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países ricos x pobres

No documento Tudo que você queria e não queria saber (páginas 138-141)

As negociações do clima se inserem em um contexto internacional repleto de questões delicadas e cheias de interesses e de sensibilidades.

Seguramente a mais fundamental resulta das disparidades entre os países ricos e pobres. Mesmo em se tratando de um problema diferente e único, no qual todas as partes têm o mesmo interesse – diminuir rapidamente as emissões de GEE e minimizar o aquecimento global – a maneira como isso deve ser alcançado e qual o esforço justo de cada país é uma das questões mais difíceis da agenda política e econômica global.

Até que ponto os países ricos irão pagar a conta e ajudar os mais pobres a se adaptar e também a mitigar suas emissões? Tendo mais recursos, os países ricos conseguirão reduzir mais rapidamente suas emissões, virando a balança de responsabilidades pelo problema. A China já é hoje, de longe, o maior emissor. Em meados dos anos 1990, as emissões anuais dos países ricos ficaram menores do que a soma dos demais países, sendo que, breve- mente a soma das emissões acumuladas dos países em desenvolvimento será maior que a dos países ricos. O poder econômico também permite aos países ricos impor sanções comerciais e de outros tipos aos países mais pobres, tornando o problema do aquecimento global mais um tema de disparidade entre países e entraves ao desenvolvimento.

Os países ricos também são os que, de maneira geral, detêm maior conhe- cimento sobre o problema, o que lhes dá vantagem sobre os países pobres em termos de buscar estratégias de mitigação e de adaptação, de se ante- cipar aos problemas, de projetar cenários futuros, e de buscar tecnologias adequadas a suas necessidades específicas. São eles que, a grosso modo, informam o processo global das negociações, já que, nos órgãos técnicos assessores, há maior presença e influência dos países ricos [7].

Continuação

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A redução de emissões de GEE não será evidentemente alcançada “colo-cando-se filtros nas chaminés”. A solução do aquecimento global demanda mudanças nos hábitos de consumo, bem como nos sistemas de produção, de comércio e de finanças de todo o mundo. Serão necessários elevados investimentos em tecnologias e mudanças de comportamento de popu-lações inteiras, o que pressupõe a conscientização sobre um problema de extraordinária importância e complexidade em países que sequer conse-guem garantir o sustento mínimo de bilhões de seus habitantes.

Esse esforço é muito superior à capacidade atual dos países em desen- volvimento, especialmente dos mais pobres. E não se trata unicamente de transferir recursos, mas de direcioná-los corretamente, de alavancar o desenvolvimento mais geral, e de proteger e criar mecanismos próprios de adaptação para pessoas e países.

As diferenças de responsabilidades e de capacidades entre países ricos e pobres é reconhecida pela UNFCCC, que adotou o princípio das “respon-sabilidades comuns, mas diferenciadas”. Como o nome diz, todos os países se comprometem com esforços de mitigação, mas a responsabilidade dos países ricos é maior, razão pela qual seus esforços devem ser maiores. O Princípio é reconhecido por todos os países, mas como traduzi-lo em termos concretos de redução de emissões é que é o problema.

É importante notar também que em cada um dos grupos existem sub-grupos com interesses e posturas completamente distintos. Entre os países ricos, por exemplo, a Comunidade Europeia tem se colocado bastante à frente dos demais, enquanto os Estados Unidos, em particular, ocupam uma posição conservadora dissonante do processo global de negociação. O país que é a segunda maior economia do planeta, com as maiores emissões históricas e a maior emissão per capita de GEE no mundo, simplesmente se recusa a participar ativamente das negociações globais. Sua importância dentro do conjunto de países, juntamente com sua ausência dos grandes acordos globais, corta drasticamente o incentivo dos demais países de colaborarem e de fazerem a sua parte – tanto ricos como pobres5.

Quanto à UNFCCC enquanto instituição principal na negociação climá-tica, sua lógica e mecanismos para tentar resolver o aquecimento global seguem um padrão parecido com o de outras convenções internacionais,

5 Entre o livro ter sido escrito e sua impressão, ocorreu a eleição presidencial nos Estados Unidos.

A troca do Presidente Trump pelo novo Presidente Biden é muito promissora e espera-se uma forte guinada na política climática do país. As primeiras ações e decretos assinados por Biden sugerem que vão melhorar significativamente a posição e ações climáticas dos Estados Unidos, o que, provavelmen-te, dará um impulso a todo processo global de combate às mudanças do clima

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ignorando a particularidade da agenda climática e sua urgência. O processo de tomada de decisão, por consenso entre todos os países, parece justo e demo- crático, mas na verdade, pelo seu tamanho, não tem a agilidade necessária para tomadas de decisão, além de ser “embrulhado” em uma burocracia extraordinária. “As dificuldades que a comunidade internacional enfrenta atualmente são consequência da sua incapacidade de responder eficazmente ao problema posto em debate [há cerca de 40 anos]. O não enfrentamento da crise deposita um desafio ainda mais complexo a uma comunidade que se tem revelado inábil em cooperar de maneira efetiva até o presente” [8].

A própria ideia de tentar abordar o aquecimento global através do sistema de agências multilaterais hoje evidencia-se possivelmente inadequada.

“Elas imobilizam a tomada de decisão em temáticas conflituosas e que demandam mais que o mínimo denominador comum. Para lidar com um problema tão complexo como a mudança do clima, as organizações interna-cionais tradiinterna-cionais não parecem oferecer o melhor arranjo”[8].

O fato é que hoje temos um sistema de negociação global amplamente incapaz de responder de forma rápida aos desafios urgentes impostos pela questão climática. O crescimento das emissões de GEE desde a criação da UNFCCC, sugere que os acordos firmados não têm realmente surtido efeito visível, ao menos de curto prazo – Figura 7.1.

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Os países já entendem que o processo da UNFCCC é por demais lento.

Empresas, pessoas e a sociedade civil de maneira geral, cobram iniciativas alternativas de seus governos. Fora do Sistema ONU, o G-20, que é o grupo dos países mais ricos do mundo, tem colocado a questão climática no topo da agenda de discussões. Por sua vez, o Fundo Monetário Internacional (FMI) vem, há algum tempo, internalizando os desafios climáticos nas análises de políticas macroeconômicas. Ministros da Economia do mundo inteiro falam hoje da questão climática, derrubando o velho dogma de que a proteção ambiental vai contra o desenvolvimento econômico. Enquanto isso, os grandes bancos de desenvolvimento internacional – o Banco Mundial e os bancos de desenvolvimento regional como o BID – têm elevado todo ano o financiamento de projetos relacionados ao clima, têm reduzido ou eliminado o financiamento de usinas e indústrias movidas a carvão mineral, além de uma série de outras medidas em apoio ao Acordo de Paris.

A debilidade da governança internacional sobre a crise climática tem levado ao surgimento de diversos tipos de iniciativas que não são multi-laterais e que não são necessariamente tomadas entre governos de países.

Ao contrário, boa parte delas ocorre entre cidades, empresas, setores econômicos, ou em torno de temas como florestas, eficiência energética, transportes, etc. Alguns exemplos são apresentados no Box 7.2.

No documento Tudo que você queria e não queria saber (páginas 138-141)