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O estudo e a edição do texto Uma alegre canção feita de azul de Yumara Rodrigues, bem como a investigação do processo criativo e arquivístico de sua obra, permitiu compreender que nos caminhos das Letras há um universo diverso de significações que perpassam não somente pelo estudo biográfico, mas também pelo do discurso autobiográfico, conforme declarado pela própria autora/atriz.

Estudar o texto teatral censurado privilegia o filólogo (ou aspirante a tal) com a possibilidade de, nas palavras de Said (2007), “enquanto humanista contemporâneo”, cultivar

[...] essa percepção de mundos múltiplos e tradições completas que interagem umas com as outras [...] A tarefa do humanista não é apenas ocupar uma posição ou lugar, nem simplesmente pertencer a algum local, mas antes estar ao mesmo tempo por dentro e por fora das ideias e valores circulantes que estão em debate na nossa sociedade, na sociedade de alguma outra pessoa ou na sociedade do outro.” (SAID, 2007, p.101).

Tal humanista contemporâneo compreende a importância de se propor modelos editoriais que contemplem novas demandas, de modo a se levar em consideração a complexidade do texto e sua tradição, concebendo-se, portanto, a figura do filólogo contemporâneo que, além de editor/ leitor, é também um autor. Entende-se também que este labor filológico também não se encerra na prática editorial.

Verifica-se que, desde os seus primórdios, a filologia (do grego, amor as letras) carrega em sua alcunha a dificuldade em delimitá-la ou defini-la enquanto área do saber. Com o advento do pós-estruturalismo, cujas ideias têm regido práticas atuais, essa necessidade de definição perde força e, deveras, o apagamento entre as fronteiras disciplinares das ciências humanas acaba por fazer com que a o gesto filológico se posicione de forma persistente contra os empenhos narrativos, políticos e estéticos de dominação.

Procurou-se, aqui, trilhar os caminhos deste tipo de fazer filológico. Além de ter sido apresentada uma proposta de edição interpretativa para o texto eleito, Uma Alegre Canção Feita

de Azul, buscou-se fazer algumas leituras filológicas através dos cortes e do material censório.

Delineou-se como o feminino e suas potencialidades se circunscrevem na peça, além de apresentar sua autora, Yumara Rodrigues, e algumas implicações teóricas sobre o autobiográfico em seu monólogo.

É sabido que a cortina oculta o palco e, numa separação deste com a plateia, assim como a moldura de uma quadro separa duas realidades, não deixa que, por algum momento, o

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espectador perceba o cenário e suas nuances. Espera-se aqui que, mesmo às vezes entreaberta, não se permitam que ela venha a fechar. “Da cortina que é aberta”, título que compõe este trabalho, não poderia ser aqui usado em um movimento oposto, sugerindo, pois que a cortina ainda não se fechou, pois há ainda diversidade na obra de Yumara Rodrigues, diversos palcos interpretativos que deverão ser explorados no âmbito das Letras.

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