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O papel dos direitos humanos na integração física, psíquica, jurídica e social do

O transexualismo hoje é um assunto bastante recorrente, inclusive ocupando páginas de revistas, programas de televisão e até mesmo capítulos de novela. Apesar disso, a transexualidade é ainda tratada com muito preconceito, pois “para a maioria, o transexual ainda é um ser estranho a tudo e a todos, quase como se não fosse humano, o que implica incontáveis desconfortos, levando-os, quase sempre, à margem da sociedade [...]” (SCHEIBE, 2008, p. 11). E mais, “todo e qualquer tema que esteja ligado à questão sexualidade é ainda cercada por inúmeros mitos e preconceitos que acabam por evitar que estes sejam discutidos no grande grupo” (STURZA e SCHORR, 2015). Se apenas falar no assunto ainda é um tabu, com a integração dos transexuais na sociedade o problema é ainda maior, pois ela não ocorre de forma efetiva dos. E é aí que está o problema, ela não ocorre. E quando ocorre, é marcada por diversos processos traumáticos para os transexuais e para aqueles que tentem realizá-la de forma efetiva.

Diante desse cenário de incertezas e traumas, é que se faz necessária e imprescindível a atuação dos direitos humanos de forma a suavizar as controvérsias e concretizar a integração dos transexuais, “até então socialmente escondidos e [...] excluídos” (SCHEIBE, 2008, p. 16). E essa integração deve se dar nos aspectos físico, psíquico, jurídico e social (o que será detalhado mais adiante), para que eles possam encontrar o espaço social de que tanto necessitam.

Mas, antes de entrar nesse assunto, é preciso superar algumas noções sobre sexo, com o objetivo de entender como se dá a identificação sexual de um indivíduo – no caso deste trabalho, dos transexuais – e as implicações daí decorrentes. Ao passo que, não se pode discutir que o sexo faz parte dimensão da pessoa, ou melhor, que ele pode explicar o que a pessoa é. Quanto à conceituação do que seja sexo, temos que

o conjunto de diferenças físicas entre um homem e uma mulher é fundamental, em princípio, para a compreensão e definição do sexo. Todavia, a compreensão de sexo não está limitada a uma definição tão simplificada [...] Transcende, assim, os limites estreitos da biologia, trazendo implicações psíquicas, notadamente no que respeita às atitudes dos indivíduos [...] O sexo não está adstrito a uma única referência, mas a vários “estados de coisas e eventos que concordamos em chamar de sexo” (grifo do autor), tais como o aparelho genital e as características femininas/masculinas desenvolvidas no decorrer da vida, mas, além disso, às sensações, sentimentos e condutas sentidas e experimentadas que, sem dúvida, ultrapassam a fronteira da biologia (SCHEIBE, 2008, p. 18).

Desta forma, é fácil concluir que não são os órgãos sexuais que definem a sexualidade de um indivíduo, mas sim um somatório de elementos que levam o indivíduo a se identificar como homem ou como mulher. Nesse sentido, quando uma pessoa se encontra em um sexo, mas deseja se enquadrar em outro, que melhor a defina, é que temos um conceito do que é ser transexual, que nada mais é do que esse desejo de readaptar sua identidade sexual. Talvez essa explicação fique um pouco mais clara após explicarmos que o sexo tem diferentes acepções – sexo biológico, sexo psíquico e o sexo civil, e como elas funcionam. Então, vamos aos conceitos.

O sexo biológico, conforme Scheibe (2008, p. 21-22),

é aquele que compreende as características corporais do indivíduo. Divide-se em: sexo genético, endócrino e morfológico [...] Sexo genético, subdividido em sexo cromossômico e sexo cromatínico [...] O sexo endócrino é formado pelo sexo gonadal e extragonadal.

é aquele definido com a união do cromossomo sexual “X” existente no óvulo e o cromossomo sexual “Y” ou “X” contido no espermatozóide. No primeiro caso, a junção dos cromossomos sexuais “X” e “Y” é de um indivíduo do sexo masculino e, no segundo, a constituição genética “XX” é de um indivíduo do sexo feminino. O sexo gonádico ou gonadal é aquele que determina o sexo do indivíduo através de suas glândulas sexuais. A glândula feminina diz respeito aos ovários e a masculina, aos testículos e são destinadas a produzir hormônio. O sexo morfológico diz respeito à forma ou aparência de uma pessoa no seu aspecto genital. O indivíduo do sexo masculino possui como caracteres primários da sexualidade, o pênis, o escroto e os testículos, enquanto que o indivíduo do sexo feminino possui a vagina, o útero, as trompas e os ovários.

De outro lado, o sexo psíquico ou psicossocial é aquele que diz respeito

à reação psicológica do indivíduo frente a determinados estímulos. É aquele em que o indivíduo, realmente, acredita pertencer, sendo resultante do intercâmbio genético, fisiológico e psicológico que se formou dentro de uma determinada atmosfera sociocultural (CARDOSO, 2015).

Por fim, tem-se o sexo legal, civil ou jurídico, conforme Cardoso (2015), como

aquele que consta na certidão de nascimento do indivíduo, que é feita no Cartório de Registro Civil das Pessoas Físicas. Ele consiste na determinação do sexo de um indivíduo em razão de sua vida civil, ou seja, nas suas relações na sociedade.

Entender a diferença entre as diversas acepções sobre sexo é importante para este estudo, no sentido de que se possa compreender como deve ocorrer a integração efetiva dos transexuais. De forma que com eles fica clara a distinção entre as definições do sexo, pois os transexuais são sujeitos que possuem um sexo biológico que não se enquadra com seu sexo psíquico, e que, diante disso, pretendem uma adaptação, optando pela cirurgia de redesignação sexual, e principalmente quanto a seu sexo jurídico, mediante a alteração de seus documentos ou através da obtenção de um nome social.

Em primeiro lugar, irá se debater sobre a adequação em relação aos aspectos físicos, de modo que “o indivíduo não quer simplesmente mudar de sexo. A adequação lhe é imposta de forma irresistível; portanto, ele nada mais reclama que a colocação de sua aparência física em concordância com seu verdadeiro sexo: o

sexo psicológico” (VIEIRA, 200, p. 88). Assim, tem-se que os transexuais são pessoas que reprovam seus órgãos sexuais externos, pois querem pertencer ao sexo oposto, diante disso, a grande maioria, deseja se livrar deles por meio de um procedimento médico, a cirurgia de redesignação sexual. Pois, “segundo uma concepção moderna, o transexual masculino é uma mulher com corpo de homem. Um transexual feminino é, evidentemente, o contrário. São portanto, portadores de neurodiscordância de gênero”. (VIEIRA, 2000, p. 89). Esse procedimento cirúrgico é a cirurgia de transgenitalização – se apresentando, hoje, como a melhor solução para esses casos de não identificação, a qual é “prevista e autorizada pela resolução n. 1.955/10 do Conselho Federal de Medicina” (CRUZ, 2009, p. 59).

Mas, apesar de hoje se apresentar como o recurso mais adequado, que apresenta altos índices de sucesso, inclusive sendo realizada por profissionais que se especializam e se dedicam a este tipo de procedimento, antes de se optar por ela é preciso observar diversos requisitos. “Entre as especificações, os mais importantes para seguir o procedimento correto estão nos artigos 3° e 4° da Resolução n. 1.955/10 do Conselho Federal de Medicina”. No artigo 3° constam os critérios que devem ser obedecidos para que os sujeitos se enquadrem como transexuais e possam realizar a cirurgia, enquanto o artigo 4° define por quais avaliações os pacientes selecionados devem passar. Assim seguem.

Artigo 3º. Que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios abaixo enumerados:

1) Desconforto com o sexo anatômico natural;

2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto; 3) Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos;

4) Ausência de outros transtornos mentais.

Artigo 4º. Que a seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo obedecerá a avaliação de equipe multidisciplinar constituída por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social, obedecendo os critérios abaixo definidos, após, no mínimo, dois anos de acompanhamento conjunto: 1) Diagnóstico médico de transgenitalismo;

2) Maior de 21 (vinte e um) anos;

Importante salientar que a resolução trata da cirurgia como adequação de sexo, e não como mudança de sexo como é chamada, erroneamente, pela maioria das pessoas. E também menciona os locais onde as cirurgias devem ser realizadas, ao passo que “os procedimentos cirúrgicos de adequação de fenótipo feminino para masculino devem ser praticados em hospitais universitários, ou hospitais públicos, com fim de pesquisa”, conforme diz o artigo 5° da referida resolução.

Ainda, quanto à cirurgia de adequação de sexo, deve-se que abordar o papel do Sistema Único de Saúde (SUS) neste processo. Assim, com base na Portaria Nº 2.803/13, que redefiniu e ampliou o processo transexualizador no SUS, tem-se que estas cirurgias podem ser realizadas pelo SUS, desde 2008, porém, estas apenas serão concretizadas se os pacientes atenderem certos requisitos, como por exemplo, “maioridade, acompanhamento psicoterápico por pelo menos dois anos, laudo psicológico/psiquiátrico favorável e diagnóstico de transexualidade” (PORTAL BRASIL, 2015).

Assim, pode-se conceituar o processo transexualizador ou cirurgia de adequação de sexo como

um conjunto de estratégias assistenciais para transexuais que pretendem realizar modificações corporais do sexo, em função de um sentimento de desacordo entre seu sexo biológico e seu gênero - em atendimento às legislações e pareceres médicos (PORTAL BRASIL, 2015).

Para melhor exemplificar o atendimento do SUS aos transexuais, seguem dados

No Brasil, o Ministério da Saúde oferece atenção às pessoas nesse processo por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) desde a publicação da Portaria Nº 457, de agosto de 2008. Até 2014, foram realizados 6.724 procedimentos ambulatoriais e 243 procedimentos cirúrgicos em quatro serviços habilitados no processo transexualizador no SUS (PORTAL BRASIL, 2015).

Mas, além da cirurgia, outros procedimentos precisam ser adotados, como a submissão a tratamentos hormonais, colocação de próteses de silicone,

procedimentos estéticos, entre outros. Nesse sentido, normalmente, como explica Cruz (2009, p. 62),

o homem faz uso de próteses de silicone e aplicações de colágeno no rosto para ficar mais parecido como uma mulher, com traços mais finos, além de a voz afinar com o uso de hormônio feminilizante. No caso das mulheres transexuais, ao utilizarem, a linha do cabelo começa a retroceder, a voz fica mais grossa, e a menstruação para de ocorrer.

Além disso, é preciso mencionar que, que após ocorrer a triagem dos transexuais, é preciso dar atenção à fase pós-operatória, de modo que “inclinamo- nos pela submissão do transexual a uma equipe multidisciplinar de profissionais especializados no assunto. Tal quadro deve ser composto por, pelo menos, um endocrinologista, um psiquiatra, um psicólogo e um cirurgião plástico” (VIEIRA, 2000 p. 90), devendo estes profissionais analisar “o grau de feminilidade ou masculinidade do paciente” (VIEIRA, 2000 p. 90). Entretanto, nas palavras de Ventura e Schramm (2009),

A situação atual é que, apesar do reconhecimento jurídico do direito da pessoa transexual ao acesso às modificações corporais e alteração da sua identidade sexual, a legitimidade dessa prática está condicionada à confirmação de um diagnóstico psiquiátrico e ao cumprimento de um protocolo terapêutico, cujos critérios e condições mínimas são estabelecidos previamente pela instituição médica, e implicam substancial redução da autonomia do sujeito transexual, e dos próprios profissionais de saúde, no processo transexualizador.

Em razão disso, em um segundo plano há que se analisar como se dá a adequação em relação aos aspectos psíquicos. Isso porque o fenômeno transexual, nas palavras de Castel (apud VENTURA; SCHRAMM, 2009), em sua versão contemporânea, revela uma dialética que após ser desenvolvida resultou na criação de uma doença, envolvendo disputas e consensos entre as diversas especialidades médicas – entre medicina, ciências sociais, direitos e demais saberes, e os movimentos organizados. De modo que a problemática psicossocial revela que “existe uma ruptura entre o corpo e a mente do transexual, que se sente como tivesse nascido no corpo errado, como se esse corpo fosse um castigo ou mesmo uma patologia congênita” (HOGEMANN; CARVALHO, 2015, p. 2).

Entretanto, apesar de o transexual se considerar “pertencente ao sexo oposto, entalhado com o aparelho sexual errado, o qual quer ardentemente erradicar” (HOGEMANN e CARVALHO, 2015, p. 3) através da cirurgia de redesignação sexual, para ter acesso a tais “modificações corporais e alteração da sua identidade sexual” (VENTURA e SCHRAMM, 2009, p. 67) ele precisa passar por um protocolo. Nessa perspectiva, nas palavras de Ventura e Schramm(2009, p. 67),

O protocolo diagnóstico e terapêutico responde a uma preocupação ética e jurídica significativa que envolve as práticas de saúde em geral, e se relaciona com o dever do Estado, representado por suas instituições, de proteção das pessoas [...] e, ao mesmo tempo, de garantir o acesso seguro aos avanços técnicos e científicos de forma igualitária e sem discriminação de qualquer espécie.

Nesse sentido, esse protocolo foi criado com o objetivo de se fixarem descrições e prescrições sobre o modo mais adequado de se viver a transexualidade, ou seja, restringindo e estabelecendo limites para que a prática das intervenções seja realizada de forma segura, de modo a não provocar mais sofrimentos a estes sujeitos. Até porque, a psiquiatria entende o transexualismo como uma patologia, o que, por si só, já gera grandes aflições e tormentos. Ao passo que “para a psicanálise, a sexualidade e principalmente a diferença sexual, são fenômenos complexos que definem formas de manifestação das subjetividades” (ARAN, 2006, p. 55).

O discurso atual sobre o transexualismo na sexologia, na psiquiatria e em parte na psicanálise faz desta experiência uma patologia – um “transtorno de identidade” – dada a não-conformidade entre sexo biológico e gênero. Por outro lado, ele também pode ser considerado uma psicose devido à recusa da diferença sexual [...] (ARAN, 2006, p. 50).

Nesta perspectiva, “os espectros de descontinuidade e incoerência que se transformam numa patologia são, desta forma, apenas concebíveis em função deste sistema normativo”. (ARAN, 2006, p. 50). Neste sentido, “certos tipos de identidade de gênero parecem ser meras falhas do desenvolvimento ou impossibilidades lógicas, precisamente porque não se conformam às normas de inteligibilidade cultural” (BUTLER, 2003, p. 39).

Nesse sentido, cumpre salientar que a Organização Mundial da Saúde enquadra o transexualismo no rol dos Transtornos de Identidade Sexual, identificando-o através do Código F64.0. Entretanto, como dizem Sturza e Schorr (2015, p. 269),

esta classificação como um transtorno de identidade sexual, dada pela OMS, é totalmente desaprovada pelos transexuais e pelos doutrinadores estudiosos do tema, vez que não pode ser considerado como uma doença, mas sim como uma identidade sexual diversa da considerada como normal, porém única.

De outro lado, conforme a Classificação Internacional de Doenças (CID) número 10, o transexualismo só pode ser diagnosticado “se o indivíduo permanecer durante o período mínimo de dois anos comportando-se como tal, além de ser necessário um diagnóstico especial sobre o aparecimento desse comportamento em patologias graves, como é o caso da esquizofrenia” (STURZA; SCHORR, 2015, p. 269).

Voltando à questão principal, é preciso realçar a necessidade de um apoio psicológico eficiente aos sujeitos que se identificam como transexuais, mesmo para aqueles que não optarem pela cirurgia, e em especial, para os que optarem. Assim, Chilland (apud ARAN, 2006, p. 57), importante teórica deste campo, ao relatar a diversidade da experiência transexual hoje, destaca

a importância da realização da psicoterapia psicanalítica com os transexuais que a desejarem, ressaltando a importância da realização de um apoio psicológico e existencial no processo psicanalítico. Segundo a autora, o reconhecimento desta condição pode oferecer um espaço de acolhimento que permita uma melhor organização assim como a ampliação das possibilidades subjetivas.

Seguindo outra linha de pensamento, levando em conta os diversos tipos de conflitos dos quais a transexualidade pode ser objeto, tem-se que destacar as desordens ligadas às tensões intraindividuais, ou seja, do indivíduo com ele mesmo. Assim, podem ser conceituados como aqueles que resultam da crise entre a identidade de gênero e a identidade sexual, ou melhor, entre a “identidade corporal e a identidade de gênero” (BENTO, 2006). Ainda, também pode ser definido como o

“conflito entre sexo físico e sexo psíquico” (HOTTOIS apud VENTURA; SCHRAMM, 2009, p. 70). Porquanto, conforme Ventura e Schrmann (2009, p.70),

tal tensão também pode ser indicada pelo prefixo trans -, que aponta a necessidade de usar um “terceiro termo” para definir o fenômeno. O prefixo vem preposição latina trans, que indica “além de”, “para lá de”, “depois de”, podendo, portanto, referir-se a um terceiro identitário de difícil colocação lógica e semântica, pois indica ao mesmo tempo uma disjunção e uma conjunção. Ser trans – não é ser nem um nem outro e, ao mesmo tempo, ser um e outro, de acordo com a semântica do verbo “transitar”, que implica poder ir de um lado para outro e vice-versa.

Mas, não se pode deixar de lado a problemática gerada pelos efeitos produzidos pelo diagnóstico psiquiátrico desta condição sexual (ser transexual), pois, na maioria das vezes as implicações são estigmatizantes e até mesmo discriminatórias. Assim, é preciso um maior aprofundamento dessas questões psíquicas, tendo em vista que são pré-requisito para os indivíduos possam ter acesso aos recursos médicos disponíveis. De modo a analisar se esta restrição à autonomia dos sujeitos transexuais é mesmo necessária, se ela realmente o protege, e se de fato é efetiva e eficaz.

Em uma última análise, “além de profundo conflito individual, há repercussões nas áreas [...] jurídicas, pois o transexual tem a sensação de que a biologia se equivocou em relação a ele” (OLAZÁBAL, apud HOGEMANN; CARVALHO, 2015, p. 3). Assim, para concluir este tópico tem-se que verificar como ocorre a adequação dos transexuais em relação aos aspectos jurídicos. Pois, “[...] o Direito não pode se calar às mudanças comportamentais verificadas no seio social, além de ter a necessidade de adequar-se ao afloramento dos novos impulsos e anseios por que passa nossa sociedade e ao qual o ser humano está ligado” (STURZA; SCHORR, 2015, p. 267). Pois,

após a cirurgia, outro entrave ao cidadão redesignado surge. É a questão do seu nome e sexo constantes em seu registro civil. De acordo com a Lei dos Registros Públicos, só poderá ser alterado o prenome quando ele expuser o cidadão ao ridículo ou quando for consequência de um erro evidente quando da sua lavratura, não existindo previsão legal quanto aos casos de intervenção cirúrgica de mudança de sexo (STURZA; SCHORR, 2015, p. 267).

Em razão disto, a cada dia surgem mais ações judiciais, pois se tornaram imprescindíveis, e todas com o mesmo objetivo, obter uma autorização do Poder Judiciário para regularizar o registro civil, em razão da nova realidade física e fática vivenciada pelos sujeitos envolvidos (no caso, os transexuais). Como exemplo, “uma das pioneiras foi o conhecido caso envolvendo Roberta Close, nascida Luís Roberto Gambine Moreira, e que realizou a cirurgia na Suíça, pela impossibilidade de realizar no Brasil, à época” (STURZA e SCHORR, 2015, p. 271). Entretanto, o assunto não ficou apenas nos tribunais estaduais, pelo contrário, até o Superior Tribunal de Justiça já decidiu pela alteração do registro civil, permitindo a modificação do prenome e do sexo que constava no documento original, com base no princípio da dignidade da pessoa humana, usado para fundamentar as decisões favoráveis a alteração.

Para confirmar o que se afirma acima, segue jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,

Ementa: Direito civil. Recurso especial. Transexual submetido à cirurgia de redesignação sexual. Alteração do prenome e designativo de sexo. Princípio da dignidade da pessoa humana. - Sob a perspectiva dos princípios da Bioética ? de beneficência, autonomia e justiça ?, a dignidade da pessoa humana deve ser resguardada, em um âmbito de tolerância, para que a mitigação do sofrimento humano possa ser o sustentáculo de decisões judiciais, no sentido de salvaguardar o bem supremo e foco principal do Direito: o ser humano em sua integridade física, psicológica, socioambiental e ético-espiritual. - A afirmação da identidade sexual, compreendida pela identidade humana, encerra a realização da dignidade, no que tange à possibilidade de expressar todos os atributos e características do gênero imanente a cada pessoa. Para o transexual, ter uma vida digna importa em ver reconhecida a sua identidade sexual, sob a ótica psicossocial, a refletir a verdade real por ele vivenciada e que se reflete na sociedade. - A falta de fôlego do Direito em acompanhar o fato social exige, pois, a invocação dos princípios que funcionam como fontes de oxigenação do ordenamento jurídico, marcadamente a dignidade da pessoa humana ? cláusula geral que permite a tutela integral e unitária da pessoa, na solução das questões de interesse existencial humano. - Em última análise, afirmar a dignidade humana significa para cada um manifestar sua verdadeira identidade, o que inclui o reconhecimento da real identidade sexual, em respeito à pessoa humana como valor absoluto. - Somos todos filhos agraciados da liberdade do ser, tendo

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