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Capítulo II: Considerações gerais sobre Tradução

2.2. Tradução Técnica

2.2.3. Os intervenientes no processo de Tradução Técnica

2.2.3.2. O papel do público-alvo

O público-alvo é um interveniente no processo de tradução que, tal como o tradutor, assume um papel primordial no processo de tradução, uma vez que sem ele a tradução em si não teria razão de ser. Conhecer o público-alvo de uma determinada tradução é um fator imprescindível para a eficácia da tradução e uma forma de nos assegurarmos de que estamos a dar ao leitor o texto de que precisa. Não obstante este facto, a verdade é que frequentemente as caraterísticas do público-alvo não são simples de definir, o que faz com que o tradutor se veja obrigado a recorrer a diferentes métodos de modo a

perceber aquilo de que o público-alvo precisa, deseja e espera. Rosenberg (2005:9 apud Byrne, 2014:35) propõe que se coloquem duas questões iniciais perante cada projeto de tradução, cujas respostas procura depois aprofundar através de cinco questões mais detalhadas. As duas primeiras questões são relativamente simples e visam obter alguma informação potencialmente útil:

a) O que já sabe o meu público-alvo sobre esta tecnologia? b) Qual é a língua materna do meu público-alvo?

Ao tomarmos conhecimento de qual o grau de familiaridade que o nosso público-alvo possui em relação a uma determinada tecnologia, podemos decidir mais facilmente se é necessário fornecer explicações adicionais ou se podemos omitir certos factos. Quanto à segunda questão, pode parecer, de certo modo, desnecessária, pois quando um tradutor se propõe traduzir determinado texto já sabe de antemão qual a língua-alvo em questão. No entanto, há que distinguir entre língua-alvo da tradução e língua materna do público-alvo. Neste contexto, Byrne (2014:36) defende que ao traduzirmos para uma determinada língua temos de ter em conta que existem inúmeras pessoas que, apesar de a utilizarem, não a possuem como língua materna, o que faz com que certos aspetos tenham de ser acautelados. Isto reflete-se sobretudo a nível cultural, pois não possuindo a língua em questão como língua materna o entendimento de possíveis referências culturais pode ser mais restrito, aspeto que acontece também entre falantes nativos da própria língua quando falamos de variedades regionais de uma língua.

Procurando ir mais além, Rosenberg (2005:9-20 apud Byrne, 2014:37) formula então cinco perguntas adicionais com grande potencial para ajudar o tradutor a elaborar a sua tradução:

1. Qual é o nível de formação geral do público-alvo?

2. Que experiência e conhecimento possui o público-alvo acerca da temática em questão?

3. Qual a abrangência e diversidade do público-alvo? 4. Qual é a sua língua materna?

O cenário ideal seria o tradutor conseguir dar uma resposta exata a todas estas questões, tarefa que raramente é conseguida de forma direta, pelo que o tradutor deve ser capaz de deduzir certas caraterísticas do público-alvo através do contexto ou do próprio tipo de texto. Atentando na primeira pergunta das cinco apresentadas acima, podemos afirmar que conhecer o nível de formação do público-alvo em questão é fundamental pois permite-nos decidir o tipo de linguagem a utilizar - para pessoas com menor formação académica uma linguagem menos complexa seria o ideal, no entanto, utilizar o mesmo tipo de linguagem para um público com maior formação académica poderia frustrar as suas expetativas. Tomemos como exemplo um caso apresentado por Nord (2005) em que um artigo sobre o consumo de drogas foi publicado por uma revista juvenil. Como tal, a terminologia e a própria sintaxe utilizada dirige-se a este tipo de público de forma a dissuadi-lo do consumo de drogas. Ora, uma tradução deste artigo para o mesmo tipo de público noutra língua utilizaria a gíria e o jargão próprios da língua-alvo, mas caso se destinasse a ser integrado num jornal, cujo público-alvo é constituído por adultos, o mais provável é que tal tipo de linguagem não fosse entendida ou não fosse levada a sério.

A experiência e o conhecimento do público acerca do tema em questão é também fundamental na medida em que nos ajuda a perceber, por exemplo, o grau de especialização do léxico a utilizar e a própria forma de exposição, pois um público que já tenha algum conhecimento acerca do tema não necessitará de explicações tão profundas sobre aspetos básicos relacionados com esse tema. A abrangência e experiência do público-alvo é um fator que também requer bastante atenção, pois um público-alvo com maior diversidade pode levar a que a forma do texto tenha de ser editada de modo a que a informação se encontre bem dividida e estruturada. A questão da língua materna, já discutida brevemente acima, assume especial importância em línguas como o inglês, amplamente conhecida por um grande número de pessoas cuja língua materna nem sempre é necessariamente essa. Deste modo, pode haver necessidade de limitar o leque de vocabulário ou apresentar a definição de termos novos ou especializados, assim como de evitar o uso de frases demasiado longas. Relativamente à cultura materna, Byrne (2014:38) defende que a cultura é algo que transcende a nacionalidade e o espaço geográfico e pode simplesmente consistir num

grupo de pessoas com um interesse em comum numa determinada área, como por exemplo jogos de computador ou eletrónica, que afetará necessariamente a tradução em aspetos como o uso de gíria e jargão, formas de tratamento e referências culturais, partindo-se do princípio de que existe um conhecimento partilhado.

Ainda no contexto das reflexões sobre o público-alvo e as suas caraterísticas, Nord (2005:58) faz uma distinção pertinente entre destinatário e recetor, dizendo que “we have to distinguish between the addressee of a certain text (i.e. the person or persons addressed by the sender) and any chance receivers who happen to read or hear the text, even though they are not addressed directly.” E continua com o exemplo de um “segundo destinatário” quando, por exemplo, um político responde a uma determinada questão colocada por um entrevistador, estando, na verdade, a dirigir-se aos seus potenciais eleitores. Este exemplo não é o mais ilustrativo de um “chance receiver”, na designação de Nord (2005), pois tal como a própria autora esclarece, os potenciais eleitores poderiam ser mesmo considerados um segundo destinatário, uma vez que, por norma, é aos eleitores que os políticos se dirigem, mesmo que seja através de um entrevistador. Para exemplificar de uma forma mais clara, e recorrendo a um exemplo bastante atual, podemos analisar as várias notícias que em fevereiro de 2016 foram divulgadas relativamente à confirmação da teoria das ondas gravitacionais desenvolvida por Einstein. A grande maioria dos artigos que vieram a público tinha como principal destinatário os cientistas da área em questão, não só pela profundidade da matéria tratada como pela terminologia utilizada. No entanto, não só pela importância da descoberta em si, como pelo reconhecimento transversal de que Einstein desfruta e pelo interesse que desperta em todas as camadas da sociedade, a notícia acabou por ser lida e partilhada por leitores que à partida não configurariam potenciais destinatários, podendo, estes sim, ser considerados “chance receivers”.

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