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Papéis psicodramáticos representados nos jogos simbólicos

7. RESULTADOS E DISCUSSÃO

7.1. Jogos desenvolvidos na área do brinquedo dramático livre

7.1.2. Papéis psicodramáticos representados nos jogos simbólicos

Quando realizamos as observações dos jogos desenvolvidos no LDH e LDI, observamos que os meninos e as meninas brincavam juntos, compartilhavam brinquedos. Como afirma Finco (2004):

A escola de educação infantil pode, portanto, ser um lugar privilegiado, um espaço para a diversidade de experiências, onde meninos e meninas encontram um ambiente diferente da sua casa. Um espaço próprio para que meninos e meninas tenham a possibilidade de encontrar brinquedos diversificados, não determinados para cada sexo, cujo acesso não ofereça restrições; um espaço planejado intencionalmente, para que os brinquedos sejam usados por meninos e meninas, indiscriminadamente, proporcionando experiências que muitas vezes as crianças não possuem em casa (FINCO, 2004, p. 85).

Para entendermos melhor os papéis representados pelas crianças, buscamos respaldo na teoria do psicodrama, desenvolvida por Moreno. Wechsler (2002) enfatiza que, ao analisar a conduta do indivíduo, precisamos compreender o processo de construção da identidade socioafetivo-cognitiva do indivíduo, o qual é formado por aspectos afetivos e cognitivos. Ela destaca que a criança ao nascer, logo no primeiro dia, já estabelece uma relação com a mãe ou com a pessoa responsável e, posteriormente, vão sendo estabelecidas relações com outras pessoas. Essas relações ajudam a criança no reconhecimento de si e do outro e possibilitam ao indivíduo colocar-se no lugar do outro. Moreno denomina esse processo de cunhagem da identidade psicossocial como “matriz de identidade”, o que engloba a matriz sociocultural da família. Segundo Wechsler (2002), Moreno privilegiou em seus estudos a espontaneidade e a criatividade e, ao discutir essas características, salientou que:

É necessário encarar o momento como uma parte da história do próprio indivíduo, ou seja, como o representante dos moldes ou padrões de relações próprios do processo de cunhagem de identidade psicossocial do indivíduo (WECHSLER, 2002, p. 16).

Moreno ressalta que a matriz de identidade passa por várias fases ao longo do desenvolvimento do sujeito. Como estamos estudando crianças que estão numa fase caracterizada pela representação, iremos nos deter às explicações referentes a esse período. De acordo com a teoria do psicodrama, as crianças que participaram da pesquisa estavam no início da fase denominada “matriz da brecha” entre fantasia e

realidade. No início dessa fase ocorre o surgimento dos papéis psicodramáticos. Ocorre também, nesse mesmo momento, uma diferenciação entre tele32 para objetos e pessoas reais e tele para objetos e pessoas imaginários. Nessa fase, conhecida como brecha entre fantasia e realidade, o fator espontaneidade33 passa por modificações. Por algum tempo, a inteligência, a memória e as forças sociais são subordinadas ao fator espontaneidade, e ao longo do desenvolvimento infantil essa situação se inverte e o fator espontaneidade fica cada vez mais subordinado, submetendo-se aos poderosos estereótipos sociais e culturais que dominam o ser humano (MORENO apud WECHSLER, 2002, p. 42).

Os papéis imaginários expressam, assim, o fator espontaneidade e, ao mesmo tempo, permitem que o fator tele seja atualizado. Acredita-se que, à medida que o fator espontaneidade vai sendo substituído pelos estereótipos sociais e culturais, ocorre também uma subordinação do fator tele, uma vez que a espontaneidade é a base do fator tele. Wechsler (2002) enfatiza que parece que o desenvolvimento “leva o fator tele, na condição de tele atualizada pelos papéis imaginários e sociais, a uma subordinação ao preestabelecido culturalmente” (WECHSLER, 2002, p. 42).

Além desses aspectos, para problematizarmos os papéis representados por meninos e meninas as afirmações de Vaitsman (1994) auxiliam, mostrando que as relações vêm se tornando mais flexíveis e plurais devido às transformações de um padrão institucionalizado de divisão sexual do trabalho, de relações de gênero, de casamento e de família. Essas afirmações nos levam a pensar que o fato de o menino brincar com boneca e a menina brincar com carrinho não seja explicado somente pelo fator espontaneidade, mas também pelas mudanças que estamos vivendo.

Quando a área do brinquedo dramático estava livre, os principais papéis representados pelas crianças estavam relacionados com os papéis familiares, como mãe, pai, filha, filho, tia, avó, irmã, prima, sobrinha e mulher grávida. As crianças também representaram papéis relacionados com os personagens das mídias, como Ursinho Pooh, Batman, Mulher-Gato, e animais como cachorro, gato, tigre e outros como ladrão, espírito e anjo, cliente do restaurante, cozinheira, dona do restaurante, bruxa, funcionária da pizzaria, garçonete e responsável pelas atividades domésticas, como mostrado no Quadro 4.

32

Fator tele: é definido como uma ligação que pode existir entre indivíduos e entre indivíduos e objetos. É responsável pelo movimento em direção a objetos e pessoas, formando o núcleo dos subseqüentes

padrões de atração-repulsa e das emoções especializadas (MORENO apud WECHSLER, 2002, p. 31). 33

Fator espontaneidade: é a capacidade de o indivíduo responder, de forma singular, às solicitações do meio, dando respostas a situações novas ou dando novas respostas às situações já estabelecidas.

Quadro 4 – Papéis representados pelas crianças na área do brinquedo dramático livre Tipos de papéis

representados

Papéis representados pelas meninas

Papéis representados pelos meninos Membros da família Mãe Filha Irmã Tia Avó Prima Sobrinha Mulher grávida Pai Filho

Personagens das mídias Mulher-gato Ursinho Pooh

Batman Animais Cachorro Gato Tigre Cachorro Gato Tigre Outros Espírito Anjo Bruxa Cliente do restaurante Cozinheira Dona do restaurante Funcionária da pizzaria Garçonete

Responsável pelas atividades domésticas

Ladrão Cliente do restaurante Responsável pelas atividades

domésticas

Fonte: Dados da pesquisa.

Observamos que a quantidade de papéis relacionados com os membros da família representados pelas meninas foi maior em relação à quantidade de papéis representados pelos meninos. Entretanto, os papéis relacionados com os personagens das mídias foram mais interpretados pelos meninos. Apesar de as crianças terem representado os mesmos animais, os meninos imitaram mais vezes animais. Esses dados reforçam a pesquisa realizada por Hislam (2006), na qual se verificou que os meninos representaram mais animais e ocasionalmente bebês. Hislam (2004) afirma que esses papéis parecem mais aceitáveis do que o papel de pai ou de qualquer outro membro da família. Ela acredita que “o canto da casinha” – em nosso estudo correspondendo a área do brinquedo dramático – por ser considerado como feminino pelas próprias crianças, inibe a participação dos meninos nos jogos de “faz de conta”. A pesquisadora acrescenta que, durante sua pesquisa, eles transformaram o “canto da casinha” em “delegacia de polícia”; essa troca teve efeito nos jogos desenvolvidos pelas crianças. “De modo muito

significativo, os meninos entraram no espaço lúdico e atuaram em vários papéis dentro dele” (HISLAM, 2004, p. 56).

Ao analisar os outros tipos de papéis representados, observamos que as meninas representaram uma variedade maior de papéis em relação aos meninos, o que já era esperado, uma vez que as meninas permaneceram um tempo maior desenvolvendo atividades na área do brinquedo dramático. Como estamos estudando os modelos de família representados pelas crianças, enfocamos os papéis relacionados com os membros da família.