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da paisagem amável que acabou de ser percorrida: C’est du veritable soleil em bouteille !

No documento Rio Frio.doc (páginas 153-157)

(António Batalha Reis , Roteiro do Vinho Português, 1945)

A herdade de Rio Frio integrou-se nas dinâmicas territoriais da margem esquerda do Tejo no âmbito da sua integração e relação com a área metropolitana de Lisboa. Território vasto é inicialmente uma área de lazer da coroa sendo os terrenos apenas agricultados nas suas franjas. Com o apoio da tecnologia com a crescente importância das vias de comunicação no século XVIII, o território cresce. Nele se constroem estradas por onde as pessoas e bens acedem ao Estuário do Tejo, tornando-o num espaço de ligação entre as terras do Sul e a Grande Cidade.

Com a mobilização da tecnologia na agricultura, o território inicia a sua integração nas dinâmicas produtivas da modernidade. Acompanhando as vicissitudes da posse da terra pela nobreza, senhora de vastos domínios senhoriais acumulados no tráfico do Atlântico e do Índico, cai durante o século XIX nas malhas da banca, que através de hipotecas leva o território à pose de Ferreira Braga e sua esposa. Será de José Maria dos Santos, casado com a riquíssima viúva, e rico comerciante e financeiro da praça lisboeta e que inicia, em Rio Frio, uma bem sucedida experiencia de modernização agrícola.

Com José Maria dos Santos Rio Frio torna-se no modelo da tão desejada modernização da agricultura portuguesa. Por esse motivo, rio Frio torna-se uma espécie de mito da lavoura das terras do Sul. Em plena época das campanhas de colonização do Alentejo torna-se no exemplo vivido. Foi modelo para Oliveira Martins, foi modelo para o modelo da fixação de colonos; foi um modelo para a organização da empresa agrícola. É mesmo muito provável que a empresa agrícola, em colaboração com o seu amigo Abel Pereira da Fonseca, tenham sido os responsáveis pelo costume de consumo de vinho de pasto na cidade de Lisboa.

É essa imagem de empresário, de fortes cabedais e de geniosa iniciativa que chega aos dias de hoje. Nas memórias dos escritos económicos da época, nas memórias sociais dos caramelos que acolheu e tantos benefícios concedeu; esses mesmos caramelos que, para espanto de tantos Lisboetas, vieram das terras de Palma, das lezírias do Tejo para o acompanharam, num ensolarado dia de Junho, até ao cemitério dos Prazeres em Lisboa. Deixou uma das mais bem organizadas fortunas do seu tempo. Fortuna essa que os seus herdeiros foram correspondendo até aos anos 60, momento em que as dinâmicas da região se começam a alterar inexoravelmente e que conduzem ao agonizante fim da sua especialização agrícola, sem que à época os senhores da terra se tenham conseguido reconverter.

Deste modo, os tempos de rio frio podem ser divididos sinteticamente em 4 fases:

Um primeiro tempo de conquista das terras ao Tejo e à Charneca, operada com Jàcome Ratton e seus herdeiros; onde são aplicadas algumas tecnologias agrícolas, sem uma continuidade na inovação Um segundo tempo, com a aquisição de Ferreira Braga e com a

transformação operada por José Maria dos Santos; que transforma a herdade de rio frio numa Casa Agrícola modelo. Esta operação tem como significado a transformação duma fortuna duma herdada, de base essencialmente financeira e imobiliária, para uma base essencialmente produtiva;

Um terceiro momento, desenvolvido pelos seus herdeiros, entre 1913 e 1961, conduzida por António, Samuel Santos Jorge e José Samuel Lupi, em função das leituras do mercado do seu tempo, que corresponde á “Casa Agrícola Santos Jorge”. É um periodo onde se vai ajustando o modelo de produção, introduzindo alteração de cultura e inovação de forma equilibrada. Podemos afirmar que se tratou duma gestão contida, equilibrada, voltada para o rendimento. Finalmente um quarto momento, a partir de meados da década de

sessenta, com o impasse na agricultura portuguesa, por falta de incentivos, crédito; e que coincide com um momento de partilhas por herança, o conjunto da “Casa Agrícola” entra em decomposição. José Lupi, face à nova situação toma um conjunto de decisões que aceleram a desagregação do território. A separação entre as Herdades da Barroca d’ Alva e de Rio Frio quebrou os elementos de complementaridade que favorece por sua vez novas desagregações. Rio Frio perde a sua dinâmica agrícola e busca um novo modelo de especialização no âmbito da dinâmica territorial da área metropolitana de Lisboa.

Os dois primeiros períodos constituem períodos excepcionais. São iniciativas arrojadas. Quer Jàcome Ratton, quer José Maria dos Santos são empreendedores. José Maria dos Santos é reconhecido pela sua capacidade de gestão, de organização e liderança. Numa primeira fase faz investimentos avultados em terras, transforma-as em terrenos agrícolas e organiza a sua produção em função mercado. Homem bem relacionado com os principais agrónomos do tempo, influente em termos políticos económicos, utiliza a informação disponível em proveito dos seus negócios. As suas posições no seio da RACAP são discretas. Apoia os seus conterrâneos nas várias pressões políticas, não só movido por interesses pessoais, mas porque está convicto de que essa é a melhor solução para os problemas agrícolas. E essa convicção é retirada da experiencia. Por isso a sua memória perdurou.

O terceiro período teve igualmente os seus méritos. Se olharmos para esses tempos, verificamos que os dois protagonistas utilizaram os avanços científicos que se estavam a desenvolver nesse tempo aplicados à agricultura. Ousaram inovar para melhorar a produtividade dos seus

recursos. Os dois protagonistas distinguem-se pela sua capacidade de gestão. Pelo equilíbrio e descrição. Pela sua posição foram empresários bem relacionados com o poder do seu tempo. Não ousaram avançar mais dos que os que antecederam porque o principal estava feito. Souberam introduzir alterações nos processos de produção, investiram quando o mercado assim o aconselhava. Teria sido possível ir mais longe num país que se fechou sobre si mesmo em busca da auto-suficiência quando eles próprios representavam essa modelo? Ficaram fora da segunda revolução verde, da especialização produtiva. Não temos elementos para ir mais longe. Quanto a alteração do perfil de especialização da Herdade, ainda é cedo para avaliar as suas dinâmicas e o valor dos seus protagonistas.

Ficará a memória de Rio Frio e dos seus protagonistas perdida nesse processo, ou haverá oportunidade para a alocar como elementos de valorização do território?

Terão os novos senhores de Rio Frio o génio e a sabedoria dum José Maria dos Santos, ou a habilidade e equilíbrio de gestão de Santos Jorge e José Lupi para utilizar essa memória como ferramenta de futuro? Este é o desafio do presente!

“Nasce uva na ramada

No documento Rio Frio.doc (páginas 153-157)