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2 MOBILIDADE URBANA E EXTERNALIDADES

2.3 PANORAMA DA MOBILIDADE URBANA NO BRASIL

O Brasil é um país marcado por profundas desigualdades e por uma enorme diversidade socioespacial. Essas marcas podem ser evidenciadas em todas as escalas, entre as diversas regiões do país, entre os 27 Estados da federação, entre cada um dos 5.561 municípios e, inclusive de forma intensa, internamente a cada um desses entes federados que representam o poder local (BRASIL, 2004).

Em sua maioria, as cidades brasileiras se estruturaram e se desenvolveram para acolher e abrigar o veículo particular promovendo a melhor condição possível para que este modo se espalhasse pela cidade. Este modelo claramente rodoviarista, trouxe e ainda traz diversos problemas para a mobilidade urbana nos grandes centros.

Os problemas criados, reflexo deste modelo rodoviarista, surgiram a partir de 1920. Nesta década, através dos Estados Unidos, maior produtor mundial de veículos automotores, foram oferecidos financiamentos para a abertura de estradas, consolidado com a criação do DNER (Departamento de Estradas de Rodagem), em 1937 (TRANSPORTE EM FOCO, 2005).

Figura 6: Veículos em São Paulo, 1930

Fonte: Transporte em Foco, 2005.

A grande transformação na mobilidade das pessoas nas cidades brasileiras começou a ocorrer na década de 1950, quando o processo intenso de urbanização se associou ao aumento do uso de veículos motorizados, tanto os automóveis quanto os ônibus, resultado de uma política de Estado que priorizou o investimento na indústria automobilística. Uma descrição significativa desta transformação pode ser vista por meio do exemplo do Rio de Janeiro. O Gráfico 1 mostra as características das viagens realizadas pela população desta cidade em dois momentos distintos, 1950 e 2005.

Gráfico 1: Distribuição das viagens urbanas na cidade do Rio de Janeiro

Fonte: IPEA, 2011.

Observa-se a avassaladora dominação das viagens pelo veículo automotor, visto como símbolo de virilidade, poder, status econômico e social. Apesar das viagens entre ônibus e automóveis serem praticamente iguais (1.525 e 1.641, respectivamente), a capacidade de transporte de passageiros do ônibus é muito superior. Já o Gráfico 2 traz um reflexo de como era a mobilidade das cidades brasileiras no ano de 1977, evidenciando que, neste ano, as viagens realizadas com o uso do automóvel eram inferiores às viagens realizadas com ônibus.

Gráfico 2: Mobilidade nas áreas metropolitanas do Brasil (1977)

Fonte: IPEA, 2011.

O modelo adotado à época fez com que a matriz de transportes (de carga) do Brasil fosse praticamente composta em sua totalidade por automóveis. Através da Figura 7 é possível observar que de cada 100 viagens de transportes de carga no Brasil, quase 66 delas são realizadas através de rodovias.

Apesar de se tratar de transporte de cargas, a consequência no transporte de pessoas foi imediata. E não poderia ser muito diferente já que praticamente todos os investimentos realizados naquela época foram em rodovias.

Figura 7: Matriz de Transportes de Carga Brasileira

Fonte: ILOS, 2014 apud Eurostat, 20101.

O que acontece desde então, é que o número de automóveis continua crescendo de forma assustadora, mais rápido até que o crescimento da própria população, saturando as vias e provocando os indesejáveis congestionamentos. O Gráfico 3 traz o resultado do modelo rodoviarista mostrando o elevado crescimento nas viagens por transporte individual.

Gráfico 3: Mobilidade nas áreas metropolitanas do Brasil – 2005

Fonte: IPEA, 2011.

Nos últimos anos, o Brasil adotou diversas soluções e tentativas de soluções para a melhoria da mobilidade urbana de suas grandes cidades. Algumas das soluções que foram implantadas recentemente é o sistema de Bus Rapid Transit (BRT), adotado, por exemplo, em Curitiba, Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte, o sistema de Monotrilhos de Cuiabá e São Paulo e os próprios sistemas de metrôs de São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e outras cidades. Alternativas mais baratas também foram uma opção utilizada, como, por exemplo, a criação dos sistemas BRS – Bus Rapid Service, a implantação de serviços com bicicletários, implantação de ciclovias e ciclofaixas, alterações na sinalização, programação de semáforos e instalação de baterias, dentre outros.

Apesar das medidas implantadas em algumas das principais cidades brasileiras, muito ainda precisa ser feito, principalmente no que se refere a mudar a mentalidade e a forma das pessoas de verem o problema, muitos sequer percebem a gravidade da situação.

Trata-se de problema bastante complexo e que, por muitas décadas foi difícil de ser aceito pelos órgãos e tomadores de decisões do país. É preciso entender que construir novas vias, por exemplo, apenas estimula mais veículos a utilizá-las e que mesmo se utilizando das melhores práticas da engenharia de transportes, de tráfego, de planejamento urbano, melhores práticas de gestão de projetos, as infraestruturas e os veículos têm um limite operacional.

No Brasil, na maioria de suas capitais, esse limite operacional se encontra praticamente esgotado e os congestionamentos se tornaram um problema crônico. O resultado é que o transporte no país vem se tornando cada dia mais ineficiente e antieconômico.

Em 2016, utilizando uma base de dados coletada em 2015, a empresa TomTom divulgou uma pesquisa que mostrava as cidades com maior acréscimo de tempo de viagem, isto é, as cidades com maiores índices de congestionamento do mundo. Foram pesquisadas 295 cidades e das dez primeiras, o Brasil possui 3 cidades: Rio de Janeiro (4º lugar), Salvador (7º lugar) e Recife (8º lugar) (TOMTOM, 2016) .

Em 2014, o jornal O Globo divulgou, em seu website, um infográfico mostrando o tempo de deslocamento nas regiões metropolitanas do Brasil, com dados obtidos a partir das pesquisas domiciliares realizadas pelo IBGE. Os resultados mostraram que, em algumas metrópoles, o tempo de deslocamento de 1992 a 2013 aumentou em 50% e, em média, aumentou 30%. Isso significa que as pessoas passaram a gastar mais 30% do seu tempo em congestionamentos, sejam elas dentro de seus carros ou utilizando o transporte público (O GLOBO, 2016).

O impacto causado pelo elevado tempo de deslocamento cria um ciclo vicioso de insatisfação nos passageiros, principalmente com o transporte púbico por ônibus (que normalmente compartilha o leito viário com os carros) e faz com que a eficiência geral deste tipo de transporte caia, além de criar diversas externalidades como poluição e acidentes.

O veredito ao qual se pode chegar com relação a mobilidade das grandes cidades brasileiras é que, se o pensamento rodoviarista permanecer, teremos cidades imóveis num futuro bem próximo com uma geração cada vez maior de externalidades para a população.

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