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No âmbito da metaética John Leslie Mackie (1917-1981) ficou conhecido por sua tese fundamental de que não há valores objetivos. Aliás, é com esta tese que ele inicia o primeiro capítulo de sua obra cujo título é, como sabemos, Ética: inventando o certo e o errado, cuja primeira edição foi publicada em 1977: “Não existem valores objetivos. Este é, simplesmente, o conteúdo da tese exposta neste capítulo” (MACKIE, 2000, p. 17).

Ele afirma, logo adiante, que sua posição pode ser vista também como um ceticismo moral195. Já a partir desta primeira linha do seu

194 O presente texto foi tomado como base para apresentação na Semana Acadê-

mica dos Cursos de Graduação em Filosofia da UFPel em 2015 e no IV Congresso Internacional de Filosofia Moral e Política, promovido pelo PPG Filosofia Ufpel, em novembro de 2015. O propósito geral consiste em uma apresentação dos traços fun- damentais da posição de Mackie, seguida de uma apreciação crítica ainda provisória e que pretendemos aprofundar em futuras investigações, no intuito de introduzir o leitor não iniciado na questão.

195 De acordo com Russ Shafer-Landau, a oposição ao realismo moral (que abriga o

ceticismo moral e o nihilismo moral) tem sua raiz na visão de que “qualquer verdade

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texto podemos nos perguntar: o que ele pretende com isso? Como ele justifica esta tese e quais suas implicações? E, de modo mais específico, a que posição – no âmbito da metaética – ele está atacando? No que segue procurarei oferecer subsídios para responder a estas questões.

Em nossa experiência cotidiana nos deparamos, a todo o momento, com situações e ações, cujos efeitos ou resultados avaliamos como bons ou prejudiciais, respectivamente como corretos ou incorretos, com base em critérios mais ou menos claros, que consideramos válidos para nós e que - assim acreditamos - seriam válidos para os que compartilham do mesmo ambiente sócio-cultural. De modo resumido: agimos, deliberamos e julgamos cotidianamente como se pudéssemos nos entender objetivamente sobre o que é certo e o que é errado em termos morais. E, nesta linha, aceitamos e, em alguns casos, assumimos no plano prático, ainda que não o admitamos do ponto de vista teórico, um comportamento que compactua – tacitamente ou inconscientemente – com a perspectiva realista.

Realistas morais procuram defender exatamente a perspectiva descrita acima. Para eles existem fatos morais, independentes daquilo que pensamos ou acreditamos e, à luz destes fatos, nossos juízos moral que possa existir tem de ser acessível a nós e sustenta que os realistas não têm um explicação plausível de tal acessibilidade” (2003, p. 231). Por outro lado, o filósofo alemão Dieter Birnbacher argumenta, quanto a esta auto-definição por parte de Mackie, que este comete um equívoco e que ela é causa de confusão terminoló- gica. Nas suas palavras, “esta é uma denominação infeliz, na medida em que na epistemologia comumente se fala de ceticismo somente quando é pressuposta a existência de fatos que se pode conhecer ou não se pode conhecer.” (2007, p. 355). Isso se deve ao fato de que a posição de Mackie é primeiramente ontológica e ape- nas secundariamente epistemológica. Mackie simplesmente nega a existência de fa- tos morais.

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143 podem ser considerados verdadeiros ou falsos. Dito de outro modo, para os realistas e para aqueles que consideram a moralidade em estreita conexão com o mundo da experiência, a moralidade é objetiva196. Precisamente aqui, é que entra a tese de Mackie, como antípoda do realismo. No campo da experiência cotidiana cometemos um erro crasso, de acordo com Mackie, se acreditamos que proferimos julgamentos morais objetivos.

O filósofo australiano, todavia, não pretende negar simplesmente ou desconsiderar o fato enquanto tal de que assumimos posicionamentos e que fazemos avaliações de cunho moral. Isso seria inviável, pois seria querer negar o que a própria experiência confirma. A experiência prova que fazemos isso. É um fato que julgamos, avaliamos e deliberamos o tempo todo. Logo, não é o fato em si que interessa a ele mas, para utilizar uma expressão kantiana, suas condições de possibilidade.

O que interessa a ele é justamente o estatuto, natureza destas manifestações morais e sua base de sustentação: com base em que, exatamente, acreditamos julgar moralmente de modo objetivo? Alguém poderia dizer: com base em certos valores, que consideramos objetivos e válidos para todos. E onde os encontramos? Será que não passam de uma simples invenção que surge de situações práticas que requerem um entendimento ao menos aproximado em torno do que é certo e do que é errado que está ligada fundamentalmente aos nossos

196 É preciso notar aqui que nem sempre está claro entre os autores como deve ser

entendida a objetividade. Por isso, é de suma importância perguntar se estamos tra- tando da objetividade tal como ela é entendida e aceita no âmbito das ciências em- píricas ou se estamos falando de outro tipo de objetividade. Para aprofundar este tópico ver Die Objektivität der Moral, de Gerhard Ernst e Objektivität und Moral de Markus Rüther.

interesses, sentimentos e intenções (sejam eles individuais ou de grupo)? Precisamente a consideração de fundo ou a pressuposição de que o critério (o valor) está fora de nós, em um âmbito independente, é que Mackie quer analisar e demonstrar como uma pressuposição sistematicamente falsa. O que está em jogo para ele, portanto, é a

questão ontológica do valor.

A recusa inicial da existência de valores morais objetivos foi caracterizada por ele mesmo como ceticismo. Mas ele logo faz a advertência que não se trata de um ceticismo de primeira ordem. Um cético de primeira ordem, como Mackie mesmo o define, poderia declarar como tolice toda a conversa sobre moral197 e ou rejeitar a moral pura e simplesmente, descartando todos os juízos dos outros ou reduzindo todo o universo das questões morais à sua experiência moral concreta - da qual, aliás, ele pretende se desvencilhar e almeja independência. Ele entende que é possível alguém ser cético de segunda ordem, sem ser um cético nas questões de primeira ordem, isto é, sem rejeitar ou negar as convenções e ordenamentos aos quais estamos relacionados e vinculados cotidianamente em conjunto com outras pessoas. Além do mais, alguém poderia rejeitar a moral estabelecida e continuar acreditando que torturar pessoas ou animais por prazer é errado e que isso valha objetivamente.

Por isso, ele afirma que seu subjetivismo é de segunda ordem198.

197 Cf. MACKIE, p.18.

198 Questões de segunda ordem podem ser de várias espécies, como o próprio Ma-

ckie faz questão de assinalar: podem dizer respeito ao significado e ao emprego de termos éticos, ou relacionados à análise de conceitos éticos, à lógica das proposi- ções morais etc. Além disso, estas questões de segunda ordem podem também “ser ontológicas, relacionadas com a natureza e posição categorial da bondade, ou a jus- tiça ou qualquer outro traço que caracterize proposições de primeira ordem”.

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145 Como ele mesmo caracteriza, o subjetivismo de modo geral assenta na ideia de que, os juízos morais podem ser compreendidos como a manifestação dos estados internos ou sentimentos daquele que os expressa. Em outras palavras, conceber uma “ação como justa” quer dizer tanto quanto “eu aprovo esta ação”. Embora postular a tese de que não há valores objetivos, não obrigue necessariamente que se assuma o ponto de vista subjetivo, Mackie admite que em um sentido muito amplo seu ceticismo possa ser considerado também um subjetivismo.

Um meio de afirmar a tese de que não há valores objetivos é dizer que enunciados sobre valores não podem ser nem verdadeiros nem falsos. Mas esta formulação, também, abre espaço à interpretação incorreta. Pois há certos tipos de enunciados sobre valores que, indubitavelmente, podem ser verdadeiros ou falsos, mesmo se, no sentido que tenho em mente, não existam valores objetivos. [...] O subjetivista em relação a valores, então, não está negando que possa haver avaliações objetivas em relação a padrões. Estas são tão possíveis nas áreas da estética e da moral como o são em qualquer um dos mencionados campos (p.28-29).

Ainda que sua teoria possa ser mais conhecida como um ataque frontal ao realismo moral, isto é, possa se caracterizar como um anti-realismo e um anti-objetivismo, para Mackie trata-se, antes de qualquer coisa, de compreender como se dá a justificação de normas e leis: certos objetivos gerais do comportamento humano e o correspondente estabelecimento de normas são efetivamente formulados e, além disso, é levantada a pretensão de se ter apresentado uma justificação bem- sucedida e intersubjetivamente válida de normas básicas. Aí entram em jogo e ganham importância componentes subjetivos fundamentais: simpatia, altruísmo, interesses individuais e considerações de cunho

pragmático.

A teoria de Mackie se caracteriza, também, como uma teoria

cognitivista, isto é, ela responde afirmativamente à pergunta de se os

julgamentos morais expressam crenças, mas negativamente à pergunta de se, em última instância, algumas daquelas crenças são verdadeiras199. Valores, diz Mackie, não pertencem à “fábrica do mundo”. Por esta razão ele argumentará que se os valores não são objetivos, serão em um sentido muito amplo, subjetivos (p. 21). Isso significa para fundamentalmente também que não precisamos necessariamente de valores objetivos independentemente instanciados para a resolução racional de problemas. Embora reconheça o autor que a prática cotidiana esteja eivada de comportamentos e ações com base em códigos normativos, ele quer apontar para sua não-validade:

De forma plausível, pode-se dizer que, pelo menos, muitos juízos morais contêm um elemento categoricamente imperativo. No que diz respeito à ética, a minha tese de que não existem valores objetivos é a negação específica da validade objetiva de tais elementos categoricamente imperativos (p. 33).

Em sua forma, os juízos morais contêm, assim prossegue argumentando Mackie, habitualmente a suposição implícita de valores objetivos ou, como ele mesmo aponta, “uma petição de objetividade, a assunção de que existem valores objetivos, no sentido exato em que me propus a negar” (p. 38). Justamente esta representação ele tenta demonstrar como falsa.

Para o não-cognitivismo, do ponto de vista semântico, juízos

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147 morais não são verdadeiros nem falsos; e do ponto de vista

psicológico não expressam crenças, mas estados internos ou

sentimentos. No cotidiano podemos compartilhar a segunda perspectiva (emotivismo), isto é, na base de nossos juízos morais não estão necessariamente crenças, mas possivelmente reações de simpatia ou aversão, como já afirmava Hume em seu Tratado da

Natureza Humana. No entanto, dificilmente compartilharemos a tese

semântica, isto é, de que os juízos morais não são verdadeiros nem falsos, na medida em que classificamos que algumas ações são boas, outras reprováveis, que alguns juízos morais são verdadeiros e outros são falsos.

De acordo com o que denomina de “teoria do erro” Mackie pretende sustentar que esta perspectiva é falsa. No que segue adentraremos nos contornos de sua formulação.

No documento Sobre Normatividade e Racionalidade Prática. (páginas 142-148)