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2.3 P ARADIGMAS DE BCI

2.3.1 P ARADIGMAS DE BCI B ASEADOS EM A TENÇÃO S ELETIVA

A atenção seletiva é uma habilidade cerebral que permite ao indivíduo identificar e se concentrar em certos aspectos de interesse dentre os inúmeros estímulos ao qual está exposto em um determinado momento. Ela atua como um filtro cognitivo da grande quantidade de informações sensoriais processadas pelo cérebro. Os estímulos externos recebidos, que podem ser auditivos, somatossensoriais ou visuais, são traduzidos, de maneira inconsciente para o indivíduo, em sinais cerebrais com padrões bem definidos (EASON; HARTER; WHITE, 1969), (PINEDA; ALLISON; VANKOV, 2000) e (CICHOCKI et al., 2008). As características destes potenciais cerebrais podem ser exploradas para idealizar BCIs. No momento, as abordagens mais utilizadas são o P300 e o Potencial Evocado em Regime Estacionário (SSEP, do inglês Steady-State Evoked Potential) (AMIRI et al., 2013).

o P300: O P300 é um potencial que aparece, principalmente, nos sinais do lobo parietal cerca de 300 ms após o acontecimento de um evento esperado (ver Figura 2.3) (GODÓI, 2010). As primeiras observações da onda P300 foram relatadas em meados da década de 60, em experimentos que utilizaram estímulos visuais. Os principais estudos da época (CHAPMAN; BRAGDON, 1964), (SUTTON et al., 1965), (SUTTON et al., 1967) e (BASHORE; MOLEN, 1991) relatam a detecção da onda P300 para sujeitos visualmente estimulados e constatam que a amplitude do potencial P300 tende a ser maior quanto menos provável for o aparecimento do estímulo e quanto mais relevância ele tiver para o indivíduo estimulado.

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O paradigma clássico para analisar o P300 é o oddball, no qual o estímulo alvo é projetado inesperadamente entre estímulos variados, gerando a resposta evocada P300 com a sua aparição (HUETTEL; MCCARTHY, 2004).

Por ser um sinal cerebral gerado inconscientemente, não se sabe de indivíduos que consigam realizar um bom controle de seus P300. Devido a isto, esta técnica também é empregada em testes de mentiras, monitorando o sinal cerebral dos indivíduos durante o interrogatório (FARWELL; DONCHIN, 1991).

O P300 também pode ser empregado para permitir a comunicação homem-computador. A primeira BCI baseada em P300 foi proposta em 1988 por (FARWELL; DONCHIN) e consistia de um “speller”, na qual uma matriz de símbolos 6x6 era projetada, conforme mostra a Figura 2.4. As linhas e colunas da projeção eram destacadas aleatoriamente, de modo que quando a intersecção de linha e coluna realçava o símbolo desejado pelo indivíduo, se evocava a resposta P300. Na Figura 2.4, vê-se realçada a segunda linha e a segunda coluna, destacando a letra ‘H’. Supondo que o usuário estivesse esperando o destaque deste símbolo, 300 ms após este brilho, seria possível verificar o aparecimento da onda P300 (Figura 2.3) no seu sinal cerebral, indicando a sua escolha. O sincronismo entre os destaques e a detecção da onda P300 permite à máquina decodificar a intenção do ser humano que a opera.

Figura 2.4 – Matriz de estímulos P300.

Esta mesma aplicação também pode ser desenvolvida utilizando estímulos auditivos ou audiovisuais, em vez de visuais (SCHREUDER;

BLANKERTZ; TANGERMANN, 2010). As principais vantagens de se usar a resposta P300 para projetar BCIs são:

 Confiabilidade na detecção da resposta P300;

 Facilidade de uso da interface, exigindo pouco ou nenhum treinamento prévio;

 Interfaces simples e genéricas que permitem utilização para diversos usuários.

 Alta taxa de transferência de bits (cerca de 30 bits/min) (LENHARDT; KAPER; RITTER, 2008).

Em contrapartida, esta técnica exige a concentração do usuário nos estímulos apresentados.

o SSEP: Quando indivíduos são submetidos a estímulos periódicos é possível verificar o potencial cerebral SSEP. Atualmente, a abordagem mais empregada para conceber BCIs é o Potencial Visual Evocado em Regime Estacionário, mas também existem versões usando estímulos auditivos e sensoriais.

SSVEP: A neurofisiologia do sistema visual humano relata que a atividade neuronal das células do córtex visual é alterada por estimulação visual, sendo possível identificar variações da resposta do cérebro relacionadas às propriedades do estímulo visual, tais como luminância, contraste e frequência (HERMANN, 2001). Os neurônios no córtex visual tendem a sincronizar seus disparos para a frequência de intermitência do estímulo visual. As interfaces para as BCI-SSVEP apresentam um conjunto de estímulos visuais, cada um associado a um comando específico a ser executado pela BCI. Em contraste com a abordagem do P300, estes estímulos não piscam sucessivamente, mas sim continuamente com frequências diferentes (entre 5 e 100 Hz) (REGAN, 1977a). Quando o indivíduo foca sua atenção em um dos estímulos, observa-se um aumento de energia nas frequências correspondentes à frequência do estímulo e nas suas harmônicas/sub- harmônicas, principalmente no monitoramento da atividade cerebral da região occipital. A estimulação visual pode ser realizada de diversas maneiras, as mais clássicas são por LEDS ou por projeções em tela (ZHU et al., 2010). Os LEDS apresentam flexibilidade na definição das frequências de estimulação,

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possibilitando uma maior possibilidade de comandos; em contrapartida, tendem a gerar um maior desconforto visual aos usuários e geralmente necessitam de um sistema de hardware a mais, dificultando a locomoção do BCI e aumentando o número de interferentes externos. Os estímulos gerados em tela ficam restritos a frequências múltiplas/submúltiplas da taxa de atualização do equipamento utilizado, limitando o número de comandos disponíveis para controlar a aplicação. Em contrapartida, já há o isolamento eletromagnético entre o estímulo e os eletrodos, e é prático alterar as características do estímulo tais como cor, frequência, tamanho, contraste, fase, entre outros.

Alguns trabalhos buscam definir a melhor forma de se estimular visualmente, considerando, além do pico do potencial visual, o conforto e a segurança do indivíduo (SOUTELLO et al., 2015) e (ZHU et al., 2010). As formas mais frequentes são projetando em um monitor o padrão xadrez ou quadrado, ou usando LEDS, e as faixas de frequência mais usadas são de 5 a 30 Hz, por serem seguras e causarem menos desconforto.

A Figura 2.5 ilustra uma interface BCI-SSVEP. Neste exemplo, há quatro estímulos visuais no padrão xadrez que cintilam concomitantemente em diferentes frequências na tela. Cada estímulo está associado a um comando específico, como frente/trás/esquerda/direita, a ser enviado a uma aplicação, por exemplo, um veículo de controle remoto; quando o indivíduo se concentra no padrão visual referente ao comando que deseja operar, torna-se possível identificar o aparecimento do potencial evocado, que se reflete como um aumento de energia na mesma frequência do estímulo visual focado. SSVEPs apresentam uma boa relação sinal-ruído e são robustos a artefatos, uma vez que as faixas de frequência que contém as informações de interesse são conhecidas e estreitas. Todavia, seu uso requer que o indivíduo olhe fixamente para o estímulo visual, o que torna esta abordagem inadequada para pacientes com problemas visuais ou com movimentação dos olhos restrita, além de com o tempo, poder causar fadiga.

Figura 2.5 – Interface de estímulos visuais – SSVEP.

Outro modo de evocar o potencial cerebral é a abordagem somatossensorial. Neste caso, o indivíduo é estimulado através do tato, aplicando-se uma pressão repetida contra a pele. Pode-se, por exemplo, aplicar estímulos vibratórios em diferentes dedos, cada um referente a um comando específico. O indivíduo é solicitado a se concentrar no dedo que representa o comando desejado, a análise do potencial evocado em estado estacionário nos córtices somatossensoriais primário e secundário permite identificar em qual dedo o sujeito concentrou sua atenção sensitiva. Atualmente, esta abordagem é pouco utilizada, mas é uma opção para pacientes que perderam as habilidades de visão (MULLER-PUTZ et al., 2006).

Também é possível conceber uma BCI explorando o potencial evocado por estimulação auditiva (NIJBOER et al., 2008) e (HIGASHI et al., 2011). Normalmente, o estímulo é gerado por tons senoidais e as respostas auditivas evocadas são encontradas no córtex auditivo (ROSS, PICTON, PANTEV, 2002) e (KIM et al., 2011). As frequências de modulação ótimas, geralmente, estão na faixa de 40 Hz (GALAMBOS, MAKEIG, TALMACHOFF,1981), (ENGELIEN et al, 2000) e (ROSS et al., 2003) e a atenção do sujeito é medida pela amplitude do sinal evocado.

As modalidades de BCI usando SSEP apresentam diversas vantagens:

o Podem ser utilizadas pela maior parte das pessoas (ALLISON et al., 2010); o Dependem minimamente da atividade cognitiva, facilitando aplicações

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o Não requerem treinamento significativo, permitindo a utilização com bom desempenho desde a primeira vez;

o Elevada taxa de transferência de informação, chegando a 75 bits/min (CHENG et al., 2002) e (WANG; WANG; JUNG, 2010).

Entretanto, o uso de estímulos externos pode levar a desconforto e cansaço, uma vez que se exige a concentração do indivíduo.