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O papel do Estado e do Cooperativismo no processo da produção e comercialização local do queijo

3 CACHOEIRINHA: LUGAR DA PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DO QUEIJO

3.4 O papel do Estado e do Cooperativismo no processo da produção e comercialização local do queijo

O modelo de crescimento econômico vigente no país tem provocado mudanças sócio- espaciais significativas, nas diversas escalas do seu acontecer, da local à regional, já que todo processo social não prescinde do espaço. Mas essas mudanças têm priorizado, sobretudo, os interesses do mercado.

Nas últimas décadas, a ênfase dos instrumentos de política agrícola alterou-se muito, de acordo com os recursos financeiros do governo. Na década de 1970, o principal instrumento da política agrícola foi o crédito rural, que visava conceder créditos agrícolas a juros negativos, “transformando-se num mecanismo indireto de transferência de parte da massa de

70 mais-valia controlada pelo Estado para o setor agrícola.” (SORJ, 1986, p. 86) No entanto, o crédito rural não foi distribuído de forma eqüitativa entre os produtores. Na verdade, apenas os médios e grandes proprietários foram favorecidos, enquanto os pequenos produtores continuaram marginalizados.

Nos anos seguintes, a política agrícola deu ênfase a instrumentos de estabilização de preços, tais como preços mínimos e estoques reguladores. Porém, ao longo dos anos 80 do século XX, o uso desses instrumentos de estabilização de preços, via intervenção direta do Governo no mercado, foi sendo reduzido em função do neoliberalismo, que já se fazia presente no nosso país.

No caso específico das políticas referentes à produção do leite, não se pode deixar de mencionar o longo período de tabelamento do preço desse produto de (1945 a 1991) o qual segundo alguns analistas, trouxe conseqüências desastrosas para a pecuária leiteira do país.

Nos dias atuais, a globalização econômica, a abertura dos mercados e a crescente regionalização comercial, processos intensificados e representados por uma livre concorrência sem controle do Estado, ampliaram a concorrência dos setores produtivos, abalaram os alicerces das políticas públicas tradicionais e tornaram a competitividade condição necessária para a sobrevivência dos agentes econômicos.

Essa nova realidade tem determinado mudanças significativas principalmente no que se refere à pequena produção, como em todos os setores econômicos. A dinâmica de mercado vem, assim, desde então, atuando no sentido de selecionar os produtores de leite por escala de produção, qualidade da matéria-prima e profissionalismo na gestão dos negócios. (BORTOLETO, 2001).

Em se tratando de Cachoeirinha, a estrutura de produção de leite é baseada, sobretudo, em pequenos produtores (Gráfico 1), apresentando dificuldades reais para a introdução de investimentos em tecnologias; o que dificulta campanhas de assistência técnica e a concessão de crédito orientado, entre outros dispositivos de modernização.

63% 21% 8% 8% 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

10 a 100 litros 110 a 290 litros 300 a 520 litros 900 a 1.500 litros Gráfico 1: Cachoeirinha-PE: quantidade de leite produzida/diária por produtores

Fonte: Dados obtidos a partir de entrevista realizada com os produtores, em jan. 2007.

De acordo com o exposto no gráfico 01, do total de produtores entrevistados, 63% são pequenos produtores que afirmaram ter uma produção de leite diária de 10 a 100 litros; 21% referem-se à parcela dos produtores que apresentam uma produção de 110 a 290 litros; 8% são àqueles que afirmam terem uma produção diária de 300 a 520 litros e outros 8% referem-se àqueles que são responsáveis por uma produção de 900 a 1500 litros diários.

E, segundo o Secretário de Agricultura do município de Cachoeirinha, em se mantendo a situação atual, grande parcela desses produtores, bastante significativa, será expulsa do mercado formal ou então remetida à condição de subsistência. Para ele, ainda é importante ter uma solução viável para essa categoria, ou seja, o desenvolvimento de um cooperativismo ou associativismo, sobre os quais discorreremos em seção posterior.

Já se tentou organizar os envolvidos com a produção e a comercialização de produtos derivados do leite, mas os resultados não foram profícuos, a começar pela dificuldade de organização de produtores não acostumados a uma cultura cooperativista. Daí não se ter avançado nessa tarefa, a despeito de muitos produtores e comerciantes reconhecerem o papel do cooperativismo no processo de fortalecimento das atividades locais.

Diante disso, identificamos que os principais entraves ao desenvolvimento do segmento produtivo primário da cadeia produtiva do leite e, conseqüentemente, do queijo, residem nos seguintes aspectos: existência de rebanhos com baixa especialização e produtividade, baixo

72 nível tecnológico, cultura individualista do produtor; ineficiência de serviços de inspeção sanitária e de controle de qualidade zootécnicos e econômicos, entre outros.

Se por um lado, a resistência ao “novo”, representa uma vantagem locacional por exprimir uma especialização e experiência típica do lugar, por outro, pode tornar-se fator impeditivo para incorporação de novos procedimentos técnicos para promover o crescimento da atividade na cidade, como podemos comprovar com Sorj:

A situação do pequeno produtor de leite apresenta uma deterioração constante, dado que o preço do leite é controlado (sendo um dos itens mais importantes da alimentação popular, é politicamente sensível e economicamente importante no custo de reprodução da força de trabalho), ao passo que o preço dos insumos, da terra e pastagens não o é. (1986, p. 58).

Logo, como proceder à modernização se os preços, sobretudo dos insumos, elevam-se sem controle, enquanto o preço do leite sempre é amparado por uma política de controle, direta ou indiretamente imposta pelo governo?

Por outro lado, não existe uma conscientização quanto à necessidade de se implementar um processo de modernização numa perspectiva que ultrapasse os resultados puramente econômicos e concentradores de renda, considerando a complexidade da realidade sócio- espacial e dividindo os benefícios do processo com todos os envolvidos. Nesse sentido:

Uma sociedade reduzida à economia não é mais uma sociedade. A vida de uma sociedade consiste em seu projeto social, cuja ausência significa a morte. [...] Entendido como bem econômico, o bem não garante o vínculo social. O economicismo esvazia a sociedade de suas substâncias e a torna, a longo prazo, incapaz de auto-instituir-se. Ora, “não pode existir uma sociedade”, escreve Castoriadis [...], “que não seja alguma coisa para si própria; que não se represente como sendo alguma coisa”. (ZAOUAL, 2006, p. 67).

E colocamos essa idéia no âmbito da discussão do presente tema porque não podemos restringir a questão do desenvolvimento humano apenas a perspectivas de crescimento de atividades garantidoras da inserção de pessoas no mercado de trabalho.

É indiscutível que, essa inserção pode representar um salto importante na vida das pessoas; porém, por si só, ela é insuficiente ao desenvolvimento do Homem. Nesse sentido,

temos que pensar nas possibilidades de promover mudanças concretas nas condições de trabalho e de vida das pessoas envolvidas. A esse respeito, Zaoual afirma que:

O dinamismo de uma economia e, também, o de uma sociedade – se fosse possível isolar a primeira da segunda – pressupõem a intervenção de outras modalidades de trocas, como a cooperação, cujas opções podem ser muito variadas. [...] Isso repõe no centro da reflexão econômica o Homem, considerado em sua universalidade e em sua ampla diversidade. Em todos os campos, a ciência está na obrigação ética e científica de mostrar maior capacidade de discernimento. (Ibidem, p. 84).

Acreditamos, pois, que os ideais presentes nessas duas últimas citações reproduzidas, possam ser concretizados. Porém, para isso, faz-se necessário, primeiramente, que os moradores do lugar os façam valer como princípios norteadores do seu trabalho e da sua vida. Mas em que medida esses valores podem se impor em Cachoeirinha? Para tanto, é preciso considerar mais de perto o seu espaço concreto. Nesse sentido, buscamos, no capítulo seguinte, elucidar a questão através da análise da organização espacial específica do município

Nem todos os indivíduos que participam do ato produtivo e da produção do espaço usufruem igualmente dos frutos ou da renda gerada no processo de trabalho, uma vez que esse mecanismo se realiza dentro do contexto das relações capitalistas de produção, caracterizadas principalmente pela sujeição do trabalho ao capital. (SENA, 2000, p. 50-51).

4 A atividade artesanal de produção do queijo e a sua organização sócio-espacial em