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O papel da mídia na edificação de um estado penal seletivo e policialesco que criminaliza

2 A NOVA ARTE DE GOVERNAR E SEUS REFLEXOS NA ABORDAGEM DA

2.1 A RESPONSABILIZAÇÃO NEOLIBERAL: ASPECTOS HISTÓRICOS DAS PRISÕES E

2.1.3 O papel da mídia na edificação de um estado penal seletivo e policialesco que criminaliza

Com os resgates e as contextualizações feitas até o momento, nos preocupamos agora em demonstrar a relevância de se debruçar sobre a temática da violência voltando nossos olhos para as exposições midiáticas que criminalizam a miséria e legitimam a ação discriminatória do Estado, na figura da Polícia.

Esses discursos massificados suscitam o ódio, o medo, a insegurança e é empregado como uma forma de justificar a rigidez com que é exercido o controle policial. Isso contribui para a construção política de uma penalização reforçada e ostensiva, usado para conter as desordens causadas pelo trabalho precário e pelo desemprego generalizado. (WACQUANT, 2001, p.71-73.)

Para controlar os riscos sociais é necessário que as sociedades criem sistemas de proteção social, a serem implementados através de políticas públicas. Tais sistemas de proteção social, implementado como política pública de combate à violência é o denominado sistema penal, que tem como uma de suas principais funções excluir socialmente a miséria. Dessa maneira, é válido ressaltar que os meios de comunicação têm como instrumento eficaz, no âmbito das políticas neoliberais, moldar e controlar a opinião das massas populares. Esses veículos de comunicação, por meios de suas diversas vertentes, notadamente, jornais, rádios, emissoras de televisão, redes sociais, distorcem a realidade e, em seguida, manipulam o pensamento das pessoas de modo que estas passam a aceitar a ideologia do poder, que se encontra hodiernamente estabelecida como verdades incontestáveis.

Conforme salienta Wacquant (2007), a mídia contribui para criar um discurso histérico, irrealista, um discurso que impede a reflexão e o debate cívico. Ela tem uma enorme responsabilidade na degradação da situação e na popularidade do método de gestão penal da ilegalidade social.

Considerando o exposto acima, é notório que os meios midiáticos se encarregam de implantar na sociedade o sentimento de medo e insegurança, bem como a aceitação de ostensivas medidas repressivas como forma de resolver os problemas sociais. Ademais, é um instrumento eficaz para penetrar no imaginário social a criminalização da pobreza, a demonização das classes subalternas e a necessidade de um Estado policial.

Como exemplo dessa ideologia burguesa, podemos observar a promulgação da chamada “Teoria da Vidraça Quebrada” em Nova York, a qual sustentava que “é lutando passo a passo contra os pequenos distúrbios cotidianos que se faz recuar as grandes patologias criminais” (WACQUANT, 2001, p. 25), sendo que seu objetivo real seria conter o medo das classes médias e superiores através da perseguição permanente dos pobres nos espaços públicos. A imprensa popular relaciona a eles a decadência social, e é contra eles que se volta prioritariamente à política de “Tolerância Zero”. (WACQUANT, 2001, p. 28-29).

Essa ideia vem sendo sedimentada através de alguns movimentos e ideologias de segurança pública que se encontram por detrás das atitudes legislativas e técnicas policialescas legitimadoras, que foram conhecidas como o “Movimento de Lei e Ordem” e a Doutrina de Tolerância Zero, as quais trabalhavam por um lado para combater a violência cotidiana e a criminalidade urbana, e por outro, no aumento da repressão policial em suas diversas formas.

Como já mencionado, a doutrina de “Tolerância Zero”, adotada em Nova Iorque pelo prefeito Rudolph Giuliani, com a desculpa de controlar uma criminalidade crescente e acalmar os setores médios da população, porém com a função real de administrar a pobreza, fez com que a cidade se tornasse uma vitrine em torno de tal política para o mundo, “ao passar às forças da ordem um cheque em branco para perseguir agressivamente a pequena delinquência e reprimir os mendigos e os sem-

teto nos bairros deserdados”. (WACQUANT, 2001, p. 25). “A ‘Tolerância Zero’ apresenta, portanto, duas fisionomias diametralmente opostas, segundo se é o alvo (negro) ou o beneficiário (branco)” (WACQUANT, 2001, p. 37).

Cabe mencionar que há, neste momento, uma nítida segregação do meio social, uma vez que, a propagação do medo e da insegurança massificada por meio dos veículos de comunicação tende a propiciar a criação de estereótipos das classes excluídas da sociedade, porém selecionadas pelo sistema no intuito de desempenharem o papel de criminosas.

Esses estereótipos contribuem também para o etiquetamento de pessoas que são acusadas de cometer crimes. Aliado a tudo isso, a mídia cumpre, ainda, o papel de intensificadora de disseminação de áreas perigosas, como as favelas, os guetos e setores mais vulneráveis da sociedade. Eles vivem, segundo Wacquant (2007, p. 345), em guetos que se configuram como “prisão etnorracial”.

Observemos, em seguida, as homologias estrutural e funcional entre o gueto e a prisão, concebida como um gueto judicial. Uma casa de detenção ou de cumprimento de pena é, certamente, um espaço reservado que serve para confinar, à força, uma população legalmente estigmatizada, no interior da qual esta população desenvolve instituições, uma cultura e uma identidade desonrada que lhe são específicas. A prisão, portanto, é composta pelos mesmos quatro elementos fundamentais que conformam um gueto – estigma, coerção, confinamento físico, paralelismo e isolamento organizacionais –, e isso ocorre por objetivos similares. (WACQUANT, 2007, p. 345-346).

Desse modo, retrata-se uma visão discriminatória da sociedade, na qual há os criminosos de um lado e toda uma população indefesa de outro, empregando uma forma de exclusão e de controle dos grupos sociais indesejáveis. Entretanto, esses lados, por sua vez, possuem cor, lugar, classe e estilo de vidas antagônicas. Assim, a deslegitimação do sistema convive com a sua relegitimação de acordo com o papel de seus aparatos ideológicos, sendo, um deles, a própria mídia.

Nesse contexto, fica evidente a tendência de associar a pobreza com a violência e a criminalidade. Como explica Wacquant (2001), isso ocorre com a divulgação de discursos que incitam à punição, sem identificar as mazelas de que se reveste o sistema punitivo. Outra forma de auxiliar na intensificação do sistema penal reside na aniquilação conceitual dos direitos e garantias fundamentais de suspeitos, acusados e condenados, reduzindo-se o ideal garantista à falácia de “tolerância à bandidagem” (p.10).

Diante disso, a população passa a aceitar e inclusive cobrar das autoridades a implantação de medidas repressivas, uma vez que, a mídia consegue que os próprios setores vulneráveis ao sistema penal sejam exatamente os que mais apoiam as políticas públicas de repressão desenfreada, como o

maior número de prisões, pena de morte,sentenças mais duras e, notadamente a proposta de redução da maioridade penal.

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