• Nenhum resultado encontrado

P ara compreender a escritura binoquiana é necessário compreender,

primeiramente, as circunstancias que possibilitaram o seu surgimento. Compreendendo assim, que esses homens escrevem em resposta a questões que envolvem a intelectualidade da época.

O movimento da intelectualidade oitocentista fez das letras uma causa nacional. Acreditou, por tanto, que através dela seria possível mudar os rumos do país resolvendo os problemas sociais que a cerca de duzentos anos sangravam a população brasileira. Foram jovens que, em diferentes regiões do Brasil, se organizaram e construíram um sonho no qual os intelectuais possuíam uma missão na República que nascia, seja defendendo reformas como a abolição da escravidão, a própria república ou a democracia; ou defendendo a elevação do nível intelectual e material da população brasileira 145.

145 Muitos trabalhos são dedicados a tratar da intelectualidade de fins do século XIX. A obra de Nicolau

Sevcenko Literatura como missão, trata dessa característica da intelectualidade oitocentista, envolvida com os ideais de progresso e civilidade, buscando um lugar legítimo no seio na nova nação. Roberto Ventura, em Estilo tropical dedicou atenção às polêmicas literárias que se estabeleciam entre os intelectuais, com grande destaque para Sylvio Romero. João Paulo Rodrigues estudou essa intelectualidade e sua busca por legitimação em A dança das cadeiras. Alessandra El Far trabalhou com os instrumentos de legitimação usados pelos intelectuais brasileiros na construção da Academia Brasileira de Letras em A encenação da imortalidade. Lilia Schwarchz tratou em Espetáculo das raças, das escolas e grupos de letrados que se dividiam em questões científicas da época. Maria Helena Capelato tratou das ideologias presentes no jornal paulistas O Estado de São Paulo. Sidney Chalhoub em A História contada reúne artigos de vários intelectuais brasileiros que abordam vários momentos da literatura nacional. Sidney Chalhoub e Margarida Souza Neves, organizaram publicação dedicada à crônica e aos movimentos intelectuais em volta dos periódicos em História em coisas miúdas. Eliana Dutra tratou das lutas e ideais dos letrados nos idos da República brasileira em Rebeldes literários da república. Elias Tome Saliba percorreu as trilhas do humor bellepoquiano do século XIX em Raízes do Riso. Mônica Velloso, embora se dedicando mais aos modernistas, traça um panorama profundo dessa intelectualidade em Modernismo no Rio de Janeiro. Leonardo de Miranda estudou os intelectuais oitocentistas através das crônicas de carnaval publicadas em jornais da época em O Carnaval das letras. Maria Luiza Ugarte

Essa missão foi esboçada em diferentes meios, sendo o mais comum a criação de jornais. Nesse sentido o século XIX é um dos mais profícuos, pois em todo o Brasil foram inúmeros periódicos que surgiram, políticos, noticiosos, literários, jocosos, humorísticos, ou, todas as alternativas juntas. E Belém, como muitas capitais brasileiras, viveu sob uma intensa circulação deste gênero de publicação, principalmente com o fim da Guerra do Paraguai, em meados de 1870, e da implantação de litografias. Jornais de grande e pequena circulação, alguns durando vários anos, outros nem tanto, dialogando e muitas vezes se digladiando na busca de identidade ou de espaço. Fruto de recursos oriundos da exportação da borracha que começavam a ser empregados em atividades e serviços locais.

Esse momento, fim da segunda metade do século XIX, é um momento em que o Brasil passa por transformações muito intensas, a abolição da escravatura, o fim da monarquia e a implantação da república. Além da busca incessante por uma identidade nacional que apagasse os traços deixados pela colônia portuguesa. Porém, neste mesmo período, desabam os sonhos de um novo país, através da manutenção das velhas estruturas de poder e oligarquias políticas. Eram muitos acontecimentos, e por esse mesmo motivo, foi uma época propícia para o desenvolvimento da imprensa humorística 146. O Brasil torna-se caricato. O que não reflete, de forma alguma, a falta

estudou, no Amazonas, criação de periódicos pela elite local em Folhas do Norte. Isabel Lustosa, em período anterior, estudou as publicações que circularam no período das lutas por Independência no Brasil em Insultos impressos. SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, pp. 97. VENTURA, Roberto. Estilo Tropical: história cultural e polêmicas literárias no Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1991. RODRIGUES, João Paulo Coelho Souza. A dança das cadeiras: literatura e política da Academia Brasileira de Letras (1896-1913). Campinas: Editora da Unicamp, 2001. EL FAR, Alessandra. A encenação da Imortalidade: uma análise da Academia Brasileira de Letras nos primeiros anos da república (1897-1942). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Cia das Letras, 1993. CAPELATO, Maria Helena. PRADO, Maria Ligia. O Bravo Matutino: Imprensa e ideologia no jornal O Estado de São Paulo. São Paulo: Alfa-Omega, 1980. CHALHOUB, Sidney; PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. (Orgs.). A história contada: capítulos de história social da literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. CHALHOUB, Sidney. NEVES, Margarida de Souza e PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. História em coisas miúdas: capítulos de história social da crônica no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp: 2005. DUTRA, Eliana. Rebeldes literários da República: história e identidade nacional do Almanaque Brasileiro Garnier (1903-1904). Belo Horizonte: UFMG, 2005. SALIBA, Elias Tomé. Raízes do Riso. A representação humorística na história brasileira: da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. VELLOSO, Mônica Pimenta. Modernismo no Rio de Janeiro: turunas e quixotes. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1996. PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. O carnaval das letras: literatura e folia no Rio de Janeiro do século XIX. Campinas: Editora da Unicamp, 2004. PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: letramento e periodismo no Amazonas (1880-1920). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (Tese; orientadora: Heloisa de Faria Cruz), 2001. LUSTOSA, Isabel. Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na Independência (1821-1823). São Paulo: Cia. das Letras, 2000.

146SALLES, Vicente. “O legado de Carlos Wiegandt”. A Província do Pará. Belém, 26 e 27 de julho de

de engajamento dos intelectuais. Muitos através dos periódicos humorísticos estavam firmemente compromissados com as questões que assolavam o país. Outros, no entanto, percebendo o momento crítico, abandonaram o humorismo e partiram para uma escrita considerada mais séria. O episódio que dá início a circulação da Gazeta da Tarde, de A. Campbell, ilustra esta situação.

Campbell era proprietário do periódico A Semana, que anteriormente havia tido como proprietários os irmãos Crispim e Manoel do Amaral, intitulando-se A

Semana Illustrada. Sua interrupção se dá em 17 de junho de 1889, dando lugar para A Gazeta da Tarde, em virtude “do „Velho tribuno‟ Archibald Campbell voltar às lutas

que considerava “mais sérias” 147. Assim, surge a Gazeta completamente comprometida

com a propaganda republicana. O discurso de Campbell nesse momento reflete a insegurança do momento:

“A semana resolveu recolher-se aos seus penates, para dar saída franca à

Gazeta da Tarde, jornal de pequeno formato e bastante noticioso” (...) “Como é de

urgente necessidade dar combate sério a moribunda monarquia e salientar o desprestígio em que tem caído os dois velhos partidos, que só ambicionam o poder, a Gazeta da

Tarde trabalhará pelo advento da república, afim de que se apresse o dia em que o povo

brasileiro deve proclamar a sua verdadeira felicidade”. “Se o Partido Liberal, inimigo declarado dos republicanos, alça agora o colo e pretende continuar a sugar o precioso sangue da Pátria, é justo que se levantem os bons patriotas e ofereçam o peito às balas inimigas”. “Vamos, pois, entrar em lutas mais sérias, e oxalá nos ajude o povo, para que saiamos vitoriosos da campanha” 148.

Assim, o tom de comprometimento com as causas nacionais acaba por se tornar uma tônica nos discursos dessa intelectualidade. Seus editoriais eram cheios de propostas, mas também de esperanças em novos tempos. Se posicionavam, como bradou O Gládio de 1890 em seu editorial de lançamento, como intelectuais preparados para todas as lutas do espírito, entregando-se com amor a esse trabalho e buscando sempre o progresso, tendo fé no futuro, mas se sacrificando, se preciso for, por uma idéia, pois sua luta é no mundo da inteligência e do espírito, a mais leal das lutas 149. O

Trabalho, de 1890, em editorial dedicado à literatura, lembra que diante de soberbos

147 SALLES, Vicente. “O traço e a troça de Crispim do Amaral”. A Província do Pará. Belém, 08 e 09 de

novembro de 1992, 2º caderno, p.12.

148SALLES, Vicente. “O traço e a troça de Crispim do Amaral”. A Província do Pará. Belém, 08 e 09 de

novembro de 1992, 2º caderno, p.12.

monumentos literários como Camões, Cervantes, Lamartine, entre outros, os contemporâneos de Victor Hugo também correm ao campo intelectual e levantam suntuosos edifícios cujas consistências se robustecem pela dedução maravilhosa da inteligência 150. E O Caixeiro de 1889, que afirmando dedicar-se a “assas numerosa” classe dos trabalhadores comerciais, diz não se perder na mira das altas questões políticas e sociais que naqueles tempos de reformas e transições operavam-se em todo o país, visto ser esta a responsabilidade de outro tipo de imprensa, a do jornalismo diário, que trabalhava abnegadamente pela causa pública e encarava os fatos pelo prisma do verdadeiro patriotismo e amor pela república 151. Assim como O Aprendiz que surge em 1890, despido completamente dos ornatos retóricos, apresentando-se no vasto campo das letras como um fraco soldado que, reunido a seus ilustres colegas, empunhará a pena, a arma que tantas pessoas haviam subtraído ao insondável abismo da ignorância

152. E A Pátria, órgão da classe estudantina, que elaborava no céu de sua vida o desejo

de concorrer pelo progresso da instrução e bem da pátria, visando somente a “igualdade, liberdade e fraternidade” 153, lema da república francesa e caro os intelectuais ocidentais

da época.

Temos muitas dessas informações, pois tais publicações foram preservadas em bibliotecas e arquivos públicos, mas a grande maioria foi perdida, não apenas pelo descaso com o patrimônio cultural brasileiro, mas por terem tido vida curta na época, logo desaparecendo. É dado, portanto, que fazer a História da Imprensa no Brasil perpassa pela dificuldade de seguir os rastros de alguns desses periódicos. O

Binóculo, periódico aqui estudado, carrega essa marca. Pelas informações colhidas no

catálogo de Remígio de Bellido, sabe-se que sua duração ultrapassa os 11 anos, no entanto foram encontrados somente os dois primeiros, incompletos, na Biblioteca Nacional. O que dificulta compreender o percurso feito pelo periódico na arena das

letras. Outra questão que se levanta são as parcas informações deixadas por intelectuais

ou estudiosos da época.

No entanto, a partir do círculo jornalístico no qual o Binóculo está inserido é possível reavivar certas „teias do discurso‟ que foram encobertas pela falta de documentação, ou pela ausência de referências. Não dá para crer que um periódico é voz isolada, ou mesmo uma ilha, que não estabelecia contato com as discussões que

150 “A literatura”. O Trabalho. Belém, 16 de março de 1889, p. 01. 151“O Caixeiro”. O Caixeiro. Belém, 15 de novembro de 1889, p. 01. 152“Cher up!”. O Aprendiz. Belém, 14 de dezembro de 1890, p. 01.

circulavam na capital paraense. Muito ao contrário, seu texto, carregado de ironia e sátira, demonstra o comprometimento com questões de ordem social e intelectual em voga na urbe. Assim, a História da Imprensa no Pará, possibilita o vislumbre das relações existente entre os jornais de grande e pequena circulação, os diálogos que os intelectuais mantinham dentro dessas folhas e as relações políticas que as envolviam.

Acredito que, ao pontuar certos discursos na arena das letras, é possível compreender „de que lugar‟ é construído o discurso binoquiano. E compreender o lugar do discurso binoquiano é compreender os símbolos, a escrita e a escritura que emerge deste periódico.

É nesse sentido que abro um espaço para elogiar o trabalho do professor Vicente Salles, sobre os caricaturistas no Grão Pará, publicado semanalmente no jornal

A Província do Pará, no ano de 1992. Este estudo foi fundamental para a discussão que

segue. O professor analisa, portanto, a produção dos pasquins da virada do século XIX, que se dedicaram a sátira e a caricatura da sociedade belemita da época. Os principais personagens de seu estudo são Carlos Wiegandt, os irmãos Crispim e Manoel do Amaral e Archibald Campbell, que embora não possuam, a primeira vista, relações explicitas com o grupo que produziu o Binóculo, deixaram rastros mais visíveis para o pesquisador. A partir das inúmeras publicações e ilustrações estampadas em jornais de grande circulação, além da forte presença nos círculos intelectuais da época, foi possível conhecer suas trajetórias. Provocando discussões que nos aproximam do universo intelectual ao qual o Binóculo está inserido e que está dialogando. Mas, mais importante, são os rastros visíveis, visto que, o Binóculo buscou a todo custo apagar os seus. Utilizando-se constantemente de pseudônimos e com a relutância em revelar suas identidades em estudos da época.

Assim, foi com o auxilio dos escritos do professor Vicente Salles, e de outros intelectuais paraenses, que foi possível encontrar, ou ao menos vislumbrar lampejos desta arena, local de lutas, de sonhos e desilusões, onde incontáveis publicações circularam movimentando e construindo os homens de letras. Nessas páginas, esses homens, traçaram seu projeto intelectual, definindo sua missão e as formas como contribuiriam para o desenvolvimento nacional. Assim, eles buscaram um espaço na arena. Uma arena cheia de nuances, estratégias e protocolos, símbolos evidentemente, mas que cobrava desses intelectuais o conhecimento de suas engrenagens para que sobrevivessem.

É dessa forma que, o surgimento de periódicos, seus programas e dísticos, as brigas que travavam com outras publicações e grupos intelectuais, são elementos que evidenciam a tessitura da teia que compõe a dita arena das letras. E sobre essa tessitura é necessário investigar.

O que é chamado aqui de arena das letras é o espaço simbólico, onde gravitam os signos e símbolos, que organizam as relações intelectuais de um grupo dominante de letrados, detentores de uma realidade tangível que se chama poder 154. Embora formado por relações abstratas, constitui toda a realidade do mundo social 155. Um espaço que, no século XIX, é registradamente conhecido desses homens, e evidenciado em seus escritos. Vários desses periódicos, em seus programas ou editoriais, bradavam terem entrado na arena, ou estarem nela lutando. Como o periódico literário de Paulino de Brito e Marques de Carvalho, A Arena, que já carregava no título esse signo e reforça em seu editorial de lançamento a idéia das lutas intelectuais: “Eis- me na arena: estou pronto para a luta. Se tardei um pouco a aparecer, não foi de certo o medo da peleja que esmoreceu-me o animo (...)” 156. Mais a frente, O Aprendiz, que

trazia na destra a pena, e na sinistra o livro, como escudo defensor dos golpes dos vis intrigantes 157 e O Gládio, ambos de 1890, que remete o leitor através de seu titulo a imagem dos gladiadores que travavam batalhas nas arenas romanas, simbolizariam, portanto, o guerreiro, o herói que luta até a morte pelas letras. Em dicionário da época esse mesmo sentido, empregado pelo Gládio, é encontrado, sendo o lugar de batalha onde combatiam os gladiadores, significando também, luta física ou moral 158.

Assim, se na arena da antiguidade o público acompanhava as lutas dos gladiadores, torcendo fervorosamente, ou apenas pela diversão, na arena intelectual trava-se uma batalha simbólica, onde o que está em jogo não é apenas a vida, mas a imagem desses homens e de suas obras, sua legitimação e permanência na arena literária.

Na Belém oitocentista esse movimento da imprensa foi efervescente. Jornais de toda ordem circulavam em busca de leitores. Buscando variadas identidades, buscavam se destacar no mar de outros jornais, buscavam permanecer, conquistar

154 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, pp. 28. 155 Idem. Ibidem, pp. 30.

156 Publicação semanal, literária e científica, redigida por Heliodoro de Brito, Paulino de Brito e Marques

de Carvalho. “Da Critica Literária”. A Arena. Belém, 19 de junho de 1887, pp. 01.

157“Cher up!”. O Aprendiz. Belém, 14 de dezembro de 1890, p. 01.

158 VIEIRA, Frei Domingos. Grande Dicionário Portuguez ou Thesouro da Língua Portugueza. Primeiro

público e assim alçar um lugar de destaque na tal arena intelectual. No entanto existem dois gêneros de publicações que se destacam para compreensão da escrita binoquiana, seriam os jornais noticiosos, principalmente os de grande circulação, representando uma imprensa séria e informativa, e os pasquins, jornais caracteristicamente de pequena circulação, formados por grupos intelectuais com idéias comuns, representando uma imprensa debochada e desordeira.

Esses possuíam certa variedade, podendo ter discurso combativo, de crítica social ou política, de humorismo, serem em prova ou em verso. Podendo ser “periódico insubordinado e hebdomadário” como O Cacete, “periódico mefistofélico” como O Papagaio ambos de 1882, “periódico crítico, apimentado, galhofeiro e etc” como O Bilontra de 1889 ou “órgão do interesse de João Ninguém” como O Mosquito de 1887, insígnias que, como a binoquiana “periódico crítico e noticioso”, carregam escrituras específicas estabelecidas a partir do diálogo com a sociedade da época.

Vicente Salles destaca que o pasquim exprime um tipo particular de jornalismo, muitas vezes marginal, visto que buscava tecer críticas mais ferinas, ressaltando o ridículo da sociedade burguesa, as ambições e as contrariedades políticas, chegando em alguns momentos a um tipo de jornalismo mais alegre, despojado, com sátiras debochativas e, por vezes insultuosas 159. Nos catálogos de Manoel Barata 160 e Remígio de Bellido 161, encontramos diversas referências aos pasquins políticos que, geralmente, se intitulavam pela alcunha de “literário, crítico e noticioso”.

Assim, o pasquim representava, na arena das letras, o antagonismo com a folha noticiosa e diários informativos. Esses geralmente ligados aos partidos ou segmentos dominantes da sociedade, que, se auto denominavam de “boa imprensa”, de postura séria e respeitável, e principalmente representantes dos interesses da população em geral. Em muitos sentidos, o Binóculo, compreendido aqui como um pasquim, vai responder de forma bastante crítica a essa postura assumida pela imprensa dita “noticiosa”.

No entanto, Vicente Salles nos alerta que, a relação entre os pasquins e as folhas oficiosas não são simplesmente dicotômicas ou antagônicas. Muitas vezes o pasquim era abrigado pela “boa imprensa”, seja em suas oficinas, na impressão das

159 SALLES, Vicente. “O traço e a troça de Crispim do Amaral”. A Província do Pará. Belém, 08 e 09 de

novembro de 1992, 2º caderno, p.12.

160 BARATA, Manoel. Jornais, revistas e outras publicações periódicas. In: Formação Histórica do Pará.

Belém: UFPA, 1973.

folhas menores, ou, deixando escorrer nas “gazetinhas” ou nos “a pedidos” matérias de críticas morfinas e versos burlescos 162, tirando, portanto, de seus ombros a responsabilidade direta dessas falas, mas, no entanto, sem omiti-las. Assim, parece certo que a imprensa, dita séria, alimentava esse tipo de jornalismo paralelo 163, em alguns momentos.

É importante ressaltar, no entanto, algumas características dos pasquins que se dedicavam a sátira e ao humor, visto que transitavam em torno de universo burlesco e boêmio. Boemia, por sinal, que marca o perfil de parte da intelectualidade do século XIX, que associava a inspiração e criatividade às atividades noturnas, como bares e cabarés. Salles ressalta essa característica boêmia, de vida agitada e aventurosa, nos responsáveis pelo pasquim A Semana Illustrada, os irmãos e caricaturistas Crispim e Manoel do Amaral164 que assim como muitos outros desses jornalistas, eram assíduos freqüentadores na noite belenense. Esse estilo de vida finda por transformar-se em estilo de produção, onde seus temas, sua escrita, e até mesmo as críticas a política e a sociedade, são escritos a partir dessa linguagem boêmia.

Se seguirmos os rastros da boemia urbana do século XIX, iremos