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Palácios e respectivo recheio: a vida material e social

D. Francisco de Sousa

8. Palácios e respectivo recheio: a vida material e social

Referir as propriedades que a Casa Palmela possuía é falar também dos espaços que habitava. Uma das características desta família é a sua grande mobilidade, decorrente, é certo, das missões diplomáticas do primeiro Duque ou dos exílios políticos a que se viu obrigado. Mas não só.

Efectivamente, se exceptuarmos os períodos em que residiu no estrangeiro, verificamos que as moradas que habitou em Lisboa foram variadas, muitas delas não correspondendo aos palácios de que a família foi possuidora ao longo dos tempos. De facto, em 1810, D. Pedro morava na freguesia de S. Pedro de Alcântara647, a mesma freguesia onde morava em 1813, mais propriamente na Rua Direita do Calvário648, no palácio onde residiam seu cunhado e irmã, os Condes de Alva.

Entre 1821 e 1824, o Duque e a sua família habitaram na freguesia de S. Bartolomeu, sempre em moradas diferentes: Rua de D. Vasco, em 1821649; Sítio da Boa

Hora em 1823650 e Pátio do Calhariz, em 1824,651 locais inclusive muito próximos entre

si. Em 1834 habitavam no Largo das Chagas652, enquanto entre 1839 e 1840, se

encontravam na Rua Formosa, na freguesia de Nossa Senhora dos Mártires653. Nesta

última data efectuaram a compra, nos arredores de Lisboa, da Quinta e Palácio do Lumiar, pertença do então falecido Marquês de Angeja, D. José Xavier de Noronha Camões de Albuquerque654.

A partir de 1843 a residência da Casa Palmela acaba por se fixar no antigo Palácio adquirido pelo Conde da Póvoa em 1822, na Rua Direita da Fábrica das Sedas,

647 Cf. Certidão de Casamento, Instituto Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, Arquivo Casa Palmela,

Microfilme 5677, Caixa 121, fol. 13.

648 Cf. Certidão de Baptismo, IANTT, ACP, Microfilme 5577 A, Caixa 34, fol. 368

649 Cf. Certidão de Baptismo, IANTT, ACP, Microfilme 5577 A, Caixa 34, fol. 411.

650 Cf. Certidão de Baptismo, IANTT, ACP, Microfilme 5577 A, Caixa 34, fol. 443.

651 Cf. Certidão de Baptismo, IANTT, ACP, Microfilme 5577 A, Caixa 34, fol. 467.

652 Cf. Instrumento de doação, IAN/TT, ACP, Microfilme 5645, Caixa 92, fol. 902.

653 Cf. Almanak estatístico de Lisboa em 1839, Lisboa, Tipografia do Gratis, s.d., p. 187, Certidão de

Baptismo, IANTT, ACP, Microfilme 5677, Caixa 121, fol. 165.

ao Largo do Rato655, embora passando algumas temporadas no palácio do Lumiar, no palácio do Calhariz de Sesimbra, em 1846656, ou em Belém, quando em 1859 arrendam

o Palácio do Marquês de Loulé, denominado Quinta da Praia657.

Fora de Lisboa não deixemos de referir o Palácio de Sintra, ou Quinta de S. Sebastião, pertencentes à Casa Póvoa, e o Palácio Palmela em Cascais, construído sobre o antigo Forte da Conceição, que fora adquirido em hasta pública em 1868658, tendo-se iniciado a edificação do palácio em 1873.

Obviamente que a posse de tantas residências implicava a existência de um extenso recheio, referente não apenas a mobiliário, como a todo o tipo de utensílios de cozinha, alimentação, higiene e, claro, a decoração. No estrangeiro, a tendência seria para a venda da mobília após a estadia, uma vez que as casas eram arrendadas, como podemos perceber pela carta que D. Alexandre, filho primogénito de D. Pedro, lhe escreveu em 22 de Março de 1830: “ (…) A venda dos trastes deve ter lugar, como já disse a V. Eª nos 3 último dias deste mês, o catálogo dos trastes e dos livros creio que já está quase acabado; os únicos quartos que ficam com móveis são aquele em que V. Eª fumava e aquele em que eu durmo; estes trastes quando se acabar o aluguer da casa tenho tenção de os vender, excepto alguns que a mamã deseja guardar (…).”659. Aliás, a escolha da distribuição das divisões da casa cabia ao casal, tarefa essa que D. Eugénia por vezes deixava a seu marido, a contragosto dele, como podemos observar numa carta de 15 de Abril de 1839, dirigida àquela: “(…) Sinto muitos sentimentos que me não queiras dar as tuas ideias a respeito de distribuição dos quartos, tendo-o eu pedido com tanta instância. Que satisfação poderás tu ter em desaprovar qualquer arranjo que eu fizer (pois todos hão-de ser maus e provisórios enquanto se não arranjarem os quartos de cima) em lugar de tomar para ti uma parte da responsabilidade? (…)”660.

Relativamente às diversas residências da Casa Palmela, a existência de

655 Cf. PORTUGAL, M. A. F., Almanak estatístico de Lisboa em 1843, Lisboa, Tipografia do Gratis,

s.d., p. 9; Almanak estatístico de Lisboa em 1848, Lisboa, Tipografia do Gratis, s.d., p. 5, Certidão de

falecimento, IANTT, ACP, Microfilme 5677, Caixa 121, fol. 29.

656 Cf. Pedido de licença de posse do Santíssimo Sacramento, IAN/TT, ACP, Microfilme 5694, Caixa

134, fol. 767.

657 Cf. Escritura de arrendamento, IAN/TT, ACP, Microfilme 5574, Caixa 31, fol. 58.

658 Cf. Propriedades adquiridas em Cascais, IAN/TT, ACP, Microfilme 5753, Caixa 173, fol. 765

659 Correspondência particular, IAN/TT, ACP, Microfilme 5744, Caixa 169, fol. 1123

inventários, muitas das vezes elaborados pelos encarregados das respectivas moradas, permite compreender de que forma o espaço estava organizado e a forma de estar desta família.

Detenhamo-nos na descrição do Palácio do Rato, datada de 1844 e 1845661, uma

vez que, para além da mais pormenorizada, é aquela que acabou por se tornar a residência oficial da Casa Palmela na capital. Antes de mais, é preciso especificar os diversos espaços que a compõem. Distinguem-se, desde logo, três tipos fundamentais: os espaços de manutenção, relacionados com o funcionamento da casa, que são a cozinha, a casa das luzes, onde se armazenam candeeiros e outro tipo de luzeiros, para além de alguns outros trastes, as arrecadações, a copa e os apartamentos dos criados e outros serviçais, como o guarda-livros e o capelão. Os espaços comuns, como a casa de jantar, as restantes salas (azul e amarela) e a capela; Finalmente, o espaço privado, composto pelos quartos de dormir e os respectivos quartos adjacentes: escritórios, toucadores ou quartos de vestir.

Dentro desta última categoria, é possível efectuar uma outra divisão e diz respeito às pessoas que habitavam nesta altura o Palácio: os Duques de Palmela, e dois dos seus filhos: os Marqueses do Faial, e os Condes de Terena662. A cada casal estava destinado um espaço privado diferente.

Relativamente aos espaços comuns, a sala de jantar, destinada às refeições, continha mobiliário de arrecadação de louças, como aparadores e armários. Possuía 3 mesas, todas extensíveis, sendo que uma delas permitia 60 lugares sentados. Aliás, a sala de jantar possuía 89 cadeiras, a que se somavam 3 para crianças663.

A Sala Amarela destinava-se certamente ao lazer, contendo quatro mesas de jogo, um banca também de jogo e um piano de madeira de pau-santo. Acrescentavam-se trinta e nove cadeiras e um sofá, para além de outros móveis e objectos decorativos664.

A Sala Azul parecia estar destinada a um uso mais privado, apesar da existência de dois tremós, móvel de aparato sem grande utilidade. Além dos 2 sofás e das 36 cadeiras, apenas encontramos uma banca de jogo. O piano da Sala Amarela aqui dá

661 Cf. Inventário Geral no Palácio do Rato, IAN/TT, ACP, Microfilme 5676, Caixa 120, fols. 283-

332.

662 A residência habitual dos Condes de Terena era no Porto, no Palácio da Torre da Marca e cabeça

do morgado.

663 Cf. Inventário Geral no Palácio do Rato, IAN/TT, ACP, Microfilme 5676, Caixa 120, fol. 283.