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2 O DESTINO: CONCEITOS DE LITERATURA E A RELAÇÃO COM A ESCOLA

2.1 O PAÍS DAS MARAVILHAS: A LITERATURA

Conceituar a literatura depende de inúmeras leituras e do conhecimento de inúmeras teorias. Retomando historicamente as teorias que sustentam os estudos literários, do estruturalismo aos estudos culturais, conclui-se que sempre houve um embate. No entanto, o que se pode afirmar é que a literatura está conectada à linguagem em diferentes formas.

Todorov (2003), em "Linguagem e Literatura", por exemplo, retomando as palavras de Valéry, afirma que “a literatura é, e nada mais pode ser senão uma espécie de extensão e de aplicação de certas propriedades da linguagem.” (TODOROV, 2003, p. 31). Mesmo concordando com essa relação estrita com a linguagem, não serão limitadas as possibilidades de significação da literatura nesta pesquisa.

Terry Eagleton (1996), por sua vez, em “Introdução: o que é literatura?”, discute as tentativas de definir a literatura apontando que “talvez a literatura seja definível não pelo fato de ser ficcional ou 'imaginativa', mas porque emprega a linguagem de forma peculiar [...] a literatura transforma e intensifica a linguagem comum [...]”. (EAGLETON, 1996, p. 2).

E é nesse contexto do "talvez definível" (mas talvez não definível) que se insere Jonathan Culler (1999), em “O que é literatura e tem ela importância?”, quando afirma que não é importante definir a literatura, pois a questão central não seria essa, mas, sim, lidar com os

textos, discutir os textos e o que se teria descoberto com a “literariedade de fenômenos não-literários” (CULLER, 1999, p. 28). Em contrapartida, o autor retorna à questão e faz outras perguntas, afirmando que a questão “pede não uma definição, mas uma análise, até mesmo uma discussão sobre porque alguém poderia, afinal, se preocupar com a literatura” (CULLER, 1999, p. 28). O autor afirma, além disso, que é comum “desistir da discussão” e se dizer apenas que literatura é o que uma sociedade considera que é literatura, deslocando a pergunta e, portanto, não discutindo.

As afirmações levantadas até aqui demonstram a complexidade de conceituar o que é literatura, relacionar literatura e ensino é algo mais complexo ainda. A complexidade, porém, não deve ser um empecilho para o ensino, ou, para permitir a presença da literatura na escola. Eliane Debus (2006, p. 21), em “De leis e de leituras”, afirma que

Para um trabalho efetivo com o texto literário no âmbito das instituições educativas, é necessário constituir uma tríade produtiva e dialógica, isto é, em primeiro lugar o professor deve conhecer e inventariar o repertório literário que as crianças possuem, aquelas narrativas que trazem do espaço familiar e social; em segundo, deve haver comprometimento do professor para ampliar o repertório inicial delas; em terceiro, que ele assuma a responsabilidade de aguçar nas crianças a criatividade para a construção alargada de um novo/outro repertório.

A autora discute, em “Festaria de brincança: a leitura literária na Educação Infantil”, desde a história da literatura infantil até os critérios de escolha dos livros a serem trabalhados pelo professor com as crianças da Educação Infantil, reflexões que podem ser levadas aos outros níveis de ensino.

Os critérios de escolha remetem à discussão de Ítalo Calvino (1993), em “Por que ler os clássicos”, que propõe 14 definições de “clássico”. Os professores, que fizeram a leitura de determinados livros, costumam indicá-los aos alunos. Na definição 3, Calvino (1993, p. 9) estabelece que os clássicos “[...] são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.” e na definição 7 diz que

[...] clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes). (CALVINO, 1993, p. 11).

Com base nas definições de clássico, afirma-se que a escolha dos livros a serem apresentados aos alunos reflete a história de leitura do professor e os livros que foram significativos para ele. Nesse sentido é que se introduz a discussão acerca do letramento4 literário. Para Cosson e Paulino (2009, p. 67), letramento literário é

[...] o processo de apropriação da literatura enquanto construção literária de sentidos. [...] convém explicitar, em primeiro lugar, que considerar o letramento literário um processo significa tomá-lo como um estado permanente de transformação, uma ação continuada, e não uma habilidade que se adquire [...] também deve ficar claro que o letramento literário não começa e nem termina na escola, mas é uma aprendizagem que nos acompanha por toda a vida e que se renova a cada leitura de uma obra significativa.

O sujeito, portanto, está em constante formação leitora, e o contato com a leitura literária ao longo de sua vida faz dele participante contínuo desse processo de letramento. Sendo assim, o processo de formação do professor de Literatura não começa somente na graduação, pois todo o percurso de leituras e o contato que se teve com a literatura não se deram, ou não deveriam ter se dado, somente na universidade. A relação entre literatura e escola pressupõe a leitura de literatura, tanto de professores como de alunos, e a impressão de marcas de leituras anteriores que dialogam com novas leituras.

As marcas dos discursos do(s) outro(s) permanecem em nossos discursos, mas se reorganizam, transformam-se em questionamentos e

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Magda Soares (2002), no livro “Letramento: um tema em três gêneros”, discute o conceito da palavra “letramento”, que vem do inglês literacy. Em síntese ela afirma que: “[...] letramento é o estado ou condição de quem se envolve nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura e de escrita.” (SOARES, 2002, p. 44).

reflexões acerca das nossas próprias atitudes e fazem repensar as certezas que se tinham inicialmente. Dessa forma, observar o discurso de colegas na graduação gerou uma reflexão sobre o papel do professor e o que se pode pensar a respeito da literatura e do lugar dela.

2.2 DOCUMENTOS DE REFERÊNCIA PARA O ENSINO DE