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PARTE I – MAPEAMENTO DAS PERSEGUIÇÕES SOFRIDAS PELOS FÍSICOS

CAPÍTULO 1 UM PANORAMA NACIONAL

UM PANORAMA NACIONAL

Cai João Goulart e sobem, consecutivamente, cinco Generais Presidentes, alternando-se no poder por um longo período de Ditadura Militar, a mais extensa da nossa história. Ninguém imaginava que o 31 de março de 1964 duraria tanto. Nem mesmo a burguesia nacional, constituída de médios, grandes empresários e grandes comerciantes,

muitos dos quais apoiaram o Golpe Militar, apavorados com o "perigo vermelho" que,

segundo acreditavam, rondava as fábricas, os quartéis e a zona rural do País. De fato, as camadas populares ganhavam impulso, especialmente a partir de janeiro de 1963, quando, por meio de um plebiscito, João Goulart conseguiu, com ampla maioria, derrubar o sistema parlamentarista que lhe fora imposto em decorrência da renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Longe de ser comunista, Goulart era herdeiro do "populismo" de Getúlio Vargas, um "jeito de fazer política" que se firmava em dois pilares fundamentais, o "nacionalismo e o trabalhismo". As reivindicações de trabalhadores urbanos e rurais tomaram fôlego a partir

da criação do Comando Geral dos Trabalhadores e das Ligas Camponesas.1 O medo das

"Reformas de Base" de João Goulart tornava o clima cada vez mais tenso entre os militares

e as elites sócio-econômicas do País.2 Neste mesmo janeiro de 1963, quando o

1

Em 1964, existiam 2.181 Ligas Camponesas espalhadas em cerca de 20 Estados, ver ProjetoBrasil: nunca mais, p. 57 e 58.

2 Numa circular do Chefe do Estado Maior do Exército, o então Marechal Castelo Branco, de 20 de março de 1964, portanto, 11 dias antes do Golpe, dirigida aos demais militares do Estado Maior do Exército e às organizações subordinadas, declara que: "... São evidentes duas ameaças: o advento de uma Constituinte como caminho para consecução das reformas de base e o desencadeamento em maior escala de agitações generalizadas do ilegal poder da CGT. As Forças Armadas são invocadas em apoio a tais propósitos", ver Humberto de Alencar CASTELO BRANCO et al., A Revolução de 31 de Março: 2o. aniversário. Colaboração do Exército, p. 17 e 18.

presidencialismo é restaurado e Goulart passa a lutar pela aceleração das suas "Reformas de Base", o Exército brasileiro se manifestava:

“Nunca em nossa história, a Pátria brasileira se encontrou em tão graves circunstâncias e por isso mesmo tão necessitada da concretização deste ideal do soldado brasileiro (...) As embaixadas de Cuba, e da União Soviética e satélites (...), estão no comando de uma revolução que acabará por mergulhar em sangue a nossa terra. (...) Cada militar se deve sentir pessoalmente chamado a esta cruzada de salvação nacional. Esta é a honra que honra verdadeiramente a farda de um soldado: lutar pela Pátria. (...).3

As raízes da mentalidade anticomunista que alimentava o medo de "bolchevização"4

do País, não só por parte dos militares, mas das elites empresariais brasileiras e grandes

proprietários rurais são mais facilmente identificadas, se nos remetermos ao final da Segunda Guerra Mundial, a partir de quando o mundo se divide entre os blocos capitalista e socialista, liderados pelos Estados Unidos e pela União Soviética, que se lançam em uma corrida pelo controle territorial, político e ideológico em nível global. O Brasil entra na Guerra em 1942, ao lado dos Estados Unidos, e ao término da Segunda Guerra encontrava-se plenamente alinhado ao bloco dos países capitalistas. Muitos dos oficiais do Exército brasileiro que participaram da Guerra, ao retornarem, foram responsáveis, quatro anos mais tarde, pela criação da Escola Superior de Guerra em 1949 e, posteriormente,

3 Esse trecho é referente a um manifesto do Exército denominado Às Gloriosas Forças Armadas do Brasil, escrito em janeiro de 1963. Em nota, o documento revela que "... No momento oportuno serão dados a conhecer os nomes dos signatários deste documento" e que, dentre os muitos signatários que assinaram, os três primeiros foram o antigo Auditor de Guerra; o engenheiro Victor Figueiras de Freitas e o professor Almeida Barbosa, ibid., p. 5

4

Essa expressão esta inserida no Preâmbulo do ATO Institucional, de 9 de abril de 1964, Diário Oficial da União.

estiveram metidos na conspiração que levaria ao Golpe de 1964. O mais importante desses conspiradores foi o general Humberto de Alencar Castelo Branco, integrado à Força Expedicionária Brasileira que combateu os países do "Eixo", ao lado do Quinto Exército norte-americano na Itália, de 1944 a 1945. A ESG foi responsável pela criação e difusão da Doutrina de Segurança Nacional (DSN), que tinha como alguns dos seus principais fundamentos a idéia da ameaça constante por parte dos países comunistas e a idéia da internalização do conceito de Segurança Nacional, onde defendiam a tese de que havia uma: "Infiltração do movimento comunista internacional em todas as áreas, setores e

instituições sociais, numa ação que caracteriza uma agressão interna".5 Sob a inspiração

da DSN, a cúpula do Estado Maior do Exército lançou-se na conspiração que levou o movimento militar de 31 de março à vitória.

O primeiro dos militares a assumir a presidência da República foi o líder da

conspiração que depôs João Goulart, o "esguiano" e chefe do Estado Maior, Marechal

Humberto de Alencar Castelo Branco, que chegara ao poder prometendo devolvê-lo ao

povo através das eleições que se realizariam em 31 de janeiro de 1966,6 no entanto, a sua

estadia, mais a dos generais que o sucederam, estendeu-se mais do que duas décadas.

Os militares brasileiros desencadearam uma "caça as bruxas", um verdadeiro

"arrastão" nas universidades, nos sindicatos, nos partidos de esquerda e em entidades estudantis. Logo nas primeiras semanas de abril, muitos políticos, professores, estudantes, cientistas, artistas foram presos, detidos e submetidos aos inquéritos policiais militares, os

5

Eliézer R. de OLIVEIRA, As Forças Armadas:política e ideologia no Brasil(1964 – 1969), p. 23.

6

Em discurso proferido no Palácio da Alvorada, em 15 de abril de 1964, no momento de sua posse como Presidência da República, Castelo Branco afirma que: "Meu procedimento será o de um chefe de Estado sem tergiversações, no processo para a eleição de um brasileiro a quem entregarei o cargo a 31 de janeiro de 1966 (...)", ver Humberto de Alencar CASTELO BRANCO et al., A Revolução de 31 de Março: 2º aniversário. Colaboração do Exército, p. 31.

chamados IPMs.7 Alguns por estarem envolvidos com a militância política, outros simplesmente por serem considerados ''suspeitos'' pelo regime. Milhares de pessoas foram presas em uma ação que se denominou "Operação Limpeza", sendo, em especial, mais violenta no Nordeste brasileiro, devido à presença de grandes líderes políticos, tais como o governador de Pernambuco Miguel Arraes e importantes intelectuais brasileiros, como o então superintendente da SUDENE Celso Furtado e o educador e especialista em

alfabetização Paulo Freire, e líderes comunistas como Gregório Bezerra, dentre outros.8

A ideologia anticomunista podia ser notada, inclusive, no discurso de posse de Castelo Branco, onde ele afirmava: "... Caminharemos para a frente com a segurança de que o remédio para os malefícios da extrema esquerda não será o nascimento de uma direita

reacionária, mas o das reformas que se fizerem necessárias(...)".9 Infelizmente, Castelo

Branco errou e, logo nos primeiros dias após o Golpe, os resultados não negavam o aparecimento de um regime militar de direita, cuja face era extremamente reacionária. O

então jornalista Márcio Moreira Alves, do Correio da Manhã, viajou pelo nordeste para

fazer uma matéria sobre as denúncias de tortura e verificou que pelo menos 39 pessoas sofreram torturas, nas quais pelo menos dez oficiais das Forças Armadas se envolveram

mais diretamente.10 Somente nos primeiros sessenta dias, o governo militar de Castelo

Branco cassou e/ou suspendeu direitos políticos de pelo menos 441.11 Nas primeiras

semanas após o Golpe Militar, cerca de 5 mil pessoas foram presas e, entre 1964 e 1966, 2

7

De acordo com as pesquisas feitas pelo Projeto Brasil Nunca Mais,entre1964 e 1966, aproximadamente 200 IPMs foram abertos, gerando 2.127 processos, ver ProjetoBrasil: nunca mais,p. 85.

8

Thomas SKIDMORE, Brasil: de Castelo a Tancredo, p. 56.

9

Humberto de Alencar CASTELO BRANCO et al., A Revolução de 31 de Março: 2o.aniversário. Colaboração do Exército,p. 33.

10

Márcio Moreira ALVES, Torturas e Torturados, p. 64.

11

mil funcionários públicos foram demitidos ou aposentados compulsoriamente. Só nas

Forças Armadas, 421 oficiais passaram para a reserva compulsoriamente.12

O Ato Institucional de 9 de abril inaugura as cassações políticas. A lista do dia seguinte, baseando-se no artigo 10 do Ato Institucional, cassou, por dez anos, os direitos políticos de nada mais, nada menos, do que 100 cidadãos. O "cabeça " da lista foi o líder comunista Luiz Carlos Prestes, seguido pelo presidente João Goulart, pelo também ex-presidente Jânio Quadros, e o então governador de Pernambuco Miguel Arraes. Além deles, estavam também importantes intelectuais como Darci Ribeiro, Celso Furtado e Josué de Castro.

O mês de abril de 1964 começa mal para muitos. Das milhares de prisões que foram efetuadas nos primeiros dias do golpe de abril, algumas perduraram por dias, semanas e meses. As "caças", as cassações, os expurgos e as torturas começaram dias antes dos militares assumirem oficialmente o poder, antes mesmo da posse do general Castelo Branco, eleito presidente da República pelo Congresso Nacional, por 361 votos, contra 72

abstenções e 5 votos para outros militares, em 11 de abril.13 Nos cárceres, as torturas se

tornaram cotidianas nos interrogatórios, e passaram a ser a principal forma de se "arrancar confissões". Pelo menos, 23 pessoas foram mortas e duas estão entre os desaparecidos.

Morreram dois estudantes secundaristas em manifestações de rua no dia 1o de abril, em

Recife, e pelo menos um comerciante de Belo Horizonte e um portuário, no Rio de Janeiro, morreram em decorrência das torturas sofridas. Pelo menos, três militares foram mortos. Um deles foi o coronel da Aeronáutica, fuzilado no dia 4 de abril, e o outro um sargento do

12

Elio GASPARI, A Ditadura Envergonhada,p. 130 e 131.

13

A promulgação do Ato Institucional que permitiu as cassações foi em 9 de abril, seguida, no dia 10, da lista com os 100 nomes. A posse de Castelo Branco foi no dia 15 de abril de 1964. Para o resultado da votação de Castelo Branco, ver Thomas SKIDMORE, Brasil: de Castelo a Tancredo, p. 50.

Exército, que morreu no dia 13 desse mesmo mês em circunstâncias misteriosas, pois fora atirado ou se jogou do oitavo andar de um edifício no Rio de Janeiro. No dia seguinte outro sargento do Exército fora assassinado em São Leopoldo. Dentre os mortos no exílio, está a economista Terezinha Viana, que saiu do País em 1964, após um interrogatório em 15 de agosto, no Rio de Janeiro, e o economista e ex-combatente da FEB, Dilermano Mello,

morreu após um interrogatório, no próprio prédio do Ministério da Justiça.14 Pelo menos

um operário morreu, em agosto de1964, de infarto ao ser ameaçado de prisão em São Paulo.15

As perseguições políticas realizadas pela ditadura militar foram um reflexo do contexto da Guerra Fria. Os militares que tomaram o poder em 1964, sustentavam idéias desenvolvidas pela ESG, segundo as diretrizes do National War College dos Estados Unidos. A doutrina ensinada na ESG desde a revolução cubana, em 1959, consistia na teoria da “guerra interna”, segundo a qual:

14

A economista Terezinha Viana cometeu suicídio, em Amsterdã, na Holanda, em 1978, ver Branca ELOYSA(Org.) I Seminário do Grupo Tortura Nunca Mais: depoimentos e debates, p. 148. A lista de

Mortos e Desaparecidos traz a informação de que Dilermano era advogado e que, após um interrogatório, ele se suicidara, em 4 de agosto de 1964. O site do grupo Tortura Nunca Mais traz novas informações sobre o seu caso. A primeira é a de que ele era formado em economia e não em direito. A segunda é de que a versão apresentada pela polícia, de que ele havia se jogado do 4o andar do Ministério da Justiça do Rio, foi contestada pela família que defende a hipótese de que ele foi assassinado. O laudo pericial concluiu: "(...) que ele foi induzido a saltar da janela do 4o andar, logo após interrogatório dirigido pelo Capitão de Mar e Guerra Correia Pinto. O laudo, elaborado pelo perito Cosme Sá Antunes, revela que não houve nenhum elemento que pudesse fundamentar o suicídio (...).", ver o site: http://www.torturanuncamais-rj.org.br/M_D.asp. Acesso em: 11 de jul. 2004.

15

Na lista de Mortos e Desaparecidos do grupo Tortura Nunca Mais consta que 25 pessoas foram atingidas em 1964. Foram considerados desaparecidos os camponeses João Alfredo, membro das Ligas Camponesas, em 29 de agosto, e Pedro Inácio de Araújo, em 7 de setembro de 1964, ambos do Estado da Paraíba. Os estudantes secundaristas mortos em manifestações de rua, em Recife, no dia 1o de abril, foram Ivan Rocha Aguiar e Jonas José Albuquerque Barros. Os mortos sob tortura foram o portuário Astrogildo Pascoal Vianna, morto em 14 de abril, no Rio de Janeiro, e o comerciante Carlos Schirner, morto em Belo Horizonte, em 5 de maio de 1964. Os militares mortos foram o coronel da Aeronáutica Alfeu de Alcântara Monteiro, o 3o sargento do Exército Edu Barreto Leite jogado -ou não- do oitavo andar de um edifício no Rio de Janeiro, e 2o sargento do Exército Bernardino Saraiva assassinado, em 14 de abril de 1964. O operário morto, em agosto de

“(...) a principal ameaça vinha não da intervenção externa, mas dos sindicatos trabalhistas de esquerda, dos intelectuais, das organizações de trabalhadores rurais, do clero, e dos estudantes e professores universitários. Todas essas categorias representavam uma séria ameaça para o país e por isso teriam que ser todas elas neutralizadas ou extirpadas através de ações decisivas (...)”.16

E assim foi feito. Uma verdadeira devassa nos meios intelectuais, nas universidades, nos sindicatos, nas escolas, nos campos e nas cidades. De fato, tais categorias foram

neutralizadas e extirpadas e, em nome da "Segurança Nacional",17 a democracia se foi.

1.1- O "Terrorismo Cultural"

O clima de “terror cultural” pelo qual passou o país a partir de 1964, deixou marcas por todos os lados. Os que pensavam, os intelectuais de maneira geral, sofreram as consequências. Universidades foram invadidas e ocupadas, professores e alunos presos, editoras saqueadas, livros apreendidos, bibliotecas destruídas. O país foi mergulhado em

um contexto de verdadeira ‘’guerra à cultura’’.18

No dia 1o de abril, na primeira amanhã, a sede da União Nacional dos Estudantes,

localizada na praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, foi ocupada, saqueada e incendiada pelo Comando de Caça aos Comunistas, numa clara demonstração de força por parte do regime que se implantava contra os chamados "inimigos internos". A UNE era considerada

1964, ao ser ameaçado de prisão, foi João Aparecido. Para todos os demais casos, ver Branca ELOYSA(Org.)

I Seminário do Grupo Tortura Nunca Mais: depoimentos e debates, p. 148.

16

Thomas SKIDMORE, Brasil: de Castelo a Tancredo, p. 22.

17

Do dia 1o de abril de 1964 ao dia 15 de março de 1967, "os crimes contra o Estado e a ordem política e social" eram enquadrados na Lei Nº 1.802 de 1953, ver Antonio E. de MORAES FILHO, Um Atentado à Liberdade: Lei de Segurança Nacional, p. 11.

18

um destes inimigos e pagou um alto preço por isso. Restou aos estudantes a clandestinidade, conjuntamente com os partidos de esquerda perseguidos e postos na

ilegalidade. Muitos de seus líderes foram presos e alguns chegaram a ser torturados.19

Em maio, o presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia, da Universidade do Brasil, o estudante Sérgio Dias Campos publicou um manifesto no

Correio da Manhã, onde declarou que aquele DA tinha sido dissolvido e que o clima nas universidades brasileiras estava tenso devido às intervenções militares. Afirmava ao

Correio da Manhã que:

"Universidades fechadas ou sob intervenção militar, bibliotecas "expurgadas", soldados e "tiras" nas salas de aula, alunos e professores presos (...) A Universidade que expulsa alunos e os permita presos (9 expulsos e 2 presos na FAFI) devido às suas convicções filosóficas e políticas é Universidade que começa a morrer !".20

O clima de insegurança nas Universidades brasileiras, devido aos expurgos, demissões e invasões, fazia do mundo acadêmico mais um alvo a ser extirpado pelos

19

Desde a sua fundação em 1937, a UNE foi um símbolo de agregação e organização dos estudantes em torno de grandes questões nacionais, não só relacionadas ao ensino, mas aquelas especificamente de cunho político, tais como a luta pela democratização e contra as ditaduras, a solidariedade às lutas operárias e a defesa dos Direitos Humanos. Em decorrência da crise que se abateu sobre o País a partir da renúncia de Jânio Quadros, a UNE chegou a transferir a sua sede do Rio de Janeiro para Porto Alegre, com o intuito de unir forças pela defesa da legalidade constitucional, liderada pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. No período anterior ao golpe militar de 1964, a UNE desempenhou um importante papel na defesa das Reformas de Base e do nacionalismo que impulsionavam o governo de João Goulart, ver ProjetoBrasil: nunca mais,p. 131 e 132. Castelo Branco pressionou o Congresso ao longo do ano até que em novembro de 1964, a UNE foi extinta através de uma lei que criava uma nova estrutura de associações estudantis, proibidas de se envolverem em atividades políticas, a LEI nº 4464, de novembro de 1964, logo apelidada de lei "Suplicy de Lacerda" – então ministro da Educação e Cultura – ver Thomas KIDMORE, Brasil: de Castelo a Tancredo,

p. 151.

20

militares que assumiram o poder. Na Faculdade de Rio Claro, interior de São Paulo, nove professores foram demitidos, sete foram presos e a professora Maria Edite do Amaral Carbogine foi obrigada a sair da cidade para não ser presa. Ainda no Estado de São Paulo, na Faculdade de Filosofia de Marília, foram demitidos dois professores, dentre eles o teólogo Ubaldo Martini Puppi. Na Faculdade de Filosofia de Assis, o professor Onozor da Fonseca foi preso e a biblioteca foi invadida. Foram apreendidos vários livros de professores daquela Faculdade. Em Araraquara, o professor Fausto Castilho saiu da cidade fugindo da polícia.21

Ao final daquele maio sombrio, mais uma invasão, desta vez a vítima foi a biblioteca da Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil. Numa também sombria tarde, dois policiais examinaram os livros que estavam sendo lidos pelos alunos, recomendando, ao sair, o máximo de cuidado com "o que se lia", em seguida, entregou à

bibliotecária uma lista de livros expurgados.22

O movimento militar que se impôs em 64 procurou exercer o controle rigoroso sobre as idéias, e uma das melhores maneiras encontradas por ele foi o controle das universidades. Esse controle se deu de inúmeras formas, desde a prisão de professores e alunos, à invasão de universidades, até a deposição de reitores e diretores. Na UMG, enquanto o coronel-interventor conduzia um IPM, as bibliotecas das Faculdades sofriam com os expurgos, especialmente aquelas ligadas às Ciências Sociais. Houve assim a invasão das salas de professores, de onde foram apreendidos como "material subversivo" várias obras de Economia Política e Filosofia de autores como Marx e Engels, bem como

21

Ibid., p. 279.

22

revistas vindas de países socialistas. Como se não bastasse, o interventor da UMG suspendeu 16 alunos da Faculdade de Filosofia. Na Universidade Rural, o interventor militar foi o comandante da guarnição de Paracambi, coronel Carneiro de Mendonça que reuniu os professores e alunos da Universidade Rural às 11 horas da manhã do dia 16 de junho, para anunciar a expulsão do estudante Domingos de Castro que cursava o primeiro

ano da Escola Nacional de Agronomia.23 Em Brasília, as intervenções na Unb tiveram

início em abril, marcando definitivamente os rumos dessa universidade. As reações a essas violências foram as mais variadas possíveis. Mediante a tantas prisões e violações dos direitos de qualquer cidadão, restou aos cientistas o protesto.

Em meados de julho de 1964, cerca de 600 cientistas se reuniram em Ribeirão Preto, na 16ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), protestando contra o clima de instabilidade nas universidades e nos institutos de pesquisa. Lançaram apelo às autoridades para: "(...) amparar os trabalhos de pesquisa e cátedra e a fazerem cessar o clima de arbitrariedades que ameaça o esforço de muitos anos (...) pedia que fossem liberados todos os professores universitários, ainda mantidos sob custódia, sem culpa formada ou demitidos sem qualquer julgamento, a fim de que possam retornar às suas

atividades ...".24 Pesquisadores e professores universitários manifestaram-se contra as

perseguições feitas pelos militares nas universidades e nos Institutos de pesquisa. Enquanto

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