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Padre Antonio Henrique Pereira Neto: A Primeira Morte

02. O Estado Autoritário Brasileiro Pós-

3.3 Padre Antonio Henrique Pereira Neto: A Primeira Morte

Se o tempo que precede o AI-5, é de perseguição, prisões e torturas, sua imposição amplia e aprofunda essa política de terror de Estado. No dia 14/12/68 a Cúria Diocesana de Santos emite memorando aos padres e superiores religiosos para que suspendam os sermões nas missas a serem celebradas. E que se unam todos em oração pelas intenções de nossa pátria e da Igreja”. O memorando chama a atenção dos órgãos de repressão que na Informação Nº

06/QG-4 (07/01/69), adverte que “o Bispo Diocesano da Cúria de Santos é David Picão, a respeito de quem toda a cidade conhece a ação subversiva” (DOPS/SP-50-G-2: 186). O regime teme o silêncio significante de Dom David, um silencio constitutivo, “que nos indica que para dizer é preciso não-dizer” (ORLANDI, 2007: 24).

Mas, o cardeal Rossi fala. Discursa para os alunos do Colégio Pio Brasileiro em Roma, em 12/01/69. A seu ver a sua renúncia à Ordem do Mérito Nacional, dá-lhe a independência

necessária para falar das relações Igreja-Estado pós-AI-5. Depois de ressaltar que crises

profundas abalam o mundo capitalista e socialista, afirma que o Brasil também sofre uma

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anticomunismo não resolve a crise brasileira, já que a corrupção é a verdadeira fonte de nossos problemas. É nesse contexto que o cardeal se refere ao AI-5:

“Se o ato de 13 de dezembro último, que foi geralmente recebido com surpresa, inquietação e decepção, der ao governo força para moralizar a administração pública, suscitar o espírito de responsabilidade, punir os grandes e os reais responsáveis de nossos males públicos, introduzir as reformas para que se firme, no país, a justiça social, então o sacrifício que o Brasil paga hoje à liberdade será benéfico para o nosso porvir. Se, ao contrário, tal são suceder, não podemos nem sequer prever as conseqüências futuras desse ato” (SEDOC-10, 1969: 1353).

Apesar da perseguição que o regime move contra à Igreja, Dom Rossi insiste no argumento de que a repressão se deve a posições pessoais extremadas. Acreditando nisso adverte que a Igreja não tolera confissões obtidas à força. A posição do cardeal, sacrificando a liberdade em nome de uma fictícia justiça social, só se explica pelo desejo de manter aberto os canais diplomáticos com a ditadura. A rigor significa ignorar a política econômica do regime, e a repressão sistemática para mantê-la. Mas Dom Rossi não é voz isolada na hierarquia eclesiástica, a emitir sinais de conciliação diplomática com o regime.

A Comissão Central da CNBB, reunida em 19/02/69, emite Declaração sobre o agravamento

da situação nacional pós-AI-5, e como na mensagem de junho de 64, agora também adota uma postura ambígua em relação ao regime. As perseguições até então não foram suficientes para fazer a hierarquia superar suas divisões internas. Como Dom Rossi, a Comissão Central acredita na possibilidade de se realizar “reformas que não significam subversão da ordem, mas mudança de estruturas arcaicas”, à qual está disposta a colaborar. Confiantes que a adesão diplomática ao ato de força do regime abra espaço para suas reivindicações, solicitam os bispos que se coloque fim quanto à “ambigüidade de certos termos, como ‘subversão’, ‘democracia’, ‘conscientização’, ‘desenvolvimento’”. Sua oposição leal encoraja-os a dar sua definição de subversão que contempla tanto os que buscam a conturbação social, como os que abusam do poder econômico. (SEDOC-140, 1969: 1331-32).

Na segunda parte a Declaração do episcopado contradiz o adesismo diplomático e, apoiando- se na Encíclica Mit Brennender Sorge de Pio XI, aquela que condena o nazismo, descreve uma realidade aterrorizante:

“A situação, institucionalizada no mês de dezembro último possibilita arbitrariedades, entre os quais a violência de direitos fundamentais, como a de defesa, de legítima expressão do pensamento, de informação; ameaça a dignidade da pessoa, de maneira física ou moral; institui um poder que, em princípio, torna muito difícil o diálogo autêntico entre governantes e governados e poderá levar muitos a uma perigosa clandestinidade” (SEDOC-10, 1969: 1333).

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Ante a descrição de uma sociedade paralisada pelo medo, que deve suceder ao AI-5, o sentido da colaboração, a que os bispos se propõem só se explica em função de manter abertos os canais diplomáticos com a ditadura. Assinam o documento três cardeais e dezenove arcebispos e bispos entre eles, Dom Jaime e Dom Hélder, Dom Sherer e Dom José Maria Pires, Dom Lucas e Dom Fernando, entre outros. Conservadores, moderados e progressistas: a alta hierarquia não ousa opor-se frontalmente à ditadura do AI-5. Sua moderação favorece o

Encontro Tripartite que reúne (21/02/69) representantes do clero, do empresariado e das Forças Armadas, onde se discute a “contribuição [dos três segmentos] para o fortalecimento da sociedade e do aperfeiçoamento da vida democrática” (REB, v. 29, 1969: 210).

Enquanto a alta hierarquia dialoga com empresários e militares, padre Antonio Alberto Soligo, foi preso (27/02/69) pelos órgãos de repressão, acusado de crime contra a Lei de Segurança Nacional. Com ele foram presos o padre Jan Honore Talpe, e o agente de pastoral Clemens August Friedrich Schrage, e outros militantes da Ação Popular – AP. O Relatório

Especial de Informações Nº 13 do IIº Exército/2ª seção acusa os três de coordenarem as

Células de Implantação Operária – CIO, em Osasco (SP), as quais têm como objetivo arregimentar operários para a AP: “para tal, os componentes da CIO empregam-se nas industrias como operários ou colocam nelas elementos seus, para estabelecer contato direto e promover a doutrinação” (DOPS/SP-30-Z-163: 72). Padre Antonio Soligo foi condenado a pena de 6 anos de prisão em 14 de outubro de 1970*. No documento Brasil: Tortura e Morte

de Presos Políticos (1970), ele descreve as torturas que sofreu desde a chegada ao quartel da 2ª Cia. de Polícia do Exército (SP):

“Fui torturado duas vezes, logo ao chegar ao Quartel do Ibirapuera e, uma semana depois, na ‘escolinha’, ex-cassino de oficiais transformado em câmara de torturas. Deixaram minhas mãos inchadas aplicando palmatórias, quase estouraram meus olhos ouvidos, fígado, rins a tapas, socos e pontapés. Nu, ora sentado numa cadeira, ora jogado no chão recebi choques elétricos nos pés e nas mãos, no pênis, no ânus, no escroto, durante mais de 4 horas, choques cada vez mais violentos à medida que molhavam todo meu corpo” (DOPS/SP-DIVERSOS: 17)

Depois de narrar às torturas que sofreu e dar o nome de seus torturadores, padre Antônio Soligo relata o que presenciou nos porões do regime:

“Violentaram uma mulher, mãe de família, na frente do próprio marido, enquanto ele era interrogado e torturado. Outra mulher grávida foi torturada até abortar, morrendo a criança e

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Inquérito contra Padre Soligo e outros militantes da AP: “(01/08/69) foi indiciado em inquérito Nº 6/69 instaurado por esta Divisão por crime contra a Segurança Nacional, indiciados no mesmo inquérito Jan Honore Talpe (expulso do país), Paulo José Durval da Silva Krischke, Ilda Kremer, Celerino de Almeida Carriconde, Carlos Gilberto Pereira, Cícero Luiz dos Santos e Josias da Silva Martins” (Ficha de Antonio Alberto Soligo: DOPS/SP 31/03/1980).

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ela mesma depois... Torturaram o advogado Antonio expedito Pereira, sua mulher, seu motorista, sua secretária e seus irmãos só porque encontraram em seu poder uma lista de presos que devia defender” (DOPS/SP-DIVERSOS:17).

Acusações vagas com base em trechos de cartas, de entrevistas, sermões, fotografias, podem levar um religioso ou leigo para um Tribunal Militar. É o que ocorre com o Padre Geraldo Vieira Bonfim, condenado em 16/05/1969 a um ano de prisão por um Tribunal Militar: “Padre Geraldo Bonfim insuflou o povo contra as Forças Armadas e atacou de modo específico os militares do vitorioso movimento revolucionário de 31 de março” (DOPS/SP- 50-Z-09: 10308). A condenação se deve a um sermão que o religioso pronuncia numa comunidade de pescadores quando teria afirmado que a grandeza do Brasil se deve mais a operários e camponeses do que às Forças Armadas. A frase foi interpretada como um ataque aos militares. Sobre o episódio o advogado de defesa do sacerdote se pronunciou:

“[Frei Geraldo Vieira Bonfim] foi perseguido por marinheiros encervejados, ainda paramentado, ao término dum ofício religioso, numa miserável vila de pescadores. Os marinheiros não tinham condições para captar a exatidão das palavras e as intenções do franciscano. Os marujos acusadores a despeito da luz elétrica dentro do tempo, não guardaram a fisionomia do frade, mas só às referências às classes militares” (REB, v. m32, 1972: 982).

Em protesto contra a prisão de Padre Geraldo Vieira Bonfim, Dom Raimundo de Castro e Silva decreta o fechamento das Igrejas da Arquidiocese de Fortaleza (CE) nos dias 24 e 25 de maio de 1969. É o tempo da Festa de Pentecostes no ritual litúrgico católico (SEDOC-2-1969: 59-62). Houve reação dos integristas da Tradição Família e Propriedade –TFP e os capelães militares celebraram as missas. Contra o reacionarismo e a repressão os setores progressistas da Igreja, no Nordeste, seguem na resistência à ditadura.

Para alem das prisões arbitrárias e torturas, o temor da morte passa a fazer parte da experiência libertadora dos setores progressistas. No dia 26 de maio de 1969 Padre Antonio Henrique Pereira Neto foi assassinado pelo Comando de Caça aos Comunistas – CCC, grupo paramilitar de extrema direita que atua em conjunto com os órgãos de repressão do regime. A sigla, segundo um dos seus comandantes, João Marcos Flaquer nasceu por gozação: “começamos a usar a sigla ‘CCC’ imitando a camiseta da seleção de futebol soviética que tinha as letras CCCP” (apud GIRON, 1993:4). Segundo Flaquer, um grande aliado do CCC e o ministro Gama e Silva, além de oficiais militares que facilitam o treinamento paramilitar do grupo pelo Exército e pela FAB. Elementos do grupo extremista atuam nos órgãos de

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repressão como a OBAN, e inclusive no SNI (Jornal do Brasil, 31/08/80) *.

O auge das ações do CCC em São Paulo foi entre 68/69 quando comete uma série de ataques a pessoas e instituições tidos como esquerdistas. A mais ruidosa dessas ações foi contra o Teatro Ruth Escobar que encenava a peça Roda Viva com texto de Chico Buarque e direção de José Celso Martinez Corrêa. A peça teatral era subversiva, pois, segundo o Informe nº

165/68 do II º Exército/2º Seção, ela coloca a sociedade brasileira como subserviente,

dependente e controlada pelos Estados Unidos; mostra o povo faminto, alienado e subjugado pela força, e “moralmente fere em profundidade os valores éticos e morais, não só da família, mas mesmo da sociedade” (DOPS/SP-50-Z-9: 4897). Os argumentos da repressão são os mesmos utilizados pelo CCC para invadir o teatro, depredá-lo e agredir os atores. Em julho de 1969 destroem o monumento ao poeta espanhol Garcia Lorca (1898/1936) no Jardim América (SP). No manifesto Ao Povo Brasileiro o CCC afirma: “Não podemos permitir um monumento que glorifica um poeta homossexual e comunista’ (JT, 28/07/69).

O CCC não ataca somente em São Paulo. No final de 1968 o grupo de extrema direita atua no nordeste promovendo seqüestro de estudantes em Aracajú (SE) e, no Recife (PE) ataca Dom Hélder e seus assessores, metralhando a fachada da sacristia que também serve de residência ao Arcebispo. Metralha e picha com slogan: “morte aos comunistas” (DOPS/SP-50-Z-694: 575). Os ataques do CCC acontecem em meio a intensa campanha da TFP contra a infiltração comunista no clero. O clima de ódio ideológico alcança o padre Antonio Henrique, coordenador da Pastoral da Juventude, que passa a receber ameaças de morte do CCC devido às suas posições contrárias “aos métodos de repressão utilizados pelo governo, tendo como destaque a missa que celebrou em memória do estudante Edson Luís de Lima Souto” (MIRANDA-TIBURCIO, 2008: 628). Uma Nota da Arquidiocese comunica o bárbaro

trucidamento do jovem sacerdote, no dia 26 de maio de 1969:

“O que há de particularmente grave no presente crime, além dos requintes de perversidade de que se revestiu (a vítima, entre outras torturas, foi amarrada, arrastada e recebeu 3 tiros na

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Conexão Repressão e Extrema Direita

01 - SNI/ASP – Boletim Informativo Nº 261 (05/77/68): “SNI – O general Garrastazu Médici, chefe do SNI,

afirmou ontem, em Brasília que o indivíduo Raul Nogueira Lima, apontado por uma revista como um dos principais chefes do CCC, não pertence aos quadros do SNI” (FSP) in DOSSIE DEOPS/SP, DOC. Nº 124 (10/12/68).

02 - João Marcos Monteiro Flaquer (Entrevista). P. “Ninguém do CCC integrou OBAN? R. Teve um elemento, era

delegado e foi para o DOI-CPDI, foi para a OBAN, sendo depois assassinado no Rio de Janeiro covardemente: Octávio Gonçalves Moreira Júnior” (apud ARAUJO, Eugênio, 1988:03).

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cabeça) é a certeza prática de que o atentado brutal se prende a uma série preestabelecida e objeto de ameaças e avisos” (SEDOC-2, 19698: 143).

A Nota se refere às ameaças escritas, as pichações anti-comunistas, as ameaças telefônicas anunciando as vítimas, entre elas o estudante e presidente da UNE/PE Cândido Pinto de Melo que, metralhado, fica paralítico, e os ataques à residência de Dom Hélder. Numa referência indireta aos métodos nazistas, a Nota se refere ao assassinato de Padre Henrique como o

holocausto. Dom Hélder exige que as autoridades investiguem o CCC: “é de vital importância chegar até a raiz dos crimes para evitar que novas vítimas caiam nas mãos do Ku-Klux-Klan nacional, versão política dos Esquadrões da Morte” (OESP, 06/26/1969: 5). Da morte do Pe. Henrique tomam conhecimento o papa Paulo VI, o Núncio Apostólico, o CELAM, bispos e cardeais do Brasil e do exterior, leigos e instituições católicas (REB. v. 29, 1969: 750).

A resposta ao brutal assassinato foi dada no dia mesmo do enterro do Padre Henrique. A pedido dos jovens Dom Hélder aceita que o cortejo fúnebre seja feito a pé. Milhares de pessoas acompanham o corpo do sacerdote com faixas pretas e cantando hinos religiosos, o Hino Nacional e o de Pernambuco. A repressão também se fez presente: um pelotão de choque da polícia cerca o cortejo. Dom Hélder abre um corredor entre os soldados para que o cortejo prossiga. A multidão já percorrera quatro quilômetros, mas ainda assim exige que os sete quilômetros restantes também sejam percorridos a pé. Mais soldados no caminho. O comandante recua, os soldados perfilam, retiram os capacetes e ficam em posição de sentido. As 15h30min horas do dia 27 de maio de 1969 Padre Henrique foi enterrado. “Não houve discursos: apenas um minuto de silêncio” (SAMPAIO, 1969: 140).

A repressão, que evita o confronto com a multidão durante o cortejo, provavelmente temendo a sua repercussão, vai agir depois. Segundo depoimento de Izaíras Pereira da Silva, mãe do padre Henrique, a polícia política esteve na sua casa logo após o sepultamento do filho:

“Ao chegarmos em casa, após o sepultamento, levaram preso o meu marido José Henrique para que ele identificasse num álbum de fotografias os comunistas que freqüentavam a nossa casa [...] e, como ele dizia que não sabia, foi também torturado e às 11 da noite, quando chegou em casa, estava vomitando sangue e não conseguiu recuperar-se: depois de várias hemorragias, também faleceu” (apud Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, 2009: 139).

Segundo Izaíras Pereira, ela também sofre ameaças até a prescrição do crime. A conexão da polícia política com a extrema direita explica as dificuldades que cercam a sua apuração. Em

carta ao gal. Médici, Izaíras pede que se esclareça a morte do filho barbaramente

assassinado: fala das “várias investigações pela metade”, de acusações segundo as quais “o padre foi seqüestrado e morto por policiais”, do envolvimento do CCC, e do “desinteresse de

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policiais em apurar o possível culpa dos extremistas de direita” (VEJA Nº 89, 1970: 28). O Tribunal de Justiça de Pernambuco acusa pelo seqüestro, torturas e morte de Padre Henrique o delegado Bartolomeu Gibson, o investigador Cícero Albuquerque, o tenente José Ferreira dos Anjos, o informante Rogério Matos, o estudante Pedro Jorge Bezerra Leite, alem de José Caldas Tavares e Michel Maurice Ochi (apud Comissão de Familiares, 2009: 140). A ficha de

Padre Henrique no DOPS/SP, ao se referir ao assassinato informa que o sacerdote “apresentava sinais de algemas nos pulsos” (DOPS/SP-29/05/79).

O informante da polícia Rogério Matos é descrito como “toxicômano, campeão de boxe e de jiu-jitsu, filho de tradicional família do Recife, vivendo atualmente com sua amante, Elisabete numa casa pobre e sem moveis. Rogério tem contra ele um processo de estupro” (DOPS-50- Z-694: 565). O também toxicômano Pedro Jorge freqüenta a boate Drácula que ostenta na porta de entrada a frase: “O ingresso custa um litro de sangue” (OESP 12/09/69, p. 07). Para o

Comitê de Denúncia a la Repression en Brasil, com a colaboração da Frente Brasileira de

Informações de Santiago (Chile), “um dos principais torturadores do padre Antonio Henrique, o agente do DOPS Rogério Matos, teve de ser morto pelos policiais do DOPS e do IV Exército, por temor de que ele revelasse todas as tramas do crime” (DOPS/SP-50-E-04: 46). Um ano depois do assassinato a Arquidiocese de Olinda e Recife distribui Nota onde reafirma a necessidade de se apontar não só os executores, mas principalmente os autores intelectuais do crime. A nota chama a atenção para as tentativas de desmoralizar as denúncias feitas pela Arquidiocese, bem como o fato da polícia querer encaminhar o caso como crime passional, o que o inquérito oficial desmente. Também foi desprezada a linha de investigação, que “se não permite concluir ligação e causalidade” ao menos exige exames cuidadosos: a pregação da TFP e o surgimento do CCC na cidade atacando edifícios que são pichados e metralhados, inclusive a residência de Dom Hélder, o atentado contra o presidente da UNE/PE Cândido Pinto de Almeida, e por fim, o assassinato do Padre Henrique. (SEDOC-2, 1970:1580).

Na sua busca por justiça Izaíras Pereira envia cartas aos generais presidentes. Primeiro foi Médici, depois Ernesto Geisel, quando ela vê uma grande oportunidade para o crime ser resolvido (DOPS/SP-20-K-135: 264). Infrutíferas tentativas, pois, o mistério sobre os autores intelectuais do crime permanece, e explica o destino dos personagens, citados e acusados pela justiça. Apesar de sua luta, para que se faça a justiça, Izaíras não tem esperanças. Os criminosos são promovidos, enquanto que “o delegado Tércio Soares de Aquino, que tentou reabrir o processo sobre a morte do meu filho, em 1975, foi morto misteriosamente em um

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acidente”, afirma a mãe do Padre Henrique (apud DECKES, 1985: 42). As perseguições não cessam com a morte de seu marido José Henrique. Sua casa foi invadida várias vezes, e os irmãos de Padre Henrique presos e demitidos dos seus serviços.

Dez anos depois, numa homília em memória de padre Henrique, Dom Hélder lembra os momentos de tensão com os dois cercos policiais, e o temor de uma repressão no final do enterro, vencidos com o religioso silêncio: “silêncio que gritava mais que os mais fortes brados”. Ao final, adverte que o assassinato, passados dez anos, “continua e continuará envolvido em mistério, fácil de entender” (SEDOC-11, 1979: 1358). Em editorial o Diário de

Pernambuco (29/05/79) também recorda os dez anos da morte do sacerdote para concluir que “padre Henrique ficará como um símbolo de um período vergonhoso e cruel” (SEDOC-11, 1979: 1356). Para o pensador Enrique Dussel, Padre Henrique é um mártir dos tempos atuais, torturado e morto pela sua fé: “Este sacerdote é um mártir como os grandes mártires do império romano” (DUSSEL, 1984: 86). Seu nome também aparece no panfleto Por uma

Independência de Verdade (15/09/70) do Movimento Revolucionário Tiradentes, Ação Libertadora Nacional e Vanguarda Popular Revolucionária:

“Tiradentes foi morto e esquartejado porque lutou pela independência do Brasil. Hoje as forças armadas, instruídas pelos americanos, torturam e matam os que lutam pelo povo e pela verdadeira independência do Brasil, como o operário Olavo Hansen, o estudante Edson Luís, o padre Henrique Pereira, o sargento Manoel Raimundo Soares, o patriota Carlos Marighella” (DOPS/SP-30-Z-160: 7251).

A morte de Padre Henrique, as prisões e torturas de padres e leigos não são suficientes para impedir que a alta cúpula da CNBB encontre-se com o mal. Costa e Silva. Em 16/07/1969 os cinco* cardeais brasileiros se reúnem com o presidente na biblioteca do Palácio do Planalto. Foram ciceroneados pelo general linha dura Jaime Portela, chefe da Casa Militar. Ao final do encontro um avião da presidência foi colocado a disposição dos cardeais. A opção pela conciliação diplomática, em meio às denuncias contra a violação dos direitos humanos, se explica, como um arranjo de elites, no caso a eclesiástica e a militar, que têm “poder, riqueza, educação avançada e status” (SERBIN, 2001: 222). Foi publicada uma Nota:

“Motivados pelo bem da pátria e da Igreja, os cardeais brasileiros tiveram um encontro amistoso com o Senhor Presidente da República, para tratar dos problemas que interessam a todo o povo brasileiro, como revisão da Constituição, reforma agrária, educação, reabertura do Congresso e relações entre a Igreja e o Estado no Brasil. Reinou o clima de grande cordialidade durante toda a reunião e acreditamos que tenha sido altamente construtivo” (REB, v.29, 1969: 713).

* Cinco Cardeais Brasileiros: Dom Carlos C. Motta, Dom Jaime de B. Câmara, Dom Agnelo Rossi, Dom Vicente

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Ignorando os sinais de distensão diplomática entre a alta hierarquia e o regime, a linha dura