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O papel do Governo Federal na inclusão do gay no ambiente de trabalho

Para a coleta de dados foram realizadas entrevistas com um roteiro semi estruturado, de modo a permitir liberdade ao entrevistado para fornecer informações sem fugir ao foco da pesquisa (Richardson, 1989). Os respondentes são pessoas diretamente envolvidas na implantação e manutenção dos programas pelas empresas pesquisadas e a Coordenação Geral de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – LGBT da Secretaria de Direitos Humanos, vinculada a presidência da República.

A estruturação consiste em três partes: a primeira trata da atuação do Governo Federal em ações organizacionais voltadas para a inclusão da população gay; a segunda trata do gay no âmbito da organização, ou melhor, a percepção dos entrevistados a respeito dos gays e barreiras para implantação de ações ou programas; a terceira parte aborda as políticas organizacionais voltadas à população gay da organização.

4.1 O papel do Governo Federal na inclusão do gay no ambiente de trabalho

A aceitação da minoria homossexual é um caminho a ser percorrido e aos poucos deve ser introduzido na sociedade e nas organizações. A apresentação de fatos e dados que façam parte do senso-comum, de modo a não chocar a grande

massa social, é fundamental e, além disso, demandada, segundo é demonstrada abaixo.

“Passou na rede globo [a campanha do Disque 100], (...),não a ‘pintosa’, não que essa população que seja gay mais ‘pintosa’ ou que seja travesti não mereça visibilidade (...) a rede globo trabalha muito com a questão do senso-comum, então nós temos dificuldade de colocar travesti, colocar lésbica, colocar toda a população que nós precisávamos colocar e dar visibilidade para toda a população. O conselho aceitou isso numa boa, e desde que a gente fizesse uma outra campanha esse ano e que essa campanha englobasse toda nossa população.”(Entrevistado 1 – SDH)

A inclusão passa, primeiramente, pelo caminho da percepção da normalidade da “coisa”, para então partir para as especificidades. Percebe-se clara referência ao texto de Anjos (2002), uma tentativa de mostrar o gay como um ser humano como outro qualquer, busca-se uma definição de homossexualidade por uma vertente não “dominada”, isto é, o gay como um cidadão comum. A homossexualidade é colocada como uma característica, nem inferior, nem superior às demais características humanas, portanto a perda de direitos ou violência não encontra o porquê. A cautela é fundamental para o alcance do respeito, não caberia num primeiro momento expor a particularidades internas, como as descritas por Nunan e Jablonski (2002), contudo depois de familiarizadas com o mais comum dos tipos, surge a demanda por apresentação dos demais componentes do grupo, isto é, a exposição dos outros estereótipos e as organizações vêm se adequando, também aos poucos: as Empresas X e Z sendo um dos pioneiros na questão de inclusão e a Empresa Y tendo essa questão como incipiente em sua pauta:

“Existem várias ações organizacionais voltadas à valorização da diversidade (...) em 2006, logo no início da implantação do programa, já foi aprovado o reconhecimento do parceiro do mesmo sexo.” (Entrevistado 2 – Empresa X)

“A gente aderiu ao programa agora em julho do ano passado [2011], a gente ainda tá no começo dessa inclusão.” (Entrevistado 3 – Empresa Y)

“As ações voltadas à diversidade começaram a ser trabalhadas mais fortemente em 2003,quando mudou o governo federal, entrou o Lula naquela ocasião, e mudou a direção da [organização] naquela ocasião e passou a fazer parte do banco um presidente que era uma pessoa muito voltada pra essas discussões também” (Entrevistado 4 – Empresa Z)

Percebe-se que o envolvimento de ambiente político e interesse do alto escalão da empresa são fatores determinantes para a criação da necessidade de adoção das ações inclusivas por parte da empresa. A Empresa X e a Empresa Z se anteciparam ao Supremo Tribunal Federal para garantir direitos aos casais do

mesmo sexo, já a Empresa Y iniciou suas atividades anos depois e se encontram em fase inicial de implantação do programa de inclusão de minorias. Ao passo que se vê a proatividade da primeira e da última, vê-se a disposição da segunda em iniciar todo um processo de complexa transformação cultural da empresa, não deixando, contudo, de ser um esforço proativo, posto que a SDH não possui nada que oriente especificamente as organizações de nenhum tipo a adotarem práticas de inclusão LGBT e combate a homofobia:

“Explicitamente não existe nada que promova a inclusão” (Entrevistado 1 – SDH)

A motivação da adoção dessas políticas inclusivas por parte das empresas pesquisadas pode ser atribuída a práticas indiretas da SDH e outras esferas públicas, como o Ministério Público do Trabalho, que desencorajam práticas homofóbicas, conforme é apontado por um dos entrevistados:

“teve uma campanha que o ministério público do trabalho fez no RS a respeito da inclusão de determinados segmentos da população, porque eles receberam uma denuncia de discriminação numa empresa, e o termo de ajustamento de conduta que fizeram com a empresa era que a empresa pagaria uma campanha contra as discriminações no ambiente de trabalho.”

(Entrevistado 1 – SDH)

O apoio político não pode deixar de ser ressaltado, levando-se em conta dois momentos distintos:

“antes tinha que ficar criando factoide para que o ministro do supremo pegasse uma bandeirinha do arco-íris” (Entrevistado 4 – Empresa Z)

“Houve uma reunião da ABGLT em que o Lula foi com a esposa e tantos outros ministros” (Entrevistado 4 – Empresa Z)

Existe o apoio de esferas públicas diversas, contudo sem a mudança de perspectiva da visão política superior para tornar possível a adoção de certas práticas, pouco seria possível ou conquistado. Quando a criação de “factoides” não é mais necessária, posto que exista o apoio do mais alto escalão político do país, ações começam a ser concretizadas, tais quais a criação da comissão LGBT na SDH e seu foco no combate ao preconceito estrutural:

“um preconceito que é estrutural, ele começa na família, passa pela escola e chega ao ambiente de trabalho (...) tem que começar na família, campanhas amplas, que falem sobre homofobia e já atinge o mercado de trabalho." (Entrevistado 1 – SDH)

Fica claro que o foco de atuação da SDH é ainda amplo, buscam atingir a família, como fonte primaria de exclusão, para alcançarem, depois, mudanças

culturais na sociedade. Sendo a primeira fonte de discriminação a própria família, busca-se mudar esse ponto, para fazer com que as famílias lutem para garantir o direito de seus filhos gays.

A ação do Governo Federal com vistas no combate à homofobia se dá pela tentativa de mudança de perspectiva social. Primeiramente, percebe-se a busca pela familiarização com o tema, tenta-se uma definição não contaminada pelo estereótipo do preconceito, ao invés disso, as ações passam pela tentativa de normalização da “coisa”. Essa tentativa de normalização mostra a visão inclusiva pretendida pelo Governo, reflete uma tentativa de criação de um ambiente onde a exclusão não tem motivo.

Essas mudanças pretendidas pela SDH se refletem nos esforços de organizações como as da Empresa Y, que ainda têm um incipiente programa de inclusão. As mudanças estruturais alcançadas se refletem no mercado de trabalho, corroborando a afirmação do Entrevistado 1. Portanto o trabalho da SDH, ainda que se dê num nível macro social, vem apresentando resultados nas organizações, que pode ser considerado um componente agregado da macro sociedade.

O ambiente favorável serve como estimulante para que empresas diversas, dentre elas as pesquisadas, adotem ou aprimorem seus programas de inclusão. Com o apoio Federal, ainda que em nível macro, aliado a disposição organizacional para incluir os gays encontram espaço para expressão da identidade na organização.

Portanto, fica entendido que a atuação do Governo Federal não é focada na inclusão do gay no ambiente de trabalho. O foco é primeiramente nas famílias e nas escolas. O que existe é a tentativa de alcance de mudança de perspectiva na sociedade geral.

Se percebermos a recente criação da Coordenação LGBT, entendemos que sua atuação visa à inclusão do gay na sociedade de modo permanente e constante. Existe hoje o apoio político necessário para a efetivação de algumas ações, contudo o ambiente político conta com uma relativa instabilidade, e ao analisar a atuação dessa coordenação, vê-se que a busca é pela mudança de um paradigma dominante, paradigma esse que estigmatiza e segrega o gay.

Com a mudança de perspectiva pretendida pela SDH, tem-se a gestação de uma nova consciência, que ainda que incipiente, pretende mudanças concretas e constantes ao longo do tempo e independente de apoio político. Percebe-se a busca pela criação de uma semente que florescerá sozinha, se desenvolverá no horizonte temporal, caso o empurrão que a faz se desenvolver hoje venha a cessar. Fala-se aqui sobre a possível falta de apoio político no futuro, contudo se a ideia pretendida estiver numa fase de desenvolvimento adequada, pretende-se que ela continue vigorando na sociedade, se considerarmos que a busca de mudança cultural é justamente na gênese da sociedade, isto é, família e escola.

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