• Nenhum resultado encontrado

1 O DIÁLOGO CRÍTICO-COLABORATIVO À LUZ DA TEORIA DA ATIVIDADE

1.3 O papel da colaboração no diálogo

Diversos autores têm discutido o individualismo na contemporaneidade. Lipovetsky (2005) observa que “temos por toda a parte a busca de uma identidade própria e já não da universalidade como motivo das ações sociais e individuais” (LIPOVETSKY, 2005, p. 10). Para o autor, o processo de personalização levou à construção contínua de desejos individuais efêmeros, e a uma supervalorização do indivíduo, em detrimento das relações com o outro. Assim, valores universais de progresso, a crença em um futuro melhor, típicos da modernidade dão lugar a uma era de vazio, em que desejos individualistas têm mais valor que desejos de classe, em que não há mais um desejo de construir um futuro, mas um enfraquecimento da vida coletiva.

Nessa mesma direção, Bauman (2004) aponta:

Vivemos em tempos de desregulamentação, de descentralização, de individualização, em que se assiste ao fim da Política com P maiúsculo e ao surgimento da "política da vida", ou seja, que assume que eu, você e todo o mundo deve encontrar soluções biográficas para problemas históricos, respostas individuais para problemas sociais. (BAUMAN, 2004, p. 308). Bauman (2001, 2004, 2013) ressalta que, na modernidade líquida, os laços comunitários dão lugar a conexões, que podem ser feitas ou desfeitas com apenas um clique. As relações de

interdependência e o senso de pertencimento à comunidade se enfraquecem, o que leva ao desengajamento e ao desinteresse em lutar por aquilo que é comum a todos nós. Encontramos soluções individuais para problemas sociais, e essas soluções não passam de ilusões provisórias e destinadas ao fracasso.

No entanto, percebemos também que, na sociedade contemporânea, com a explosão de redes, conexões e plataformas on-line, o acesso a uma diversidade de fontes e a diversos modos de pensar tem se intensificado cada vez mais. Apesar de uma crescente valorização do indivíduo, novas soluções para a resolução de problemas e novas formas de lidar com as transformações sociais têm sido alcançadas a partir do pensamento conjunto. Nas artes, nos contextos de trabalho, na ciência, é crescente a importância de se aprender a trabalhar de forma colaborativa (JOHN-STEINER, 2000).

Esse contexto social de individualização crescente se torna um problema nos contextos de ensino quando se parte da compreensão trazida por Vygotsky (1991) de que é através da relação com o outro que nos constituímos como sujeitos. Daí surge a questão: de que forma podemos dar lugar à construção de ambientes abertos ao entrelaçamento de vozes e à colaboração na sala de aula?

O conceito de colaboração está no cerne dos escritos de Vygotsky (1934). Para ele, é através da colaboração que nos tornamos quem somos, por estar ela no centro do processo de desenvolvimento. Em contextos educativos, Hashim e Jones (2007) apontam que:

A atividade colaborativa em grupo é a chave para promover a interação entre os estudantes na sala de aula. Através de um ambiente de aprendizado colaborativo, o aluno é encorajado a fazer perguntas, explicar e justificar opiniões, articular o raciocínio, elaborar e refletir sobre o conhecimento recebido8 (HASHIM; JONES, 2007, p. 15).

Magalhães (2010) corrobora a citação acima, ao compreender a colaboração como processo que

envolve uma intencionalidade em agir e falar para ouvir o outro e ser ouvido, revelar interesse e respeito às colocações feitas por todos, pedir e/ou responder a um participante para clarificar ou retomar algo do que foi dito, pedir esclarecimentos, aprofundar a discussão, relacionar práticas a questões teóricas, relacionar necessidades, ações-discursos, objetivos. Mas também envolve ações intencionais em pontuar contradições, nas colocações feitas

8 No original: “collaborative group activity is the key to promote student interaction in the classroom. Through a

collaborative learning environment the student is encourage asking questions (sic), explaining and justifying opinions, articulating reasoning, and elaborates and reflects upon the received knowledge.”

quanto a sentidos e significados historicamente produzidos, nos e entre os sistemas de Atividade. (MAGALHÃES, 2010, p. 29).

Magalhães (2014), apoiada por John-Steiner (2000), acrescenta ainda que colaborar envolve “um movimento dialético entre vozes sociais, sócio-históricas e culturalmente constituídas que [...] são responsáveis pela criação de contextos de ‘intensidade emocional’ e de uma ‘zona de ação desconfortável’” (MAGALHÃES, 2014, p. 25). Nos contextos de colaboração, os seres humanos “se constituem e se transformam constantemente e, do mesmo modo, criam e transformam seus contextos de ação” (MAGALHÃES, 2014, p. 25). Entende-se assim a colaboração como um processo de compreensão e transformação de si mesmo, do outro e do mundo.

Na mesma linha, Ninin (2013) entende a colaboração como um “processo interacional de criação compartilhada, mediado pela linguagem, que nasce de uma prática social de indivíduos em busca da reconstrução e reorganização de saberes em um dado contexto”. (NININ, 2013, p. 64). A autora destaca que para haver colaboração é necessário que o tópico em questão se torne relevante para todos os envolvidos. Nessa perspectiva, é fundamental que todos trabalhem para propiciar a possibilidade de pensar com o outro, em uma atividade pautada por princípios como responsividade, deliberação, alteridade, humildade e cuidado, mutualidade e interdependência.

Magalhães (2014) corrobora a perspectiva de Ninin (2013), ao apontar como elementos fundantes da colaboração o senso de compromisso, a responsabilidade, a mutualidade e interdependência produtiva, a confiança e o respeito entre os participantes, o compartilhamento de outras maneiras de pensar e a abertura para a possibilidade de fala.

John-Steiner (2000) frisa que

Em esforços colaborativos, aprendemos uns com os outros. Ao ensinar o que sabemos, nos engajamos em apropriação mútua. Em parcerias vemos a nós mesmos através dos olhos de outros, e através do suporte deles nós ousamos explorar novas partes de nós mesmos. Podemos viver melhor com falhas temporárias desde que confiemos nos pontos fortes dos nossos colegas. Ao nos aliarmos a outros, aceitamos seus dons de confiança, e através da interdependência, conquistamos competência e conexão. Juntos criamos

nossos futuros.9 (JOHN-STEINER, 2000, p. 20, grifo no original).

9 No original: “In collaborative endeavors we learn from each other. By teaching what we know, we engage in

mutual appropriation. In partnerships we see ourselves through the eyes of others, and through their support we dare to explore new parts of ourselves. We can live better with temporary failures as we rely on our partners’

Na perspectiva de Vygotsky (1991), é a partir da colaboração que nos tornamos quem somos. Para o autor, a colaboração está no centro do processo de desenvolvimento. Dentro do quadro da TASHC, Magalhães (2010) afirma que a colaboração é um processo que envolve uma intencionalidade em agir e falar para ouvir o outro e ser ouvido, revelar interesse e respeito às colocações feitas por todos, pedir e/ou responder a um participante para clarificar ou retomar algo do que foi dito, pedir esclarecimentos, aprofundar a discussão, relacionar práticas a questões teóricas, relacionar necessidades, ações-discursos, objetivos. Mas também envolve ações intencionais em pontuar contradições, nas colocações feitas quanto a sentidos e significados historicamente produzidos, nos e entre os sistemas de Atividade. (MAGALHÃES, 2010, p. 29).

Percebemos, assim, que a colaboração se configura como uma atividade de linguagem que parte do engajamento mútuo, da diferença para a criação de uma “zona de ação desconfortável” (MAGALHÃES, 2014, p. 25), que leva a um movimento dialético transformador das identidades e do agir humano. Como afirmam Araújo e Costa (2016), “o pensar com o outro é parte imprescindível do desenvolvimento cognitivo e motor da criatividade” (p. 236). Em outras palavras, poderíamos dizer que, através da colaboração, potencializam-se espaços para a criação de ZDP.

Entende-se, assim, que a colaboração crítica, exercida através da linguagem, sob a perspectiva de argumentar para compreender o ponto de vista do outro (LIBERALI, 2012), possibilita a construção de uma atmosfera favorável ao desenvolvimento humano, à compreensão e à transformação de si mesmo, do outro e do mundo (MAGALHÃES, 2014). Nesta investigação, veremos como algumas ações adotadas pelo professor-pesquisador durante os diálogos promoveram a construção desse tipo de atmosfera, de forma que os sujeitos se sentiram convidados não só a compartilhar seus pontos de vista em relação ao tema discutido, como também a desenvolver uma compreensão mais crítica sobre suas ações.

Ao se destacar o conflito e a colaboração como focais para o desenvolvimento do pensamento crítico, faz-se pertinente considerar com maior ênfase o ato de perguntar, pois é principalmente nesse ato que se instaura a atividade argumentativa, visto que este pode permitir

strengths. By joining with others we accept their gift of confidence, and through interdependence, we achieve competence and connection. Together we create our futures.”

abertura de espaço para exposição do contraditório, para o pensar crítico, além de convidar à participação. (NININ, 2013). Nos concentraremos, portanto nesse conceito na seção seguinte.