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4. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TURISMO LOCAL

4.1. O PAPEL DE R ODRIGO B ERQUÓ

De todos os que contribuíram para a transformação da vila termal num centro de turismo, merece destaque Rodrigo Berquó (1839-1896) que, enquanto administrador do Hospital (1888-1896) e presidente da Câmara (1890-1891), promoveu algumas iniciativas que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento das atividades turísticas que se verificaram nas décadas seguintes. O caso de Caldas da Rainha apresenta uma característica singular: o facto de as infraestruturas com mais relevo na dinâmica turística local estarem sob administração do Hospital. O programa de dinamização daqueles espaços estava, por isso, subordinado à criatividade e ao orçamento que o administrador e a sua equipa teriam para gerir.

Como vimos, a administração do Hospital aprovara, em 1884, um plano de reformas para modernizar o estabelecimento, plano que seria colocado em prática por Berquó a partir de 1888. Este administrador tornaria este plano mais abrangente, numa lógica de conjunto, incidindo sobre todo o complexo termal e estendendo-o a toda a vila. De forma a poder satisfazer algumas das suas ideias, Berquó concorreu, com sucesso, à presidência da Câmara Municipal, conseguindo, assim, administrar durante o ano de 1890 os dois centros do poder local. Fruto do processo de desenvolvimento que se vivia em Caldas da Rainha, o administrador terá encontrado ali o local ideal para colocar em prática as suas ideias, sem, no entanto, se livrar de críticas em vários momentos.

Nos oito anos em que trabalhou na vila, Berquó fez remodelações em todo o complexo gerido pelo Hospital (Hospital Termal, Casa da Convalescença, Mata, Passeio da Copa/Parque D. Carlos I, Clube de Recreio e Casa Real) modernizando-o, ampliando-o e tornando-o moderno e funcional, potenciando as virtudes características da época balnear local. Acrescentou ao complexo termal a Casa dos Administradores, para ali alojar os serviços administrativos do Hospital e o Hospital D. Carlos, não acabado e designado como Pavilhões do Parque (Figura n.º 4.1.). A viagem que efetuou a Vichy, em 1890251, terá contribuído para Berquó aprofundar conhecimento e aperfeiçoar algumas das suas

251 Mangorrinha, Jorge (1996), “Da Felgueira às Caldas da Rainha. A Arquitectura Termal”, em Jorge

Mangorrinha (Coord.) (1996), Rodrigo Berquó Cantagalo (1839-1896): arquitecto das termas, Caldas da Rainha, Centro Hospitalar das Caldas da Rainha, p. 56.

ideias, já que Vichy, numa escala substancialmente maior, era, por aquela altura, uma das mais emblemáticas estâncias termais no panorama europeu, contando, à semelhança de Caldas da Rainha, com a presença da aristocracia local, sendo um dos locais onde os hábitos, práticas e infraestruturas eram, à época, os mais sofisticados.

Figura n.º 4.1. Mapa de Caldas da Rainha com os locais do complexo termal com intervenção de Rodrigo Berquó252

Ao envolver toda a vila de Caldas da Rainha num plano urbanístico, Berquó impôs regras nas licenças de obra, na construção dos edifícios e abriu novas artérias. Numa época em que a higiene e saúde pública ditavam regras, promoveu várias medidas de combate à falta de salubridade e higiene da vila onde se destacam as construções, com projetos próprios, do Hospital Civil de Santo Isidoro e do Matadouro, bem como as redes de esgotos e abastecimento de água potável253. Ambicionou fazer

outras obras, mas, por questões financeiras ou por não conseguir reunir o apoio das elites locais, estas acabaram por não se realizar. Estavam neste lote equipamentos culturais como uma nova praça de

252 Imagem original retirada de Serra, João B. (1993), “Caldas da Rainha, 1887-1927: Expansão e Modernidade”,

em Luís Nuno Rodrigues, João B. Serra e Mário Tavares (Coords.) (1993), Terra de Águas: Caldas da Rainha,

História e Cultura, Caldas da Rainha, Câmara Municipal das Caldas da Rainha, p. 407, e editada por Ricardo

Hipólito de acordo com os objetivos pretendidos para o mapa.

253 Mangorrinha, Jorge (1996), “Da Felgueira às Caldas da Rainha. A Arquitectura Termal”, em Jorge

Mangorrinha (Coord.) (1996), Rodrigo Berquó Cantagalo (1839-1896): arquitecto das termas, Caldas da Rainha, Centro Hospitalar das Caldas da Rainha, pp. 52-70.

touros e um teatro. Todas estas medidas tinham como objetivo equiparar Caldas da Rainha às estâncias mais prestigiadas da Europa.

Berquó destacou-se ainda pelo seu lado solidário e filantropo, doando dinheiro ou adquirindo equipamentos para o Hospital e investindo na formação dos recursos humanos hospitalares, para o que criou uma escola. Noutra vertente, fruto da sua personalidade adepta da convivência e sociabilidade, contribuiu também para animar as elites locais, fazendo-se valer dos seus dotes de barítono, clarinetista e de ator, com os quais participava ativamente na animação local. Pontualmente, convidava amigos ilustres que ajudavam a enriquecer as festas da vila. Desta forma a sua atividade em solo caldense extravasou o âmbito exclusivamente profissional que o trouxe à vila.

O seu trabalho em Caldas da Rainha foi reconhecido pelo rei D. Carlos, que o agraciou com o Oficialato de S. Tiago em 1892 e, a propósito da inauguração do novo Hospital de Santo Isidoro, com a Comenda da Ordem de S. Tiago254. Todavia, Berquó encontrou sempre detratores e críticos do seu

trabalho. A sua determinação e convicção fizeram com que fosse criticado pela comunidade local, sobretudo a elite, sendo inclusivamente inúmeras vezes satirizado por Francisco Gomes Avelar e Rafael Bordalo Pinheiro, sobretudo pelo estado caótico em que se encontrava a vila aquando destas transformações.

Apesar das críticas e da obra inacabada, em virtude da sua morte, Berquó contribuiu com as suas ideias para tentar fazer das termas caldenses uma estância que pudesse ombrear com as suas congéneres estrangeiras mais prestigiadas. Resistiu, não sem dificuldade, a todas as pressões e críticas de que foi alvo e fez da vila um dos principais complexos termais nacionais, urbanisticamente ordenado e recreativamente rico e diversificado. O legado da sua obra nos anos seguintes foi sobretudo visível na afirmação do Parque D. Carlos I como principal polo dinamizador das atividades lúdicas e sociais da estância, já que a sua outra grande ambição e projeto – o Hospital D. Carlos – acabou por não se concretizar. Doente, Berquó acabaria por falecer em 1896, numa altura em que muitos dos seus projetos e ideias para a vila ainda não estavam terminados. Não havendo a possibilidade de avaliar o que seria a extensão total do plano por si idealizado é, no entanto, essencial interpretar o seu legado e a importância do mesmo para o turismo local.

Atendendo ao seu carácter ambicioso e à sua tenacidade, Berquó lançou importantes contributos urbanísticos e infraestruturais que guindariam o desenvolvimento turístico local daí em diante, podendo e devendo a sua obra ser por isso encarada como o primeiro grande contributo para o desenvolvimento das infraestruturas turísticas locais. Por ventura, muito do que a localidade veio a lucrar se deveu à sua intervenção, mesmo tendo em conta os avultados investimentos que foram necessários para realizar todas as intervenções. A afirmação social e turística de espaços como o Clube de Recreio e o Parque D. Carlos I, sobretudo este último, não teria sido possível sem as intervenções

254 Mangorrinha, Jorge (1996), “Da Felgueira às Caldas da Rainha. A Arquitectura Termal”, em Jorge

Mangorrinha (Coord.) (1996), Rodrigo Berquó Cantagalo (1839-1896): arquitecto das termas, Caldas da Rainha, Centro Hospitalar das Caldas da Rainha, p. 26

levadas a cabo por aquele administrador. Também a modernização do complexo hospitalar pretendeu valorizar o espaço e permitir a introdução de modernas e eficazes técnicas e práticas termais.

Lançadas as bases para uma evolução que se ambicionava há bastante tempo, a junção dos contributos de Berquó (1888-1896) com outras medidas suas contemporâneas, como a construção da Praça de Touros (1883), a instalação da Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha (1884), a chegada do comboio (1887), a abertura do Grand Hotel Lisbonense (1893), a construção do Teatro Pinheiro Chagas (1897) ou a fundação de várias associações e sociedades, com destaque para a Associação de Comércio e Indústria (1902), dotaram a vila de um conjunto de entidades e equipamentos com os quais se ambicionava dali em diante conseguir tirar o melhor partido turístico da vila. Perspetivava-se a criação de uma entidade que tomasse conta da gestão e da programação turística da vila.