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Países-membros do G77 em junho de 2018

Fonte: elaborado pelo autor com base nos dados de G77 (2018).

O G77 segue importante para a política externa brasileira. O grupo é referência para a coordenação diplomática do Brasil em foros econômicos internacionais, como AGNU (vide seção 7.1 da tese), ECOSOC e UNCTAD. Além disso, tal como no caso do Centro Sul, existe a ideia de que a participação do Brasil no G77 reforça suas credenciais como representante dos

interesses do mundo em desenvolvimento. Como vimos no caso da Segunda Comissão da ONU, não houve alteração na instrução dada ao Brasil de formar sua posição em determinados foros com base em articulação no G77. A identidade do Brasil como país em desenvolvimento, portanto, foi mantida ao longo dos três governos avaliados.

Essa questão identitária é marcada no G77. O caso do México e da Coreia é interessante. Fundadores do G77 em 1964, deixaram o grupo na década de 1990, após terem acedido à OCDE. Na época, a OCDE era tida como um “clube dos ricos”, comprometido com as agendas dos países desenvolvidos, de modo que permanecer em ambas as entidades era praticamente inviável. Com base nisso, quando o Brasil anunciou seu interesse em iniciar sua acessão à OCDE, em 2017, foi manifestada preocupação de que o país poderia ter de sair do G77. Essa apreensão, no entanto, não leva em consideração que, desde a década de 2000, o perfil da OCDE vem sendo transformado rumo a maior diversidade. Isso explica a permanência do Chile no G77 a despeito de seu ingresso na OCDE em 2010.

UNCTAD

A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) é o órgão da ONU que trata os temas de comércio e de desenvolvimento de forma integrada – diferentes de outras OIs mais especializadas, como OMC, que enfatiza o comércio, e o PNUD, que tem como foco o desenvolvimento. Além disso, é Fórum da AGNU incumbido de discutir e coordenar políticas econômicas em favor dos PEDs, tratando de temas como financiamento ao desenvolvimento e auxílio aos PMDRs. A atuação da Conferência tem como base três pilares: formação de consenso, cooperação técnica e pesquisa e análise sobre desenvolvimento. Trata-se da entidade mais representativa estudada nessa seção, porquanto compreende todos os membros das Nações Unidas, além da Santa Sé.

Tal como é o caso de outras OIs, as diretrizes principais que norteiam os trabalhos da UNCTAD são dadas pelos membros em conferências periódicas de alto nível. No caso da UNCTAD, trata-se de sua conferência quadrienal. Ao longo do recorte da tese, houve quatro edições: XI UNCTAD (São Paulo, 2004)48; XII UNCTAD (Accra, 2008); XIII UNCTAD (Doha, 2012); e XIV UNCTAD (Nairóbi, 2016). A avaliação do Itamaraty sobre a última edição foi positiva:

48 Chama atenção a realização da Conferência no Brasil em 2004. À primeira vista, poderia indicar valorização da Conferência por parte da nova administração, sob Lula. Acredito, no entanto, que esse não seja o caso, por dois motivos: em primeiro lugar, a sede desse tipo de evento costuma ser deliberada com antecedência, de modo que a decisão deve ser anterior à posse de Lula, em janeiro de 2003; em segundo lugar, tendo em vista que Rubens Ricupero foi SG da UNCTAD de 1995 a 2004, faz sentido supor que a realização da conferência no Brasil tenha influência sua.

O documento final da UNCTAD-XIV logrou preservar o mandato central do organismo nas áreas de interesse dos PEDs, ao reafirmar seu trabalho em todas as áreas relevantes de atuação da UNCTAD e ao conferir tratamento equilibrado aos seus três pilares. Além disso, em comparação com o Mandato de Doha, vários acordos alcançados reforçam potencialmente o pilar intergovernamental da UNCTAD. Com efeito, acordou-se a criação de dois grupos de peritos intergovernamentais (IGEGs), um sobre comércio eletrônico e economia digital; outro sobre financiamento para o desenvolvimento. Esses grupos oferecem a oportunidade para que os membros busquem aproveitar mais as instâncias de deliberação, bem como o potencial do organismo como "think tank" e gerador de ideias que possam ajudar a formar consensos em outros foros (MRE, 2016).

Além das conferências, há trabalhos importantes em órgãos subordinados: Conselho de Comércio e Desenvolvimento; Comissão de Comércio e Desenvolvimento; Comissão de Investimento, Empresas e Desenvolvimento; e Comissão de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento (esta ligada ao ECOSOC).

A participação do Brasil é histórica. O país foi um dos que defendeu a realização da I UNCTAD em 1964 – que criou o G77 – e teve atuação protagonista na II UNCTAD em 1968 – que criou o Sistema Geral de Preferências (SGP, sobre o qual vamos tratar mais abaixo). O Brasil defende que a UNCTAD não deve limitar-se a assistência técnica a PMDRs, mas deve ampliar sua capacidade de think tank, analisando temas do desenvolvimento, com vistas a gerar consensos internacionais. O Brasil, outrossim, faz uso dos estudos da UNCTAD e de sua base de dados para a formulação de sua estratégia negociadora na OMC (MRE, 2016).

Ao longo do período abrangido pela tese, a atuação do Brasil na UNCTAD não teve mudanças muito substantivas. O evento mais substantivo tem relação com as preferências comerciais estendidas a países em desenvolvimento. Em 1968, como vimos, foi estabelecido o Sistema Geral de Preferências (SGP), pelo qual os países desenvolvidos concedem preferências aos PEDs. Vinte anos depois, em 1988, foi adotado o Sistema Global de Preferências Comerciais entre Países em Desenvolvimento (SGPC), pelo qual os PEDs concedem preferências entre si. As preferências do SGPC estão em vigor no Brasil desde 1991, sendo aplicadas pelo MERCOSUL como um bloco.

Retomado esse histórico, podemos chegar ao evento compreendido no período da tese: trata-se da Terceira Rodada de Negociações do SGPC (2004-2010). Essa rodada – denominada Rodada São Paulo – foi lançada em São Paulo, em 2004, e concluída 2010, em Foz do Iguaçu. Segundo Cozendey (apud RODRIGUES, 2010), diretor do Departamento Econômico do Itamaraty na época das negociações, a cobertura do SGPC era pequena, de modo que o acordo de 1988 era mais um marco político de cooperação Sul-Sul do que um acordo com importância no comércio. De fato, a Rodada de São Paulo aumentou mais de 70 vezes o número de produtos

abrangidos de apenas 651 para 47 mil. Os resultados da rodada, no entanto, foram limitados, por dois motivos. Em primeiro lugar, apenas parte dos PEDs que faziam parte do SGCP de 1988 participaram das negociações – participaram apenas 11 Estados dos 43 que compunham o grupo original. Em segundo lugar, em junho de 2018, o acordo da Rodada São Paulo seguia em fase de ratificação, de modo que as preferências acordadas ainda não estavam vigentes.

Por fim, podemos atribuir o esforço negociador na Rodada São Paulo a uma política do governo de Lula. Trata-se de típica iniciativa de cooperação Sul-Sul valorizada pelos artificies da política da externa da época, como Celso Amorim, Marco Aurélio Garcia e o próprio presidente Lula. Dessa forma, há respaldo para afirmarmos que, entre os governos analisados, o de Lula deu uma ênfase especial à UNCTAD, por meio da tentativa de revitalizar seu sistema de preferências comerciais entre países em desenvolvimento.

7.3 Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é uma organização econômica intergovernamental fundada em 1961 para estimular o progresso econômico e o comércio mundial. Suas reuniões permitem troca de experiências em políticas públicas de diversas áreas, buscando soluções para problemas comuns, identificando boas práticas e coordenando políticas domésticas e internacionais de seus membros. É um fórum de países que se descrevem como “like-minded” (de visões semelhantes), comprometidos com a democracia e com a economia de mercado. Essas características comuns permitem à OCDE tratar de temas controversos, de definição difícil em órgãos de vocação universal, como ONU e OMC.

A OCDE conta hoje com 37 países-membros (Mapa 9). A maioria dos membros são economias desenvolvidas, de renda e IDH altos. A partir da década de 1990, no entanto, esse perfil começou a mudar, com acessão do México, da Coreia do Sul e de países do antigo bloco soviético. Na década de 2000, essa tenência a maior diversidade se amplia, principalmente após a ascensão atual Secretário-Geral, o mexicano José Ángel Gurría, que lidera a OCDE desde 2012. Entre as acessões mais recentes, destacam-se as de Chile e Israel em 2010 e as de Colômbia e Lituânia em 2018. Abertas em 2007, as discussões sobre possível acessão da Rússia foram suspensas em 2014, em decorrência da crise na Crimeia (OCDE, 2018).