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1. DIGESTÃO ANAERÓBIA DE RESÍDUOS

1.2. Fundamentos

1.2.1. Parâmetros da digestão anaeróbia

No processo de degradação anaeróbia está envolvida uma população de microrganismos dependente da concentração do substrato e dos produtos, bem como, das condições ambientais, pH, alcalinidade, temperatura, concentração de hidrogénio, etc.

O processo de digestão anaeróbia está dependente do pH, quer em termos de valor absoluto, quer em termos de estabilidade, dado que as bactérias metanogénicas só têm actividade significativa quando o pH se mantém aproximadamente neutro, isto é, na faixa de 6,3 a 7,8 (Haandel e Lettinga, 1994; Amaral, 1997). O pH dá alguma informação acerca da estabilidade do meio em que ocorre o processo de digestão anaeróbia, dado que a sua variação depende da capacidade tampão do meio. Cecchi et al. (2002) referem que o processo de digestão anaeróbia, geralmente é estável na gama de pH de 6,5 a 7,5. O valor de pH é basicamente influenciado pela concentração de CO2 existente no meio e assim

sendo, pela pressão parcial da sua fase gasosa. Outras espécies que também influenciam o valor de pH são a concentração de AOV e a concentração de amoníaco.

A alcalinidade confere a capacidade de resistência a variações no pH causadas pelo aumento de AOV no meio, durante as etapas de hidrólise e de acidogénese, resultando da presença de hidróxidos, carbonatos e bicarbonatos de iões como o cálcio, magnésio, sódio, potássio ou amónio (Cecchi et al., 2002).

O processo de digestão anaeróbia ocorre pela interacção e equilíbrio de populações de microrganismos diferentes ao longo da cadeia trófica, sendo extremamente importante o valor da temperatura e a sua estabilidade. A digestão anaeróbia pode funcionar numa larga gama de temperaturas, desde temperaturas psicrófilas cerca de 10ºC, até temperaturas termófilas extremas acima de 70ºC (Scherer et al., 2000). No entanto, a variação de 2 a 3ºC pode dar origem a modificações no processo de digestão anaeróbia, pois diferentes gamas

de temperaturas originam populações de bactérias totalmente distintas. Assim, a temperatura é um parâmetro importante nas reacções anaeróbias, tanto do ponto de vista cinético como do ponto de vista termodinâmico, devendo ser medida de modo a permitir o ajuste perfeito da temperatura desejada para o funcionamento dos reactores anaeróbios.

De modo geral, o processo de digestão anaeróbia pode ser realizado em três gamas de temperatura, psicrófila de 15-25ºC, mesófila de 30-40ºC e termófila de 45-60ºC. Em estudos de digestão anaeróbia de frutas e vegetais realizados nas três gamas de temperatura verificou-se que a produção de biogás aumentou da gama psicrófila para a mesófila e desta para a termófila (Bouallagui et al., 2004a). A maior parte dos processos de digestão anaeróbia de resíduos, em particular a sua fracção orgânica são efectuados nas duas gamas de temperatura, mesófila e termófila, tendo sido identificado o máximo de actividade para a gama mesófila de 35ºC e para a gama termófila de 55ºC (Mata-Alvarez, 2002a). De Baere (2000) refere que a capacidade instalada das estações de tratamento por digestão anaeróbia da FORSU está praticamente dividida de forma idêntica pelas duas gamas de temperatura.

Para que o processo de digestão anaeróbia seja optimizado são necessárias diversas substâncias, quer orgânicas quer inorgânicas, nomeadamente, fósforo e azoto denominados nutrientes, enxofre, vitaminas e alguns elementos minerais, em quantidades vestigiais, designados micronutrientes. Para que um substrato seja digerido por via anaeróbia é recomendada uma relação CQO/N/P de aproximadamente 600/7/1 (Mata-Alvarez, 2002a). No caso da FORSU não é necessária a adição de nutrientes e micronutrientes, pois geralmente estão presentes neste tipo de substrato em quantidades suficientes para que o crescimento da população microbiana não seja limitado (Mata-Alvarez, 2002a). Num estudo em que foram testados como substratos frutas e vegetais, provenientes de um mercado, verificou-se que a relação de C/N/P de 100/4,6/0,5 era adequada à digestão anaeróbia (Bouallagui et al., 2003).

Existem diversas substâncias comuns que podem afectar o processo de digestão anaeróbia e que são consideradas tóxicas ou inibidoras a partir de determinado limiar. Do primeiro conjunto desse tipo de substâncias fazem parte os compostos comuns nos ambientes anaeróbios, nomeadamente substratos, nutrientes e elementos vestigiais. Normalmente este tipo de compostos é necessário para o crescimento celular, mas a partir de determinada concentração torna-se inibidor. Um segundo conjunto é constituído por compostos pouco comuns nos sistemas biológicos os designados xenobióticos. Exemplos deste tipo de compostos são o clorofórmio, os antibióticos e os cianetos, que podem provocar grandes

perturbações no metabolismo celular, mesmo para concentrações bastante baixas. Outro conjunto de compostos é constituído pelas gorduras e fenóis (Amaral, 1997).

No caso da digestão anaeróbia da FORSU os problemas com substâncias tóxicas são causados principalmente pela concentração excessiva de AOV. Se a recolha dos resíduos for realizada por recolha selectiva é raro aparecerem outro tipo de compostos tóxicos (Mata-Alvarez, 2002a).

Os AOV são compostos intermediários da degradação anaeróbia, como já foi referido, no entanto as suas espécies não ionizadas são relatadas como as mais tóxicas, porque podem difundir-se facilmente à parte inerte das células. A toxicidade dos AOV é influenciada pelo pH e pela alcalinidade, pelo que o seu limite depende destes dois parâmetros (Mata-Alvarez, 2002a). Se o pH da reacção for baixo, a fracção não ionizada é suficientemente significativa para que uma concentração de AOV não seja tolerada. Para valores de pH iguais ou superiores a 7 os AOV são relativamente pouco tóxicos (Amaral, 1997). De entre os AOV, os ácidos propiónico e butírico são descritos como os mais inibidores. De acordo com Angelidaki et al. (2005), que realizou um estudo sobre dezoito estações de tratamento principais, com produção de biogás durante cerca de três anos, o limite da concentração dos AOV é de 1,5 g.L-1.

A amónia é um nutriente essencial para os microrganismos anaeróbios, sendo que uma concentração de amónia de aproximadamente 200 mg.L-1 é benéfica para o processo

anaeróbio, mas a partir de determinada concentração inibe a metanogénese (Liu e Sung, 2002). Nos meios anaeróbios existe um equilíbrio entre o ião amónio (NH4+), a amónia

(NH3(aq)) livre em solução, o amoníaco (NH3(g)), o ião hidrogénio (H+) e o ião hidroxilo (OH-),

de acordo com as seguintes reacções:

NH4+(aq) NH3(aq) + H+ (1)

NH3(aq) NH3(g) (2)

H2O H+ + OH- (3)

Pelas reacções apresentadas verifica-se que a relação entre a concentração do ião amónio e a amónia depende do pH (Liu e Sung, 2002), logo também no caso da amónia o pH influencia o limiar de inibição, assim como, a solubilidade e a temperatura. Tal como nos AOV é a espécie não ionizada (NH3) a tóxica (Mata-Alvarez, 2002a). Angelidaki et al. (2005)

obtiveram uma relação entre a concentração de amónia e a concentração de AOV, pelo que, concentrações de amónia a partir de 4 000 mgN.L-1 implicam o aumento dos AOV,

diminuindo assim a eficiência da degradação dos substratos. No entanto, Callaghan et al. (2002), em testes de co-digestão, verificaram que para uma concentração de amónia livre superior a 100 mg.L-1 existia inibição. Nos estudos realizados por Liu e Sung (2002),

verificou-se que a aclimatização da biomassa, em reactores de mistura completa e em condições termófilas, reduzia o efeito de inibição, tendo-se deste modo obtido uma concentração de amónia total (NH3 + NH4+) letal de aproximadamente 10 000 mg.L-1.

Para além da amónia também os sulfuretos podem inibir o processo anaeróbio. Apesar de os sulfuretos serem essenciais para a síntese celular das bactérias metanogénicas, pois fornecem a fonte de enxofre, em concentrações superiores podem tornar-se tóxicos, dependendo do pH do meio. No caso do sulfureto de hidrogénio o limiar de toxicidade está entre 100-150 mg.L-1 (Koster et al., 1986).

Mata-Alvarez (2002a) refere que a literatura apresenta limiares para o sulfureto de hidrogénio que vão desde 200 a 1500 mg.L-1, dependendo das condições do meio,

nomeadamente pH, alcalinidade e adaptação bacteriana.

Os iões metálicos podem actuar como estimulantes ou inibidores do processo anaeróbio, como valores de referência pode mencionar-se que concentrações acima de 1 mg.L-1 para

os metais pesados e 5-8 mg.L-1 para os metais do Grupo II podem ser tóxicos, tendo em

atenção que estes valores estão dependentes dos factores ambientais (EPA, 1974).

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