o professor e pesquisador no MIT, foi trabalhar como conselheiro na Casa Branca e no departamento de relações internacionais; assim como Lincoln Gordon, economista de Harvard, licenciou-se da instituição e se juntou à força tarefa do governo Kennedy, tornando-se embaixador norte-americano no Brasil do final de 1961 ao início de 1966.

Se a política norte-americana para com o Brasil sustentava um sentido que classificamos como “cooptativo”, não resta subentendido que estudantes que seguiram o caminho da pós-graduação nos EUA tiveram suas mentes “cooptadas” pelo imperialismo (ou similares), como talvez seria a leitura mais pobre ou enviesada dos fatos. Por certo, os EUA não financiavam estudantes para aprenderem e melhorarem técnicas de planificação soviéticas dentro de universidades como Harvard, Yale etc. (e nem os jovens que se propunham a estudar lá gostariam que assim fosse); mas também não impunham uma camisa de força pró-capitalista à sua academia e intelectualidade. Apesar do espectro do McCarthyismo dos anos 1950, em meio às ideologias pró-

149 LATHAM, 2000, p. 16. 150

LATHAM, 2000, p. 71. 151 LATHAM, 2000, p. 81.

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capitalistas de “combate” ao comunismo, também haveria diversidade a partir dos anos 1960.

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