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CAPÍTULO I – O ENSINO DE PIANO PARA O INICIANTE:

1.5. O papel da motivação no desenvolvimento

Piaget considerava que “a motivação é o motor da ação” (apud REIS, 2000, p. 18). Esta visão é partilhada também por ORMROD (1995, p. 412), segundo a qual a motivação é “afunção que nos leva a continuar o que estamos fazendo” durante o processo de aprendizagem ou ainda é “um estado interno que nos impulsiona à ação, a algumas direções em particular, e nos mantém engajados em certas atividades”. A autora relaciona o aprendizado com a motivação esclarecendo que “o primeiro nos permite adquirir novos conhecimentos e habilidades enquanto o segundo produz o ímpeto para demonstrar as coisas que aprendemos” (ibidem). Por fim, ela acrescenta que a motivação favorece o educando a estudar e aumenta a probabilidade dele prestar atenção na atividade e aprender de uma maneira significativa:

Certos processos cognitivos – prestar atenção, aprender significativamente, elaborar, monitorar a compreensão, identificar inconsistências entre novas informações e conhecimento prévio, entre outros – devem ocorrer quando o indivíduo se engaja em uma atividade de aprendizagem em particular. Em outras palavras, aprendizes devem pensar sobre o que estão vendo, ouvindo e fazendo. Tal envolvimento cognitivo é um dos benefícios de um alto grau de motivação (ORMROD, 1995, p. 413, tradução nossa).

O papel fundamental da motivação na ação humana é um consenso na Psicologia. No entanto, um ponto de divergência entre as concepções psicológicas de “motivação” está relacionado ao tratamento e à descrição das “variáveis motivacionais”: para alguns a motivação é causada por processos internos e para outros, por eventos externos (CUNHA e MARINHO, 2005, p. 27). Para os cognitivistas e humanistas, por exemplo, a motivação é intrínseca, ou seja, a fonte de motivação reside no próprio indivíduo (auto-motivação), ao considerar uma atividade divertida, interessante ou importante (ORMROD, 1995, p. 414). Em contrapartida, os comportamentalistas acreditam que a motivação é promovida por estímulos externos, ou seja, por variáveis ambientais. Nesse caso, a motivação pode ser estimulada, por exemplo, por elogios, competições, premiações, recompensas, entre outros fatores. Como este debate ultrapassa o âmbito deste trabalho, que não tem a pretensão de ser uma pesquisa em Psicologia, iremos nos ater às questões motivacionais que podem ser relacionadas ao ensino da música.

O interesse pela pesquisa em Psicologia tem sido crescente na área da Música nas últimas décadas. Mais especificamente sobre a importância da motivação no aprendizado, podemos citar alguns autores que discorrem sobre o assunto. KAPLAN (1995, p. 61), por exemplo, defende que “a aprendizagem não ocorre sem uma ligação dinâmica entre o aluno e a tarefa que deverá desempenhar”. Mais a frente conclui que “sem motivação não existiria, provavelmente, aprendizagem”. MONTANDON (1995, p. 73) também reforça o papel decisivo da motivação na aprendizagem, enfatizando o engajamento do aluno nas atividades propostas: “mantendo o aluno interessado nas atividades de aula ele estará envolvido no processo de aprendizagem ao mesmo tempo em que desenvolverá atitudes favoráveis em relação à música e à execução pianística”. KAPLAN (1985, p. 61) acrescenta que esse engajamento promovido pela motivação do aluno acelera o tempo gasto no aprendizado.

Segundo REIS (2000, p. 18), os princípios pedagógicos atuais, “que inserem o educando como figura central de todo o processo [de aprendizagem], [sendo ele] construtor de seu conhecimento”, também convergem para a importância da motivação. KAPLAN (1985, p. 61-62), referindo-se a essas novas concepções de ensino, afirma que a mudança de visão em relação ao processo de aprendizagem ocorreu quando se constatou que “o aprendizado é um processo de atividade pessoal, reflexiva e sistemática, que depende do envolvimento de todas as potencialidades do educando na consecução de objetivos” (ibidem, p. 62). A partir dessa constatação, os “motivos pessoais” do indivíduo, ou a “motivação interna”, passaram a ser considerados determinantes para a aprendizagem. Entretanto, o autor lamenta o fato de serem raros os casos em que os alunos apresentem naturalmente esse alto grau de interesse em aprender, chamado de “auto-motivação”.

É nesse ponto que podemos destacar o papel crucial do professor para promover a motivação do aluno no processo de aprendizagem. Tal função pode ser exercida, no caso do ensino de um instrumento musical, através da observação de algumas características pessoais dos alunos, como: idade cronológica e psicomotora; experiência prévia e vivência cultural; traços de

personalidade e objetivos do aluno ao estudar o instrumento (KAPLAN, 1985, p. 62), além de outros aspectos que serão discutidos posteriormente.

Quanto ao primeiro aspecto observado por Kaplan, vale ressaltar que cada indivíduo possui características e habilidades diferentes, portanto não se pode padronizar a escolha do repertório para todos os alunos. A escolha do repertório deve ser individualizada levando-se em consideração vários aspectos, como o motor, o afetivo e o estilístico. Com relação ao aspecto motor, particularmente ao lidar com as crianças, é importante que o professor observe as possibilidades técnicas do aluno para que este possa se sentir seguro e capaz de executar uma música. Nesse ponto, a técnica pode ser uma importante variável motivacional, pois segundo ORMROD (1995, p. 431) a motivação intrínseca é mais fácil de emergir quando as pessoas acreditam que são capazes de realizar tarefas com sucesso, o que pode ser aplicado à uma performance bem sucedida. HOLLERBACH (2003, p. 98) sugere que, para motivar a criança, o professor escolha uma peça simples – que o aluno “domine com facilidade” e possa preparar rapidamente – e para “fomentar seu desenvolvimento” escolha uma outra que “exija mais da criança”.

Os outros aspectos observados por KAPLAN – experiência prévia e vivência cultural, traços de personalidade e objetivos do aluno – também podem ser explorados como variáveis motivacionais pelo professor ao escolher o repertório do aluno. Conhecendo a personalidade, a vivência prévia, as preferências e intenções do aluno, o professor pode optar por um repertório ou por determinados estilos de música com os quais o aluno se identifique e, portanto, se interesse. Ainda segundo KAPLAN (1985, p. 63), “se o aluno é obrigado a estudar uma determinada obra que nada significa para ele [...] certamente a falta de motivação com que irá enfrentá-la será a razão principal do seu previsível fracasso”. Portanto, “a escolha [do repertório] quando significativa para o aluno, é de alto valor motivador.” Em função disso, é importante que se dê oportunidade para o próprio aluno escolher, juntamente com o professor, as peças que irá tocar. Além de estimular a motivação do aluno, a identificação com o caráter da peça favorece o seu envolvimento afetivo com a obra. REIS (2000, p. 68) acrescenta que “a satisfação de um

desejo momentâneo da criança, como, por exemplo, [tocar] músicas populares ou de um filme, só irá enriquecer a aprendizagem”.

Todos os recursos acima mencionados dizem respeito a estimular a “motivação interna” do aluno. No entanto, o professor pode interferir mais diretamente nas “variáveis externas”. Nesse sentido, o material didático é uma variável motivacional importante (KAPLAN, 1985, p. 62): adotar um livro atrativo, tocar em grupo, tocar com acompanhamentos ou com playbacks podem colaborar substancialmente para a motivação no aprendizado (USZLER, 1991, p. 66). Nesse aspecto, ORMROD (1995, p. 469) também defende que a maioria dos alunos aprende mais quando o material, assim como o conteúdo, é interessante. No entanto, tocar em conjunto ou com acompanhamento do professor, como no ensino de piano a quatro mãos, já constitui outra variável motivacional externa. Nesse caso, vários aspectos estão envolvidos na motivação: a interação entre aluno e professor ou entre colegas, o resultado sonoro da execução a 4 mãos – que é mais rico e elaborado – e às vezes até o sentimento de segurança por estar tocando com outra pessoa.

Para finalizar, audições, recitais e gravações também podem ser motivadores externos para o aluno de música. O incentivo dos pais em relação à performance dos filhos e a platéia motivam a criança a se engajar no aprendizado de um novo repertório que poderá ser executado em outras ocasiões. Todos esses fatores em conjunto colaboram para manter a motivação da criança em relação à música e promovem um desenvolvimento musical mais efetivo, pois “em geral, pessoas mais motivadas alcançam níveis mais altos” (ORMROD, 1995, p. 412), o que pode se aplicar à performance.

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