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Parâmetros para correção oficial das produções textuais

O fracasso apontado pelos vetores indicativos dos resultados das produções do Enem 2014, em que observamos que apenas 1.226.014 dos 6.193.565 obtiveram uma nota competitiva, ou seja, menos de 20% dos concluintes do Ensino Médio, requer uma análise dos critérios de correção que permeiam as avaliações. Abaixo, o quadro oficial de correções das produções textuais:

Quadro 4 - Níveis de avaliação por competência segundo o Inep

Fonte: http://www.inep.gov.br/

De acordo com o Guia do Participante do Enem, cada avaliador atribuirá uma nota entre 0 (zero) e 200 (duzentos) pontos para cada uma das cinco competências, e a soma desses pontos comporá a nota total de cada avaliador, que pode chegar a 1000 (mil)

pontos. A nota final do participante será a média aritmética das notas totais atribuídas pelos dois avaliadores. A discrepância será caracterizada pela divergência de notas atribuídas pelos avaliadores quando elas diferirem, no total, por mais de 100 (cem) pontos ou a diferença for superior a 80 (oitenta) pontos em qualquer uma das competências. Nesses casos, A redação será avaliada, de forma independente, por um terceiro avaliador. A nota final será a média aritmética das duas notas totais que mais se aproximarem. Persistindo a discrepância, A redação será avaliada por uma banca presencial composta por três professores, que atribuirá a nota final do participante.

O Guia ainda elucida que a redação receberá nota 0 (zero) se apresentar uma das características a seguir: fuga total ao tema; não obediência à estrutura dissertativo- argumentativa; texto com até 7 (sete) linhas; impropérios, desenhos e outras formas propositais de anulação ou parte do texto deliberadamente desconectada do tema proposto; desrespeito aos direitos humanos; e folha de redação em branco, mesmo que haja texto escrito na folha de rascunho. Em caso de cópia dos textos motivadores ou de trechos de questões do caderno de perguntas, essas linhas serão desconsideradas para efeito da correção. Quanto ao título, temos “O título é um elemento opcional na produção da sua redação e será considerado como linha escrita.” (Guia do Participante, p.9). Essa informação será de grande valia no momento em que pretendermos elucidar o gênero textual solicitado no referido vestibular, através de um contraponto com o artigo de opinião, gênero em que o título é parte constituinte e relevante.

No ensino-aprendizagem da língua materna, todas as competências avaliadas devem ser desenvolvidas, certamente em um trabalho conjunto com todas as demais áreas do saber. Sobre a competência 1 – domínio da norma padrão -, sabemos da necessidade imperativa da compreensão da importância do ensino dos aspectos relacionados à apropriação da norma culta como conhecimento libertador para a igualdade social, para a autonomia cidadã e para a potencialização da capacidade de autoria. Ao solicitarmos a produção de um texto, especialmente da tipologia do expor/argumentar, é comum encontrarmos alunos com o discurso “gostaria de escrever tal coisa, mas é difícil colocar as ideias no papel”, ou, ainda, “só não sei como começar”. É imprescindível que o professor seja capaz de instrumentalizar seu aluno para a compreensão e interação com a realidade de modo eficaz. Dessa forma, entre as diferentes variantes linguísticas, todas relevantes, a norma culta fica, muitas vezes, inacessível à maioria da população, restringindo-se a uma

minoria que a utiliza como ferramenta de dominação, perpetuando a desigualdade social. Os vestibulares de acesso às melhores universidades brasileiras contemplam tal apropriação, seja através de questões específicas relacionadas à gramática, seja através da compreensão de obras literárias desenhadas a partir de seu domínio, cujo entendimento está intrinsecamente relacionado ao conhecimento da norma culta. A produção textual do Enem não é uma exceção. Esse é um trabalho iniciado desde o processo de alfabetização, que acompanha o indivíduo por toda sua trajetória, privilegiadamente no ambiente escolar.

Sobre a competência 4 – demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação -, nossa justificativa está pautada na necessidade social cotidiana de expor uma ideia com coesão, motivo primeiro para o destaque ao ensino-aprendizagem dos mecanismos capazes de garantir a construção da argumentação. Defender um ponto de vista é condição para a inserção social cidadã, para a conquista de direitos, para a execução de deveres. Essas facetas sociais estão presentes o tempo todo, em diferentes graus, no cotidiano, desde que iniciadas as atividades nas diferentes esferas sociais. Portanto, ainda que os mecanismos mais sofisticados somente devam ser estudados no Ensino Médio, as questões estruturais podem e devem ser iniciadas no Ensino Fundamental, com certo rigor no ciclo II, equivalente ao 8º e 9º anos.

Há diferenças entre a Competência 1 e a Competência 4, embora as duas tenham relação com as estruturas linguísticas empregadas no texto. A primeira diz respeito a questões gramaticais (sintaxe, regência, concordância, pontuação, morfologia, colocação) e de convenções da escrita (envolvem o uso inadequado de letras e acentos gráficos). A Competência 4 diz respeito ao entrelaçamento entre as partes do texto, à progressividade sintática, à sequenciação das ideias, à articulação entre os diversos segmentos textuais. A Competência 1 analisa as estruturas sintáticas empregadas no texto e a obediência às convenções da escrita. Problemas de pontuação específicos — vírgula em lugar de ponto, ausência de vírgula para separar termos adverbiais, entre outros são avaliados na Competência 1. Não se exige do participante do ENEM 2015 a escolha entre o emprego das regras de um ou de outro acordo ortográfico, mesmo que haja grafias de ambos os acordos no texto.

A Competência 4 focaliza a coesão, que se caracteriza pela articulação das ideias de um texto em um todo significativo. Por coesão se entendem a articulação, a ligação, a

relação, os nexos que se estabelecem entre os elementos que constituem a tessitura textual. Sua verificação é tanto sintática e gramatical, como também semântica, pois, em muitas situações, os mecanismos coesivos se baseiam em uma relação entre os significados de elementos do texto. A coesão estabelece conexões, articulações, ligações, concatenando as ideias, e permite a progressão do texto em direção à comprovação da proposição que se visa defender. Isso significa dizer que a estrutura gramatical das frases trata de criar coesão entre os constituintes de um texto. O avaliador do Enem, na Competência 4, observa principalmente três eixos de coesão: a coesão referencial, a coesão sequencial e ainda a coesão interfrásica.

É de extrema pertinência a avaliação da competência 4 separadamente da competência 1, haja vista o tratamento dado ao conceito dialógico da linguagem, em que o texto é considerado um elemento de mediação no processo de interação social:

O texto será entendido como uma unidade linguística concreta (perceptível pela visão ou audição), que é tomada pelos usuários da língua (falante, escritor/ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa específica, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, independentemente da sua extensão." (KOCH e TRAVAGILA, 1989)

Outra concepção será considerada ao intentarmos analisar as demais competências relacionadas à compreensão dos textos motivadores apresentados na proposta do vestibular em questão, a saber "Embora a palavra texto tenha como referente 'conjunto verbal', podemos estendê-la aos signos em geral, definindo texto como um processo de signos que tendem a iludir seus referentes, tornando-se referentes de si mesmos e criando um campo referencial próprio.” (PIGNATARI, 1996).

Para BERNÁRDEZ (1982), há um consenso nas diferentes concepções de texto, independentemente de seu enfoque ser mais social, mais cognitivo, mais processual ou na perspectiva da teoria da comunicação. Essa convergência diz respeito a dois pontos básicos: o texto é uma unidade comunicativa e produto de uma atividade. Justamente para definição dessa unidade, de cunho essencialmente sintagmático, é necessária a compreensão dos mecanismos de coesão, para o que há várias propostas. Por considerarmos a de KOCH (1989) aquela que melhor atende ao observado no Guia do Participante, recorreremos a ela, cujos preceitos reconhecem dois tipos de mecanismos coesivos: a referenciação e a sequenciação.

A REFERENCIAÇÃO, segundo a autora, é um componente superficial (referencial ou remissivo) que remete a outro elemento de referência do universo textual – uso de formas gramaticais ou lexemas, seja através das formas gramaticais ou lexemas, a saber:

 FORMAS GRAMATICAIS 1.Pró-formas

1.1 pronominais – pessoais, possessivos, demonstrativos, indefinidos etc 1.2 adverbiais – advérbios pronominais (lá, aqui, aí, onde)

1.3 verbais – Alguns verbos, como fazer, que remetem a todo o predicado 2. Definitivação

A informação já vem definida por um referente definido e sua retomada se faz por outro definido.

3. Elipse

Supressão de elementos já introduzidos no texto  LEXEMAS

Emprego de grupos nominais definidos

Nominalizações: nomes deverbais que remetem ao verbo ou a argumentos anteriores, expressões sinônimas

A SEQUENCIAÇÃO estabelece relações semânticas ou pragmáticas entre as informações postas e as que serão acrescidas, garantindo a fluidez do texto:

 Sequenciação parafrástica: recorrência de termos. Estruturas sintáticas (paralelismo sintático), de recursos fonológicos, de conteúdos semânticos (paráfrases).

 Sequenciação frástica: não utilização de procedimentos de retomada – manutenção

temática, utilização de palavras do mesmo campo lexical, e seu encadeamento pode acorrer por justaposição, sem partícula, fundindo-se em um caso de coerência, pois o leitor deve recuperar as relações de sentido nas frases, ou com partícula, através de marcadores de situação de tempo ou espaço (após, algum dia etc), cuja conexão é feita pelas conjunções - conectores interfrásicos, de diferentes relações semânticas.

A coesão referencial é aquela que se estabelece entre dois ou mais componentes da superfície textual que remetem a (ou permitem recuperar) um mesmo referente (que pode, evidentemente, ser acrescido de outros traços que se lhe vão agregando

textualmente). Esse tipo de coesão é feito pela citação de elementos que já apareceram, ou vão aparecer, no próprio texto. Existe também a coesão por ausência de um elemento referencial (Ø), a elipse, uma estratégia que permite a omissão de elementos facilmente identificáveis ou que já tenham sido citados anteriormente. Algumas vezes, essa omissão é marcada por uma vírgula. Pronomes, verbos, nomes e frases inteiras podem estar omissos. A coesão pode ser lexical: hiperônimos, sinônimos, nomes genéricos, expressões nominais definidas, repetição do mesmo item lexical e nominalizações. Por isso, pode-se estabelecer uma corrente de significados retomando-se as mesmas ideias e partes de ideias por meio de diferentes termos e expressões. Essa corrente é formada pela reutilização intencional de palavras, pelo uso de sinônimos, ou, ainda, pelo emprego de expressões equivalentes para substituir termos já usados, ou para identificar ou nomear elementos que já apareceram no texto.

A coesão sequencial é feita por mecanismos de recorrência de termos, escolha lexical, de estruturas, paralelismos ou de conteúdos semânticos, paráfrases, com expressões como “isto é”, “ou seja”, “quer dizer”, “ou melhor”, “em outras palavras”, “em síntese”, “em resumo”.

Por fim, temos a coesão Interfrásica, que opera mecanismos de sequenciação, marcando diversos tipos de interdependência entre as frases. Basicamente, a conexão interfrásica é assegurada por conectores: conjunções, advérbios, locuções conjuncionais, locuções adverbiais, preposições, locuções prepositivas, expressões adjetivas ou orações completas.

Como a avaliação das competências são independentes, o participante pode receber notas diferentes em cada uma delas. Entretanto, dificilmente alguém que recebeu nota muito baixa na Competência 1 terá condições de receber nota muito alta na Competência 4.

Quanto à avaliação da competência 2, o Guia do Participante elucida:

“(...) é a compreensão da proposta de redação – essa exige que o participante escreva um texto dissertativo/argumentativo, que é o tipo de texto que demonstra a verdade de uma ideia ou tese. É mais do que uma simples exposição de ideias. Nessa redação, o participante deve evitar elaborar um texto de caráter apenas expositivo. É preciso apresentar um texto que expõe um aspecto relacionado ao tema, defendendo uma posição, uma tese. É

dessa forma que se atende às exigências expressas pela Competência 2 da Matriz de Avaliação do Enem.” (Guia do Participante, p.13).

Em seguida, o documento apresenta algumas orientações para um bom desempenho, entre as quais apontamos “g) Lembre-se de que cada parágrafo deve desenvolver um tópico frasal.” (Guia do Participante, p.13). É preciso avaliarmos se o ensino de paragrafação pela teoria do tópico frasal está devidamente contemplado pelo material do aluno tanto do Ensino Fundamental quanto do Ensino Médio.

Segundo o documento, a estruturação do texto dissertativo-argumentativo também será avaliada na mesma competência, devendo o candidato utilizar informações de várias áreas do conhecimento, demonstrando que está atualizado em relação ao que acontece no mundo, evitar recorrer a reflexões previsíveis, que demonstram pouca originalidade no desenvolvimento do tema proposto, manter-se nos limites do tema proposto, sem se afastar do seu foco, o que o Inep apresenta como sendo um dos principais problemas identificados nas redações, incorrendo em fuga total ao tema ou fuga parcial ao tema.

Nesse sentido, compreendemos que todas as áreas do saber são corresponsáveis e precisam ser mobilizadas, afinal o conteúdo a ser apresentado dependerá da proposta solicitação e seu entrelaçamento com diferentes disciplinas. Por mais que conheçamos a estrutura do texto e dos mecanismos discursivos, é necessário que o ponto de vista a ser defendido tenha um caráter original e seja, ao mesmo tempo, permeado por outras vozes pertinentes àquele tema. Como a segunda Competência da Matriz traz dois aspectos que devem ser avaliados: a compreensão da proposta e a tipologia textual, é necessário, sem dúvida, uma discussão sobre as competências leitoras de diferentes gêneros textuais integrantes da coletânea motivadora e do entendimento da tipologia em questão, cabendo uma análise sobre qual gênero, afinal, é o solicitado pelo Enem. Retomaremos essa discussão no Capítulo 2. (2.1. Definindo o gênero: produção do Enem x Artigo de opinião)

Quanto à Competência 3, o Guia do Participante postula:

O terceiro aspecto a ser avaliado no seu texto é a forma como você seleciona, relaciona, organiza e interpreta informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa do ponto de vista defendido como tese. É preciso que elabore um texto que apresente, claramente, uma ideia a ser defendida e os argumentos que justifiquem a posição assumida por você em relação à temática exigida pela proposta de redação. Esta Competência trata da

inteligibilidade do texto, ou seja, da sua coerência, da plausibilidade entre as ideias apresentadas. A inteligibilidade da sua redação depende, portanto, dos seguintes fatores:

 relação de sentido entre as partes do texto;  precisão vocabular;

 progressão temática adequada ao desenvolvimento do tema, revelando que a redação foi planejada e que as ideias desenvolvidas são pouco a pouco apresentadas, em uma ordem lógica; e

 adequação entre o conteúdo do texto e o mundo real. (Guia do Participante, p.18)

Ao solicitar que o participante selecione informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista, pretende-se avaliar a da diversidade de informações, não só se essas são numerosas, mas também se elas são selecionadas a partir de diferentes áreas de conhecimento. Avalia-se, assim, o repertório variado de informações, não se limitando aos argumentos dos textos motivadores, com valorização ao repertório autoral do participante. Quanto à interpretação, valoriza-se o contexto das informações selecionadas em relação ao tema e ao ponto de vista defendido pelo participante.

Para uma boa avaliação na organização textual, observa-se de que modo o participante estabelece a hierarquia entre as informações selecionadas para a construção de cada um dos argumentos e também como organiza os argumentos entre si, estabelecendo um grau claro entre eles, através da consideração de suas fragilidades e distanciamentos do eixo central, potencializando o nível de persuasão. A relação desses argumentos constitui-se através do nexo entre os argumentos e as informações. A conexão, avaliada na Competência III, se dá no plano semântico, não no que tange ao emprego de mecanismos estruturais de coesão. É fundamental lembrar também que as operações de interpretação, organização e estabelecimento de relação entre os argumentos e informações são avaliadas conjuntamente, estabelecendo a consistência da argumentação. Ainda assim, observa-se que, embora não haja uma vinculação automática de notas, é incoerente atribuir notas muito diferentes nas competências II e III.

De acordo com o Guia do Participante sobre a competência 5, precisamos sublinhar que estamos diante de uma exigência particular desse exame, que diverge dos gêneros textuais que circulam na esfera escolar. Por esse motivo, torna-se necessário que tal competência seja separadamente trabalhada a partir do Ensino Fundamental, em diferentes situações. Abaixo, apresentamos o que solicita o Inep:

O quinto aspecto a ser avaliado no seu texto é a apresentação de uma proposta de intervenção para o problema abordado. Por isso, a sua redação, além de apresentar uma tese sobre o tema, apoiada em argumentos consistentes, deve oferecer uma proposta de intervenção na vida social. Essa proposta deve considerar os pontos abordados na argumentação, deve manter vínculo direto com a tese desenvolvida no texto e coerência com os argumentos utilizados, já que expressa a sua visão, como autor, das possíveis soluções para a questão discutida. A proposta de intervenção precisa ser detalhada de modo a permitir ao leitor o julgamento sobre sua exequibilidade, portanto, deve conter a exposição da intervenção sugerida e o detalhamento dos meios para realizá-la. A proposta deve, ainda, refletir os conhecimentos de mundo de quem a redige, e a coerência da argumentação será um dos aspectos decisivos no processo de avaliação. É necessário que ela respeite os direitos humanos, que não rompa com valores como cidadania, liberdade, solidariedade e diversidade cultural.” (Guia do Participante, p.23)