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LEISHMANIOSE NO MOMENTO DO DIAGNÓSTICO DA INFECÇÃO PELO HIV TRATAMENTO DA LEISHMANIOSE USO DE HAART EVENTOS ADVERSOS

COM TRATAMENTO EVOLUÇÃO RECIDIVA

1 LM Glucantime não não cicatrização sim

2 LCM Anfotericina B não não cicatrização sim

3 LM Glucantime não não cicatrização não

4 LC Anfotericina B não IRA / Glucantime cicatrização não

5 LM Glucantime sim Extrasístoles / Itraconazol cicatrização não

6 LM Anfotericina B sim AnfoB / Fluco cicatrização não

7 LM Glucantime sim Extrasístoles / Cetoconazol cicatrização não

8 LCM Anfotericina B não IRA / Glucantime /

Anfotericina B Lipídica

óbito (1) não

9 LCM Glucantime sim não cicatrização sim

10 LCM Anfotericina B sim não cicatrização sim

11 LC Anfotericina B Lipídica sim não cicatrização sim

12 LCM Glucantime sim Arritimia / Anfo B óbito (1) sim

(1) em curso da leishmaniose

As contagens de linfócitos T CD4+ e linfócitos T CD8+, naqueles pacientes que não usaram HAART evoluiu com decréscimo. Nos que fizeram uso da terapêutica, com exceção de um paciente que evoluiu para o óbito logo após a instituição da terapia, todos evoluíram com acréscimo nos níveis. Em dois casos não foi possível verificar a evolução das contagens pela ausência de dados.

Com relação aos antirretrovirais instituídos, com a evolução da terapêutica observa-se o uso de monoterapia, terapia dupla e a combinação de drogas que se configurou chamar de HAART. Mesmo com uso da terapêutica, os pacientes apresentaram as mais variadas doenças oportunistas.

Quando a forma de leishmaniose na recidiva é avaliada, percebe-se que à exceção de um paciente, que teve o primeiro episódio de leishmaniose mucosa e as recidivas na forma leishmaniose cutâneo-mucosa, todos recidivaram na mesma forma que seu episódio inicial.

A mortalidade foi de 50% até o fechamento do estudo. Um paciente abandonou o acompanhamento dessa forma seu desfecho não é conhecido. Quatro pacientes estão em acompanhamento ambulatorial, desses, três são da série de 2002 a 2004. As

causas mortis foram levantadas de acordo com os atestados de óbito e, em apenas um

caso, a necrópsia. No relato a forma da doença é classificada como cutâneo-difusa e não foram encontradas amastigotas em vísceras. Em dois outros casos a leishmaniose está citada no atestado e nos demais não foi mencionada. A pneumonia esteve relacionada a 50% dos óbitos sendo que em um dos casos o agente foi determinado como o Pneumocistis carinii e a toxoplasmose de SNC a 33%. Os dados referentes à evolução e ao desfecho estão organizados na Tabela 14.

45 Tabela 14 - Ano de diagnóstico da infecção pelo HIV, forma clínica e ano do diagnóstico de leishmaniose, contagem linfócitos T

CD4+ e linfócitos T CD8+, terapêutica antirretroviral, doenças oportunistas, recidiva e desfecho PACIENTE DIAG. SIDA (ANO) FORMA LEISH (ANO) LINFÓCIT OS T CD4+ (cel/mm3) LINFÓCITOS T CD8+ (cel/mm3) TERAPÊUTICA ANTIRRE- TROVIRAL DOENÇAS OPORTUNISTAS (ANO) RECIDIVA/ FORMA CLÍNICA (ANO) DESFECHO 1 1992 LM (1992) 258 (1992) 234 (1995) 415 (1992) 398 (1995) - NTX (1992) TBC (1992) LCM (1995) óbito (1996), BCP hospitalar 2 1988 LCM (1987) 25 (1995) 148 (1995) - CO (1995) Micobacteriose Cutânea (1995) LCM (1992) LCM (1995) óbito (1995), leishmaniose cutâneo- difusa, micobacteriose cutânea, necrose fibras

cardíacas 3 1993 LM (1993) 66 (1993) 105 (1994) <50 (1995) 902 (1993) 857 (1994) 403 (1995) - H. zoster (1993) CMV ocular, esôfago (1995) PCP (1995) TBC (1995) NTX (1995) - óbito (1995), PCP, NTX 4 1990 LC (1996) 8 (1996) 373 (1996) AZT (1990) AZT/DDI (1994) H. zoster (1992) CMV ocular (1994) Tb Ganglionar (1994) - abandono (1996) 5 1990 LM (1995) 81 (1995) 154 (1998) 1038 (1995) 1310 (1998) AZT/DDI (1995) HAART (1997) Histoplasmose (1995) NTX (1998) - óbito (1998), NTX 6 1999 LM (1999) 93 (1999) 94 (2001) 557 (1999) 498 (2001) HAART (1999) NTX (2001) - abandono (2001) continua

46 conclusão PACIENTE DIAG. SIDA (ANO) FORMA LEISH (ANO) LINFÓCIT OS T CD4+ (cel/mm3) LINFÓCITOS T CD8+ (cel/mm3) TERAPÊUTICA ANTIRRE- TROVIRAL DOENÇAS OPORTUNISTAS (ANO) RECIDIVA/ FORMA CLÍNICA (ANO) DESFECHO 7 1993 LM (1996) 63 (1995) 46 (1997) 123 (2000) 209 (2004) 683 (1995) 770 (1997) 1050 (2000) 1142 (2004) AZT/DDI (1997) HAART (1999) PCP (1993) COE (2003) - AMB (2004) 8 2003 LCM (2003)

51 (2002) 233 (2002) - COE (2003) - óbito (2003), choque

séptico, AIDS, pancreatite, leishmaniose muco- cutânea, IRA 9 2002 LCM (2002) 23 (02) 93 (Ago/03) 288 (Dez/03) 328 (2004) 122 (2002) 324 (Ago/03) 665 (Dez/03) 505 (2004) HAART (2002) TBC (2002) LCM (2003) AMB (2004) 10 2002 LCM (2002) 254 (2003) 65 (2002) 248 (2004) 526 (2002) 1690 (2003) 1255 (2004) HAART (2002) SK gástrico (2002) LCM (2004) AMB (2004) 11 2002 LC (2002) 135 (2002) 328 (2003) 283 (2002) 849 (2003)

HAART (2003) COE (2002) LC (2002) AMB (2004)

12 2002 LCM (2001) 56 (2001) 5 (2002) 998 (2001) 237 (2002) HAART (2002) CMV (2002) PCP (2002) (Fev/02) LCM LCM (Set/02) óbito (2002), septicemia, AIDS, BCP, leishmaniose cutâneo-mucosa, miocardiopatia

LM: Leishmaniose Mucosa; LCM: Leshmaniose Cutânea e Mucosa; LC: Leishmaniose Cutânea; NTX: Neurotoxoplasmose; TBC: Tuberculose; CO: Candidíase Oral; CMV: Citomegalovirose; PCP: Pneumocistose; COE: Candidíase Oro-Esofágica; BCP: Broncopneumonia; AMB: Ambulatório; IRA: Insuficiência Renal Aguda; SK: Sarcoma de Kaposi

6 - DISCUSSÃO

Este estudo contou com 12 pacientes portadores de HIV/AIDS com acometimento tegumentar pela leishmaniose tegumentar, dos quais 11 eram oriundos do IIER e um da FMUSP. Devido ao número reduzido de pacientes co-infectados diagnosticados no total do estudo, os procedimentos adotados pelos investigadores foram o levantamento retrospectivo naquele instituto, resultando em sete pacientes e a busca ativa gerando quatro pacientes no período de 2002 a 2004. O paciente oriundo da FMUSP estava sendo acompanhado no Ambulatório de Leishmanioses, onde foi realizada a busca passiva e foi agregado ao trabalho.

O baixo número de pacientes encontrado surpreende, tanto em relação ao banco de dados do hospital, na fase retrospectiva, como na busca ativa. Isso deve-se, a nosso ver, porque a leishmaniose tegumentar não é considerada quando do diagnóstico inicial da lesão tegumentar no portador de HIV. A grande maioria surge como achado na investigação de outras doenças, a exemplo da histoplasmose disseminada ou tuberculose cutânea. O sub-diagnóstico provavelmente deve existir se for considerado o panorama das duas endemias no país e comparando com outras regiões como o Mediterrâneo, onde foram detectados 61 pacientes com leishmaniose tegumentar numa série de 1285 casos de co-infecção HIV/leishmaniose (Desjeux, Alvar 2003).

Em concordância com as estatísticas nacionais sobre gênero e idade do portador de HIV/AIDS, o sexo masculino apresentou o maior número de casos, apesar da proporção homem/mulher diminuir a cada ano no país, apenas três mulheres fizeram

parte de nosso estudo. A média de idade de 38 anos muito semelhante à média encontrada na maior casuística nacional (Rabello et al., 2003) e da região do Mediterrâneo (Desjeux, Alvar, 2003). Com o acometimento do homem jovem no auge da sua fase produtiva, a co-infecção tem impacto no componente econômico e social (UNAIDS/WHO, 2005).

O uso de drogas endovenosas fez parte do comportamento de risco em 50% dos casos, 25% declaram ser heterossexuais e 42% bissexuais sendo que um caso era usuário de drogas e bissexual, outro além de usuário de drogas e bissexual, recebeu uma transfusão sanguínea em 1990. Estes dados conflitaram tanto com a casuística nacional quanto à do Mediterrâneo onde o UDEV corresponde a 7% e 70% respectivamente (Rabello et al., 2003; Desjeux, Alvar, 2003). Na análise da série, os sete primeiros pacientes, que concentram os UDEV, faziam parte do levantamento retrospectivo. Supõe-se que o comportamento de risco para o HIV reproduz as mudanças que a epidemia de AIDS vem sofrendo ao longo das décadas no país, onde a população de risco constituído por usuário de droga, homossexual e o bissexual vêm sendo substituída pelo heterossexual como o grupo de maior incidência de HIV (www.aids.gov.br).

Todos os pacientes estiveram em contato com áreas de transmissão de leishmaniose tegumentar com uma variação de três dias a 36 anos. 25% dos pacientes eram naturais da cidade de São Paulo, 58% deles tinham sua procedência recente na cidade, isso evidencia o processo de migração e urbanização da população brasileira, influindo na epidemiologia da co-infecção (Rabello et al., 2003). Chama a atenção o oitavo paciente no estudo que é procedente e natural da cidade de São Paulo e ficou apenas quinze dias em área de transmissão há dois anos, isso corrobora

com a teoria de que num país como o Brasil, onde as áreas endêmicas para leishmaniose aumentam a cada dia, qualquer contato com a área de transmissão, por mais breve que seja, deve ser valorizado na suspeição de co-infecção.

O contato com área endêmica parece ser o principal fator de risco para contaminação por leishmânia em pacientes portadores de HIV no Brasil (Rabello et

al., 2003). Isso é o que casuísticas nacionais sugerem contrastando com a casuística

do Mediterrâneo onde o uso de drogas injetáveis é a forma de transmissão mais comum para os dois patógenos nos co-infectados, caracterizando o ciclo antroponótico da doença com a transmissão de indivíduo para indivíduo, sem a presença do flebótomo, via seringa contaminada compartilhada pelo UDEV (Desjeux, Alvar, 2003).

Quatro pacientes tiveram antecedentes de leishmaniose tegumentar antes da infecção pelo HIV. Chamou a atenção um paciente que teve episódios anteriores, por duas ocasiões com diferentes formas de leishmaniose tegumentar (leishmaniose cutânea, posteriormente leishmaniose cutâneo-mucosa), ao de leishmaniose mucosa que coincidiu com o diagnóstico da infecção pelo HIV, mesmo estando há 16 anos fora da zona de transmissão da doença. Avaliando as formas da doença - a leishmaniose cutâneo-mucosa e a mucosa geralmente são secundárias a lesão cutânea prévia, devido à disseminação hematogênica do parasita - e o tempo decorrido, pode- se suspeitar de uma reativação e que seu contagio pela leishmânia se deu há 16 anos. Outros seis pacientes apresentaram forma cutâneo-mucosa ou mucosa e não referiram antecedentes de leishmaniose. Como se encontravam fora da área endêmica há, pelo menos, um ano, é de se suspeitar que possivelmente apresentaram formas oligossintomáticas ou subclínicas da doença previamente.

Formas subclínicas não são incomuns (Puig, Pradinaud, 2003) e deve ser suspeitada mesmo quando o paciente não refere antecedente e esteja fora da área endêmica por um período prolongado. Isto deve ser reforçado e investigado pelo médico diante da possibilidade da co-infecção.

6.1 - Forma Clínica

A forma clínica da leishmaniose tegumentar mais comum na amostra foi a de leishmaniose cutâneo-mucosa com 50% dos casos, que juntamente com a forma mucosa da doença correspondeu a 83% do total. Um valor maior que o encontrado na casuística nacional, onde as duas formas correspondem a 68% dos casos de leishmaniose tegumentar relatados (Rabello et al., 2003).

Este valor contrasta com o encontrado em trabalho realizado na Guiana Francesa onde apenas um dos nove pacientes estudados tinha a forma muco-cutânea da doença (Couppie et al., 2004) e dados do Mediterrâneo onde a forma mucosa e muco- cutânea ocorrem excepcionalmente (Puig, Pradinaud, 2003). Provavelmente devido às espécies de leishmânia envolvidas, naquele país a L. guyanensis é mais prevalente e raramente apresenta comprometimento mucoso e em nosso meio a L. braziliensis é a mais prevalente e a maior responsável pela LCM (Couppie et al., 2004).

As lesões foram as mais variadas, no quadro cutâneo, desde úlceras únicas até formas atípicas em todo o tegumento. Estas formas de acometimento em portadores de HIV já haviam sido descritas na literatura (Couppie et al., 2004; Puig, Pradinaud, 2003). No quadro mucoso foram encontradas ulcerações em mucosas nasal e oral assim como em região genital, provavelmente por disseminação hematogênica do

parasita. Apesar de anteriormente descritas (Cascio et al., 2000), tal gama de manifestações e a quantidade grande de lesões genitais na co-infecção HIV/leishamniose tegumentar numa série de casos deve ser ressaltado e diferencia esta casuística diante das demais.

É de se ressaltar as lesões genitais, presentes em quatro pacientes, em um deles com a detecção de antígenos de leishmânia por reação imunohistoquímica no tecido da lesão. Salienta-se o número, que representa 33% da nossa série, apesar de já ter sido descrito anteriormente em imunocompetentes (Cabello et al., 2002) e portadores de HIV (Amato et al., 2000). Provavelmente se deve ao fato de se tratar de um trabalho de busca ativa onde o acometimento por leishmânia era suspeitado em qualquer lesão tegumentar, que era investigada.

Chama a atenção o contraste das lesões dos pacientes da série retrospectiva em relação aos da série prospectiva. Os primeiros têm um acometimento nas localizações típicas de leishmaniose tegumentar com tipo de lesão também típico, enquanto nos últimos verifica-se a maior proporção de lesões atípicas e polimorfismo das lesões. Talvez isto tenha ocorrido porque estes casos foram frutos da busca ativa realizada onde foi feita a suspeita de co-infecção sempre que o paciente apresentava lesão tegumentar e epidemiologia para leishmaniose, independente da forma e aspecto da lesão. Por outro lado, na fase retrospectiva, esta suspeita provavelmente só ocorria quando a lesão era típica de leishmaniose tegumentar. Isto reforça a hipótese do sub-diagnóstico, possivelmente o acometimento por Leishamania em pacientes portadores de HIV que apresentavam lesões atípicas no período de 1990 a 2001 não era considerado, diminuindo o diagnóstico da co-infecção.

Quadros de LT com grande variação nas características das lesões, tanto em imunocompetentes como imunossuprimidos não portadores de HIV, têm sido relatados na literatura. A exemplo de casos como o de uma lesão destrutiva em hálux descrito por Ogawa et al. (2002) e formas erisipelóides, recidivantes e disseminadas relatados por Calvopina et al. (2005), ambos em pacientes sem história de imunossupressão. Em pacientes imunossuprimidos não portadores de HIV, Motta

et al. (2003) descreveram o acometimento de forma disseminada de leishmaniose

com lesão de mucosa oral em um paciente portador de diabetes mellitus e usuário crônico de corticóide por doença pulmonar obstrutiva crônica. Também Tavora et al. (2002) relata o acometimento atípico de leishmaniose em transplantado renal. Particularmente em transplantados ao analisar infecções parasitárias Barsoum (2004) descreve a hipótese de febre e insuficiência renal aguda associadas à lesão típica da leishmaniose cutânea.

Destacamos dois pacientes (casos 9 e 10) que foram relatados por Posada- Vergara et al. (2005) por apresentarem lesões polimórficas, disseminadas que pioraram com a instituição do HAART. Eles estavam fora da área endêmica há mais de um ano por isso foi desconsiderada a hipótese de leishmaniose aguda e após a instituição da terapia leishmanicida, houve a melhora do quadro. O surgimento e piora das lesões coincidiram com a fase inicial da recuperação da imunidade destes sugerindo se tratar da Síndrome Inflamatória de Reconstituição Imune (“Immune reconstituition inflammatory syndrome-IRIS”), descrita pela primeira vez associada a micobactérias e hoje relacionada aos mais diversos patógenos que acometem o paciente com AIDS (Shelburne, Hammil, 2003).

O envolvimento tegumentar associado ao quadro visceral está bem estabelecido na África e Índia onde o quadro conhecido como leishmaniose dérmica pós Kalazar (“Post-kala-azar dermal leishmaniasis” = PKDL), ocorre em 5% dos pacientes no processo de cura da LV na África e em 20% dos da Índia e está mais relacionada à L.

donovani. Máculas hipocrômicas e rash papular ou nodular é o quadro clínico mais

comum em 51% dos pacientes. Ocasionalmente é relatado em imunossuprimidos, particularmente em portadores de HIV (Bittencourt et al., 2002). Quadros cutâneos atípicos como os dos pacientes nove e dez, que apresentaram lesões polimórficas disseminadas em todo o corpo, eventualmente poderiam mimetizar lesões da PKDL (Puig, Pradinaud, 2003).

A visceralização da leishmaniose tegumentar nesta série não foi detectada, à investigação por pesquisa direta e cultura (em meios de cultura Blood Agar Base, Ducrey, acrescentados de Brain Heart infusion) de aspirado de medula óssea que foi realizada em todos os pacientes da fase prospectiva e que se mostrou negativa em todos os casos. Nos pacientes da etapa retrospectiva, não foram encontradas amastigotas nos aspirados de medula, quando realizados, e tampouco na necrópsia a que foi submetido o paciente número dois.

6.1.1 - Diagnóstico

A reação de Montenegro foi positiva em 42% dos pacientes. Mesmo com a severidade de sua imunossupressão estes pacientes apresentaram hipersensibilidade do tipo retardada positiva, provavelmente por manterem linfócitos T CD8+ de memória previamente sensibilizados pela Leishmania (Da-Cruz et al., 2002). Apesar

de não existir na literatura dados consistentes relativos a esta reação no diagnóstico da leishmaniose tegumentar em pacientes portadores de HIV, pode-se inferir que pode ser um instrumento a ser utilizado frente à suspeita da doença. Porém, sua padronização e a definição de seu papel no diagnóstico demandam novos estudos.

A pesquisa direta mostrou-se como o exame diagnóstico de melhor positividade na amostra, aliada a detecção de antígenos de leishmânia por reação imunohistoquímica são as principais armas no diagnóstico da leishmaniose tegumentar em portadores de HIV, dado que concorda com a maior amostragem do país (Rabello et al., 2003). Chama a atenção a necessidade de patologistas experimentados, uma vez que as formas amastigotas são confundíveis no exame direto com outros patógenos, como o Histoplasma capsulatum dos quais têm sua diferenciação facilitada pela ausência de cápsula (Puig, Pradinaud, 2003).

Apesar do isolamento do parasita por cultura da lesão e sua posterior identificação serem altamente recomendáveis (Deniau et al., 2003) essa só foi realizada em dois casos e em apenas um deles o parasita foi identificado como L.

brasiliensis. Isto é um problema já que a avaliação tanto epidemiológica quanto

clínica da co-infecção depende da correta identificação do agente. Este problema parece abranger outros estudos já que apenas 12 dos 91 casos levantados por Rabello

et al. (2003) tiveram o parasita identificado no nível de subgênero e a L. brasiliensis

foi responsável por sete desses casos.

A sorologia teve uma positividade alta nos casos em que foi realizada independentemente do grau de imunossupressão. Na nossa amostragem foram realizadas a reação de imunofluorescência indireta e o teste de ELISA com antígeno de L. major-like. Com 70% de positividade, a taxa encontrada foi maior que dos

dados internacionais onde a sensibilidade varia de 5 a 82% (Deniau et al., 2003). Na região do Mediterrâneo, onde o paciente, em sua maioria, é usuária de drogas e portador de LV, a positividade dos dois testes variou de 58% a 60% (Desjeux, Alvar, 2003). Ao analisarmos este fato, podemos supor que a positividade de nossa amostragem é maior devido à permanência da grande maioria dos casos, por períodos prolongados, em áreas endêmicas desenvolvendo uma memória imunológica que levaria a produção de anticorpos diante da re-exposição ao antígeno. Difere, do ponto de vista epidemiológico, dos casos europeus em que a exposição é pontual, no momento do uso da droga endovenosa.

Como em nosso país a área de transmissão da LT abrange quase todo o território nacional e está aumentando a cada dia, estudos maiores com maiores casuísticas se fazem necessários para se ter a definição do papel da sorologia na triagem e no diagnóstico da co-infecção em nosso meio.

6.1.2 - Avaliação da imunidade e classificação da AIDS

Os pacientes foram classificados em sua maioria como C3, segundo a classificação do CDC, com exceção de um que apresentava contagem de linfócitos T CD4+ acima de 200 células/mm3. A mediana de 63 cel/mm3 concorda com os dados europeus onde 92% da amostragem tinham contagens menores que 200 células/mm3 (Desjeux, Alvar, 2003). Porém a mediana encontrada por Couppie et al. (2004) contrasta com esses dados, com o valor de 285 células/mm3, com uma variação de 205 a 764 células/mm3;os pacientes de sua casuística não se apresentavam com um

grau severo de imunossupressão o que pode ter interferido na sua apresentação clínica.

6.1.3 - Doenças oportunistas

Todos os pacientes apresentaram doenças oportunistas e sintomatologia relacionada a elas. Isto condiz com seu grau de imunossupressão (Russo et al., 2003). Inclusive em três pacientes que não tinham antecedentes de leishmaniose, o quadro tegumentar, inicialmente, foi creditado a outras infecções como citomegalovirose, herpes simples, sífilis secundária, histoplasmose disseminada, paracoccidioidomicose, micobacteriose disseminada, hanseníase e até mesmo síndrome de Fournier.

A tuberculose, candidíase, pneumocistose e a toxoplasmose do sistema nervoso central também são as doenças oportunistas mais comuns no sudoeste europeu, onde a LV é considerada doença oportunista e é a terceira doença mais prevalente depois da toxoplasmose e criptosporidiose (Desjeux, Alvar, 2003). A piora da imunidade, e a conseqüente evolução para AIDS, devido a replicação do HIV induzida pela leishmânia já foi demonstrada com a LV. Porém nada foi descrito relacionado à patogênese da LT na evolução da imunidade do portador de HIV (Bernier et al., 1998).

6.2 - Terapêutica

O uso da terapia antirretroviral potente foi reduzido na série de pacientes da fase retrospectiva limitando-se a dois casos. Apesar do Ministério da Saúde ter disponibilizado seu uso a partir de 1996, variáveis como condições clínicas do paciente e sua imunidade interferiam na sua introdução.

Estes parâmetros se modificaram ao longo da última década, a medida que a terapia evoluiu e a patogenia da doença foi sendo elucidada, fazendo com que nos dias atuais não se utilize mais a monoterapia utilizada pelo paciente número quatro ou terapia dupla como as utilizadas pelos pacientes números cinco e seis, inicialmente. O paciente número oito não fez uso de HAART devido à velocidade e gravidade da evolução de seu quadro que culminou com a morte num breve período de tempo.

Os pacientes receberam antimonial pentavalente e anfotericina B, como indicado pelo Ministério da Saúde, na terapêutica da leishmaniose. Nenhum paciente fez uso da pentamidina, medicação utilizada por Couppie et al. (2004) na sua amostragem de pacientes com LT na Guiana Francesa. Nesse país, esta é a medicação de escolha. Foram freqüentes os efeitos colaterais principalmente alterações cardiológicas e renais que levou a freqüentes trocas. Não se notou uma diferença entre os pacientes que utilizaram o antimonial pentavalente e a anfotericina B quanto aos efeitos colaterais.

Pacientes co-infectados, devido à debilidade de seu estado clínico e a associação de múltiplas medicações com potenciais nefro e cardiotoxicidade parecem ser altamente suscetíveis às reações adversas da medicação instituída. Isto contribui para

a dificuldade na sua terapêutica fazendo com que trocas ocorram e até mesmo a suspensão da medicação diante da impossibilidade de seu uso frente ao risco

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