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CAPÍTULO 04: INTERSECÇÕES DO MIDI: DO ARCO SOCIAL À

1. PARA ALÉM DA TÉCNICA: O ARCO SONORO-SOCIAL DO MIDI

À parte dos benefícios técnicos trazidos pelo protocolo MIDI, sua ascensão pareceu inevitável também do ponto de vista criativo. A ressignificação é um processo constante, incontrolável e necessário, mas para que ocorra necessita de novos estímulos,

novas matérias-primas sobre as quais serão alicerçados novos significados, da mesma forma com que uma criação depende da matéria-prima absorvida na preparação (WALLAS, 1926). Percebe-se, pois, um impulso cíclico de retroalimentação. Se por um lado a música para cinema buscava uma nova matéria-prima transformadora – assimilando o advento do protocolo MIDI – por outro, a tecnologia MIDI ressignificou a música de cinema por ter conquistado um espaço efetivo dentro desse ambiente criativo, uma vez que lhe permitiu desdobramentos significativos ampliando as possibilidades de exploração sonora e de expansão estética.

A práxis do protocolo MIDI na música para cinema do século XXI é uma realização complexa, visto que seu arco abrange desde os estímulos criativos intrínsecos ao compositor até o significado último da obra audiovisual em si. O “(...) processo discursivo, ativo e intencional, que dura um certo tempo e cujo resultado pode ser um certo número de julgamentos ou um certo número de ações consumadas deliberadamente” (ENGEL, 2008 apud MANNIS, 2008: 22) – o pensamento – constrói a base para que as etapas de um processo criativo se estabeleçam e este se inicie, seja o estágio inicial deste processo a preparação (WALLAS, 1926) ou a apreensão (KNELLER, 1965). Este ato criativo naturalmente se enveredará no manuseio de ferramentas de criação; plataformas analógicas e/ou digitais, com suas respectivas interfaces, com o objetivo final de transmutar ideias em sons. Esta relação, aqui tratada como micropolifonia, visa tão somente a constituição de um material musical que venha a compor a trilha musical do filme que, por sua vez, se alinhará com os demais elementos sonoros da obra audiovisual (macropolifonia) que, por fim, atribuirá um significado particular àquela obra. Esta obra, uma vez compartilhada no meio social, contribuirá para estabelecer, juntamente com as demais obras de mesma natureza, a identidade sonoro-estética cinematográfica de um determinado momento histórico.

Logo, ao reiterar a importância da concepção, ascensão e incorporação da tecnologia MIDI na música fílmica, não estou a me limitar às ressignificações exclusivamente musicais advindas de tal protocolo. Trata-se da compreensão plena de que a utilização da tecnologia MIDI induziu à ressignificação no cinema enquanto arte, em todas suas instâncias. Em outras palavras, estou a afirmar que sem o protocolo MIDI certamente não só a música, mas a linguagem e a arte cinematográfica como um todo não seriam as mesmas no século XXI.

É possível estender ainda mais o alcance do impacto do protocolo MIDI no cinema se considerarmos que, além de desdobramentos sonoros e estéticos, ele também provocou uma reformulação de caráter educacional e mercadológico, ao passo que, ao mesmo tempo em que demanda de saberes específicos que viabilizem sua aplicação prática, cria novas funções no mercado de trabalho, e ainda transforma outras, como a já mencionada figura do compositor. Se até o presente momento desta reflexão a tecnologia MIDI havia impactado a arte cinematográfica no campo técnico e dos significados dessa linguagem, agora ela também afeta o campo social e econômico da sociedade, estabelecendo um grande arco que vai do primeiro impulso do pensar do compositor à realidade econômica de uma sociedade.

Logo, se ao analisarmos a relevância do protocolo MIDI na música de cinema do século XXI não compreendermos a dimensão real desse impacto nas mais variadas esferas da sociedade, a análise fica incompleta, superficial; seria como desgastar-se na análise da grafia de uma nota na partitura desconsiderando seu resultado sonoro e seus múltiplos significados artísticos, expressivos e emocionais.

Esse arco estabelecido pelo protocolo MIDI constitui uma via de mão dupla, conforme solidifica um fluxo criativo-social sobre o qual a produção cinematográfica orbita. Se por um lado nossa análise pode partir do intelecto do compositor até atingir o aspecto financeiro dos centros de produção fílmica, podemos também pensar no processo inverso. A realidade financeira de um centro de produção cinematográfica proporcionará condições de manter diversos profissionais, como compositores, exercendo seu ofício. Havendo profissionais haverá também fabricantes das mais diversas ferramentas de trabalho a serem utilizadas, bem como estará presente o interesse no desenvolvimento de novas ferramentas (desde instrumentos acústicos até softwares de criação musical). Munido de tais ferramentas, o compositor tem em mãos os recursos que necessita para expressar-se artisticamente e, quanto maior a variedade de ferramentas e possibilidades de criação, mais estímulos para criar.

Traço, assim, uma linha direta que percorre os três capítulos anteriores ao presente, uma linha que parte do estabelecimento de princípios da linguagem audiovisual, sobre a qual todo este trabalho é construído, passa pelo impulso criativo do compositor, toca as ferramentas utilizadas por ele e culmina em modificações sociais externas. Este arco reflete a maneira com que proponho o pensar da tecnologia MIDI no cinema. A uma ferramenta não basta existir, mas precisa ser útil, e sua utilidade se dá a partir do momento

que é manuseada na construção ou manutenção de um objeto. Por mais complexa que seja, se sua existência não culminar em algum grau de interferência, ainda que mínimo, no ambiente ao seu redor e no contexto em que existe, não há razão para existir. Por isso a motivação de propor uma análise acerca do protocolo MIDI não pelo viés técnico, pois aqui tal análise seria limitada. Proponho um olhar não na ferramenta e em seu modus operandi, mas nas transformações ocasionadas por ela, na interferência causada pela tecnologia MIDI na música fílmica do século XXI e, por consequência, em toda a cultura cinematográfica corrente.

A lógica proposta é a de que todo enunciado 107 necessita de um campo que viabilize sua existência. Este campo é a obra audiovisual. Os protagonistas desse diálogo são os agentes criadores e a sociedade, que agirão de maneira responsiva numa virtualidade ativa, cujos significados aqui são de extrema valia. Para que esse diálogo ocorra os agentes criadores – aqui resumidos na figura do compositor – fazem uso de seu arcabouço teórico e suas experiências (acumuladas através da relação consigo e com as ferramentas das quais dispõe), e tudo isso por meio de um fio condutor que é o centro deste estudo: o protocolo MIDI.

A coerência de se refletir sobre a relação entre o compositor e suas ferramentas básicas iniciais de trabalho, conforme o conceito apresentado de micropolifonia, não está na interação em si. Por se tratar de uma relação em muito técnica, torna-se apenas uma via de acesso para que um enunciado maior e mais carregado de significados seja estabelecido. Trata-se, porém, de parte fundamental no processo, pois resume o que seria talvez a interação primeira do compositor – após o próprio pensamento – com as interfaces mediadoras do discurso musical. Deve-se entender também que há um profundo espelhamento entre a dimensão micro do processo de construção do discurso musical cinematográfico com a dimensão macro, levando este conceito a um entendimento de que as microrrelações exercidas pelo compositor dentro de seu home studio espelham as macrorrelações presentes no discurso de uma obra audiovisual, visando uma ainda maior relação de sintonia entre a obra e seu público.

Também a complexidade das interfaces espelha a complexidade da linguagem a que estamos a analisar. Isolando a interação do compositor com sua interface principal de trabalho – consideremos um computador – veremos que milhares de relações

podem ser estabelecidas nessa interação, visto a multiplicidade de possibilidades semióticas presentes em uma interface (OLIVEIRA; BARANAUSKAS, 1999). Se entre compositor e interface existe uma infinidade de expressões e significados, também em uma obra audiovisual, porém estes ainda potencializados pelo acúmulo de estímulos (trilha musical, foley, diálogo, imagem). Propõe-se, assim, o estabelecimento de um ponto comum no processo criativo que parte da primeira lida do compositor com sua interface primária de trabalho e cruza todo o processo de produção fílmica, resultando em relações similares, porém bem mais amplas em termos de teor semiótico, na resultante da produção, a obra audiovisual em si.

Uma vez esclarecidas algumas das relações técnicas, vem à tona outro aspecto do arco deste trabalho, que é o estabelecimento do eu criador. Partindo do ato de pensar, atribui-se valor ao que é criado. Saímos de relações estritas a ferramentas para um espaço em que a virtualidade vem à tona. Às ferramentas, sejam interfaces ou instrumentos acústicos, são atribuídos significados múltiplos conforme os gestos, estímulos, conhecimento teórico e experiência de vida do compositor. Aqui o enunciado amplamente se expande, pois é carregado de intenções, conforme o contato com as múltiplas interfaces o fazem ressignificar discursos prévios. Tal expansão é ainda amplificada no momento em que esse enunciado entra em contato com outros receptores – aqui podemos inferir que sejam diretores ou produtores – momento este de encontro que vivifica a relação dialógica e a torna campo de conflito (BAKHTIN, 1986). E da mesma forma que as microrrelações internas a um home studio espelham macrorrelações externas, também aqui o campo de conflito dialógico presente na interação compositor-diretor funciona como amostra do imenso campo de conflito gerado a partir do momento em que uma obra audiovisual, como porta-voz de um oceano de significados e estímulos semióticos, é lançada a público; a uma imensidão de receptores.

Todavia, ainda que o eu criador munido de suas ferramentas de trabalho configurem um amplo campo de estudo, não teria propósito a presente análise na ausência de um fio condutor que justificasse tais reflexões. O eu criador utiliza de seus aparatos com uma finalidade, e o meio através do qual ele atinge seu objetivo é o protocolo MIDI.

Apresentado aqui como via central de criação, o MIDI foi o meio eleito através do qual a música de cinema do século XXI amparou sua configuração estético- sonora, e isso o torna tão importante. É claro que todas as demais tecnologias associadas à produção musical fílmica também contribuíram na definição dessa estética, porém

acredito ser a tecnologia MIDI uma das mais revolucionárias formas, senão a maior, de criação musical para cinema desde as últimas décadas do século XX. Isso não torna o protocolo MIDI autônomo. Ele depende invariavelmente de instâncias complementares, logo, não se trata de uma tecnologia autossuficiente, mas considerando a amplitude de possibilidades viabilizadas por ele certamente não há muita dúvida de seu papel e do porquê ter sido tão bem recebido no cinema e não dar sinais de que venha a sair de cena mesmo estando a mais de trinta anos dentro deste mercado.

Assim, o protocolo MIDI torna-se o elemento de convergência de toda e qualquer análise neste trabalho proposta, um elo que atribui sentido ao pensar e fazer musical, o meio que impulsiona a formação de enunciados musicais e termina por proporcionar significados múltiplos aos campos de conflito vigentes em virtude da existência de uma obra audiovisual. Se o compositor se inspira, lida com suas ferramentas e cria enunciados tais como reverberam na música corrente cinematográfica, é porque há esse elemento comum em todas as etapas do processo criativo que, seja estimulando ou limitando sua criação, a torna possível.

2. INCLUSÃO COMO VIA DE TRANSFORMAÇÃO ESTÉTICO- SONORA

À parte da reflexão agora feita, outro aspecto do protocolo MIDI que merece destaque é sua capacidade de inclusão artística. Da mesma forma que hoje os smartphones permitem que amadores atuem como fotógrafos (não só no que tange ao registro fotográfico, mas também em aspectos de edição, correção e disseminação de conteúdo), a tecnologia MIDI abriu caminhos para que amadores, mediados por sintetizadores digitais e bibliotecas de som, galgassem seus caminhos indústria à dentro. E isso é positivo. Ora, tão vasta e diversa que é, seria presunçosa, preconceituosa e anacrônica a afirmação de que não há espaço para iletrados 108 na indústria do cinema do século XXI.

Se as tecnologias têm se renovado com o passar do tempo, a característica inclusiva da arte permanece a mesma. Ainda que com resultados passíveis de diferenças entre aqueles que detém domínio técnico sobre suas ferramentas em relação àqueles que não as tem, a arte nunca se caracterizou pelo caráter excludente. Aliás, em muitos casos, exatamente os

indivíduos tidos como “intrusos” em determinado campo de atuação são justamente aqueles que revolucionam a prática corrente daquele ofício. A música de cinema traz exemplos disso: indivíduos como Hans Zimmer, Danny Elfman e James Newton Howard não somente quebraram formais paradigmas acerca da figura do compositor, mas estabeleceram um novo direcionamento estético para a música de cinema.

A acessibilidade da tecnologia MIDI tornou-se ubiquidade. Padrão que se tornou, é hoje passível de ser utilizada nas mais simples plataformas de criação. Qualquer indivíduo tem a seu alcance qualquer formação musical, instrumental ou vocal, tonal ou atonal, tradicional ou avant-garde, e pode fazer uso desse recurso para simular sonoridades preexistente ou inaugurar sonoridades desconhecidas. Dentro de uma sociedade marcada pelo compartilhamento de informações em tempo real e em nível mundial, e devido à relação com interfaces múltiplas de criação 109, este indivíduo tem a seu alcance não somente a tecnologia em si, mas também o acesso às vias de aprendizado que o permitirão, de maneira autodidata, manipular tais ferramentas e, posteriormente, disseminá-las mundialmente.

A emergência do protocolo MIDI simultaneamente à do home studio formou uma combinação perfeita quando se trata de acessibilidade aos meios criativos. Diante de uma estética instituída – a orquestral 110– que mantinha sua primazia ao longo de quase cem anos de utilização, era mister a emancipação de uma nova alternativa estética aplicada à música fílmica. E nada mais apropriado do que uma inovação fundada em ferramentas de fácil acesso que despertassem a busca pelo domínio técnico mesmo daqueles que em um primeiro momento não o tinham. É absolutamente plausível afirmar que o protocolo MIDI, por meio das bibliotecas de som e sintetizadores digitais, trouxeram novos ares à música de cinema, libertando-a estética e sonoramente da crescente pressão sobre a música orquestral.

É claro que facilidade de acesso não significa banalizar o potencial da ferramenta. Em outras palavras, uma ferramenta fácil de se adquirir não necessariamente é fácil de se utilizar. Acessibilidade e manejo são instâncias lineares, porém independentes. Em termos estéticos, e resguardando-nos das especificidades dos

109 Vide a multiplicidade de interações proporcionadas por uma interface segundo Oliveira; Baranauskas (1999)

110 Não se trata de desprezar tal sonoridade, ou afirmar que esta tinha esgotado suas possibilidades criativas, mas apenas de reconhecer que este modelo já beirava um estágio de repetição, de dificuldade de se renovar esteticamente.

diferentes momentos históricos, podemos traçar um paralelo entre a relação cinema mudo – cinema sonoro com a relação música orquestral – protocolo MIDI (sound libraries).

A emergência do cinema sonoro foi de extrema valia para a arte cinematográfica não somente pela satisfação em se ouvir sons vindos diretamente das telas, mas especialmente pelo escape estético que esta tecnologia proporcionou. Com um hábito de construção de discurso que já beirava trinta anos, o cinema mudo, apesar de ainda não estar estagnado criativamente, passava por um momento de provação, uma iminente pressão de renovação, e a maior prova disso é o sucesso de aceitação que o cinema sonoro obteve tão logo foi proposto em seus primeiros filmes, como o já mencionado “O cantor de jazz” (1927). A partir de um universo tão fresco de possibilidades de escrita de roteiro, composição musical, formas de interpretação cênica, direção etc. o cinema foi capaz de subir à superfície, tomar um novo fôlego e se reinventar pelas décadas subsequentes.

Da mesma forma a música orquestral diante do advento do MIDI nas trilhas musicais para cinema. Mesmo se reinaugurando com diferentes formatos ao longo do século XX (o romântico europeu até a década de 1950, o flerte com gêneros populares como o jazz nos anos 60 e a incorporação de traços de música contemporânea e neoclássica nos anos 70), a sonoridade e o pensamento musical orquestral encontravam- se em xeque diante de uma estética aparentemente desgastada, o que parece inevitável e natural se analisarmos o arco histórico da própria música de concerto e suas constantes transformações ao logo dos séculos. O advento do MIDI e sua respectiva incorporação à música fílmica abriu uma massiva gama de possibilidades extremamente bem-vindas para uma arte que parecia buscar por um fôlego já escasso, e a maior prova disso, assim como na relação cinema mudo-cinema sonoro, é a aceitação e a súbita apropriação de tal linguagem na música para filmes.

Assim como na tecnologia sonora implementada no início da década de 30, não se trata da tecnologia em si, mas especialmente de como esta tecnologia afeta o que tange os processos criativos embutidos na construção da linguagem audiovisual. Em outras palavras, a tecnologia seria apenas um pavimento; o trampolim sobre o qual os agentes criadores tomam impulso para a partir dela expressarem-se e atribuírem os mais diferentes graus de significados em seus discursos.

Isto posto, vale lembrar que se o cinema sonoro não veio em resgate do cinema mudo, assim também o protocolo MIDI e seus desdobramentos na música fílmica

não veio em resgate da música orquestral. Não se trata da substituição de uma tecnologia precária por uma consistente, tampouco da substituição de uma forma de linguagem oca por uma recheada de significados. Tanto o cinema sonoro quanto a tecnologia MIDI surgiram e foram incorporados a partir de uma demanda sonora e estética do próprio meio, sem nunca ter tido a pretensão de substituir seu antecessor. A presença da tecnologia MIDI é extremamente popular na composição musical para cinema no século XXI, mas isso não significa que sem ela não exista mais música para filmes. Mesmo que com frequência trilhas orquestrais façam uso do protocolo MIDI em algum momento de sua concepção (como nas mockups, por exemplo), ainda existem compositores que não fazem uso dessa ferramenta, como John Williams que, mesmo à beira de 2020 se utiliza exclusivamente de lápis, papel e um piano.

E se musicalmente o MIDI não tem a pretensão de sobrepor-se à música orquestral, também o cinema sonoro não teve, por iniciativa, a intenção de tirar de cena o cinema mudo. Prova disso é o fato de filmes ainda terem sido feitos no formato anterior mesmo após o advento do som vindo das telas, como é o caso de A paixão de Joana D’Arc (1928), Luzes da cidade (1931) e, recentemente, O Artista (2011).

No caso de Luzes da cidade, dirigido por Chaplin, o filme não possui diálogos, porém sua trilha musical foi composta pelo próprio Chaplin e sincronizada à película posteriormente, assim como no caso de O Artista. A princípio, o que poderia por conceito descaracterizá-los da condição de filme mudo na verdade transparece como uma consequente ressignificação estética do cinema, como uma resposta estética e sonora a uma inovação tecnológica que entrara em cena. Em Tempos modernos (1936), Chaplin se utiliza não somente de trilha musical, mas também de diversos sons ao longo do filme, exceto diálogos. Tratava-se de uma resistência pessoal de Chaplin em tornar um ícone mudo falante, mas simultaneamente de uma ressignificação estético-sonora escolhida pelo diretor. O mesmo pode ser identificado em O artista (2011). Apesar de um filme cuja música e fotografia buscam os moldes da década de 20, percebe-se claramente que o estilo de montagem remete à década de 2000, ou seja, não estamos a falar de filmes “puramente” mudos – e a meu ver a busca de tal puritanismo soaria extremamente anacrônica nos dias correntes – mas sim de ressignificações somente possíveis em virtude de inovações tecnológicas que, por sua vez, viabilizam novas apropriações de discursos

prévios que, somados ao ineditismo da visão pessoal do agente criador 111, atribuem uma virtualidade 112 à obra em questão.

Tratam-se, no final das contas, de diferentes opções estéticas e sonoras disponíveis para a indústria cinematográfica do século XXI que podem, a qualquer momento, retornarem às suas origens, visto que esses dois aspectos – estética e som – ligados entre si, estão em constante mutação, mutação esta de caráter certo, porém imprevisível.

A particularidade do protocolo MIDI aqui discutida – da inclusão – fundamenta-se numa via extremamente eficaz de transformação sonora e estética, visto

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