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PARA ONDE VÃO OS DEGREDADOS DA METRÓPOLE?

No documento E STUDO SOBRE A “C (páginas 96-103)

1. Lembranças, memórias e sonhos em Ribeirão das Neves: o futuro sem passado?

1.2. PARA ONDE VÃO OS DEGREDADOS DA METRÓPOLE?

“A concentração do poder em nosso país, tanto na ordem nacional, como na provincial ou estadual, processou-se através do enfraquecimento do município”.

(LEAL, 1975)

Ribeirão das Neves acolheu diversas pessoas que não se estabeleceram de forma digna em Belo Horizonte nos seus primeiros anos. Tal acolhimento, no entanto, ocorreria de forma mais adensada décadas depois. Segundo Alves (1994) o motivo para que este município fosse colocado, pelo IBGE, como o que teve a maior taxa de crescimento populacional do País, na década de 1970, foi a comercialização dos chamados “Loteamentos Populares” nos seus limites geográficos. Os lotes comercializados não possuíam infra-estrutura urbana adequada para a sua ocupação. As melhorias deveriam se originar da organização dos moradores, o que nem sempre era possível ou desejável.

O sonho de viver e morar em um terreno próprio, sem a necessidade de pagar aluguel, debitando prestações mensais módicas para adquirir um bem permanente, motivou milhares de pessoas a se deslocarem para Ribeirão das Neves. Mais um retrato da expansão da metrópole e de suas conseqüências nas políticas públicas de habitação, saúde e educação dos municípios vizinhos.

Novamente as trevas estavam postas. Faltou uma política pública que acolhesse, na mesma proporção, os equipamentos urbanos para os novos habitantes. Não havia – como em muitos bairros ainda hoje não há – iluminação

pública, saneamento básico, escolas, transporte e segurança. Nas ruas de Ribeirão das Neves encontramos diversos dos problemas citados (Foto 04)

FOTO: 4 – As ruas são retratos da precariedade da vida cotidiana de grande parte dos moradores de Ribeirão das Neves. Em muitas delas, a comercialização de imóveis está presente de várias formas (Foto: Paulo Oliveira, 2003)

Aspectos da vida cotidiana, em Ribeirão das Neves, são percebidos nas ruas estreitas abandonadas pelo poder público e na ausência de espaços de lazer. A pobreza material, atrelada ao pouco avanço da cidadania não impede que a comercialização de imóveis, muitos deles, irregulares, seja prática comum no município. A idéia de não pagar aluguel ganha força.

Em 1930, segundo Silva (1992, p.29), Fortaleza, capital do estado do Ceará, vivia movimento semelhante ao ocorrido em Ribeirão das Neves, com o crescimento demográfico elevado sem uma mesma velocidade na garantia de infra-estrutura urbana adequada.

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A partir da década de [19]30, Fortaleza acusa um crescimento demográfico elevado que se refere ao aumento da sua área urbana. Contudo, a expansão da cidade a partir do aumento da população não gerou a ampliação relativa a infra-estrutura urbana, tais como calçamento, energia elétrica, água encanada, rede de esgotos, transportes coletivos, etc.

Carvalho (2002, p.184) segue a mesma linha de raciocínio de Borzachiello e atrela as precárias mudanças nas condições de vida ao crescimento da expansão urbana, que não atende a demanda dos serviços necessários:

A enorme expansão da população urbana causara grande deterioração nas condições de vida, de vez que as administrações municipais não conseguiam expandir os serviços na mesma rapidez. O que os movimentos [de moradores] pediam eram medidas elementares, como asfaltamento de ruas, redes de água e de esgoto, energia elétrica, transporte público, segurança, serviços de saúde39.

A cidadania e seu exercício em plenitude ganham ares utópicos de um objetivo não atingível por enquanto. Podem-se transformar migalhas em ganhos, direitos em favores.

Percebemos que as pessoas vivem experiências diversas na busca de concretização de sonhos, quer seja em Fortaleza, Nova York, Moscou, Catolé do Rocha, Havana ou Ibiá. A estrutura urbana adequada e as políticas públicas que regulam as cidades nem sempre atingem a todos, especialmente os que não são detentores do capital, mas isto não faz a cidade parar.

Ribeirão das Neves foi loteado quase que totalmente. As antigas fazendas transformaram-se em novos problemas. Isto modificou vidas, transformou as relações sociais, desvalorizou economicamente algumas áreas, alterou a rotina dos antigos moradores, apontou outras possibilidades e o planejamento aparece como algo abstraído da realidade. Ainda hoje não saiu do papel. (Foto 05)

FOTO: 5 – Nos anos 1940, os moradores de Ribeirão das Neves podiam desfrutar de algumas modalidades de lazer que hoje não encontram mais no município. O lazer foi transformado em mercadoria através da moradia. (Foto disponível em www.aciben.org.br).

A especulação imobiliária chegou aos limites do radicalismo naquele município. Aterrou um grande açude que era o ponto de encontro e de lazer das pessoas e fonte de renda para pescadores da localidade; forçou pessoas a venderem as suas antigas fazendas pelas seguidas ameaças de violência e de ocupação forçada das áreas que não concordassem em serem loteadas; acordos espúrios foram feitos com políticos, agentes imobiliários, donos de terras etc. Este movimento especulativo persiste até hoje. O tempo e os interesses imobiliários redefiniram o espaço da cidade e transformaram a história de Ribeirão das Neves.

Atualmente, o discurso da comercialização de imóveis é o mesmo da década de 1970: facilidades para efetuar os débitos relativos à aquisição do bem e a possibilidade de ser dono da própria moradia. A assertiva bíblica que apregoava que não devemos nos preocupar com o dia de amanhã, nem com o que iremos comer

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nem beber, não se estabeleceu. A terra prometida estava posta e o valor a ser pago por ela era possível e atraente naquele momento. (ANEXO 03)

Para entender o avassalador crescimento populacional em Ribeirão das Neves, basta centramos o olhar nos dados disponibilizados pelo IBGE na década de 1970 e nos dias atuais. Quase caímos na falsa armadilha de achar que o crescimento populacional é o responsável pelo caos urbano que tomou conta de Ribeirão das Neves. Não, não foi este o único motivo de Ribeirão das Neves sair do mundo rural para aquilo que alguns interpretam como danação.

Em 1970, Ribeirão das Neves tinha 9.707 habitantes; para 2006, a projeção era de 322.969 residindo no município, segundo dados estimados pelo IBGE (TABELA 01). Como explicar tamanha multiplicação de moradores, sem que houvesse a divisão dos bens e investimentos públicos significativos? Só o apelo imobiliário não se sustenta como resposta pontual. Há um mundo de possibilidades por revelar.

TABELA 1– Expansão Demográfica do Município (1970 –2005).

ANO POPULAÇÃO POP. URBANA POP. RURAL

Tx.

URBANIZAÇÃO

1970 9.707 hab 5.547 hab 4.160 hab 57.05% 1980 67.257 hab 61.670 hab 5.587 hab 91.69% 1991 143.853 hab 119.925 hab 23.928 hab 83.37% 2000 246.846 hab 245.401 hab 1.445 hab 99.41%

2004 299.687 hab _ _ _

2005 311.372 Hab

2006 322.969 Hab _ _ _

Dados estimados – 2004 – 2005 – 2006. Fonte: IBGE

Mesmo com dados não apurados pelo IBGE sobre as populações urbana e rural no município em 2004, 2005 e 2006, na tabela acima podemos visualizar que na década compreendida entre 1991 e 2000, a taxa de urbanização atingiu níveis de quase 100%. Houve uma queda alarmante da população rural neste mesmo período. O aumento da população rural, em Ribeirão das Neves, teve o seu maior crescimento entre 1980 e 1991. Tudo indica que os parâmetros de contagem do Censo, naquela época, eram outros no que se refere à definição do que seja área rural e área urbana. Os loteamentos populares, muitos deles oriundos da divisão das terras pertencentes a fazendas, podem ter sido classificados como área rural, visto que muitos destes loteamentos não tinham um registro formal de sua existência. Eram fazendas loteadas.

Com o intenso processo de crescimento urbano da população da Região Metropolitana de Belo Horizonte de 1980 em diante (não apenas Ribeirão das Neves teve crescimento significativo), muitas pessoas chegaram em Ribeirão das Neves pelos processos migratórios para a Metrópole "inchada".

Sendo assim, a definição dos limites urbanos do município provavelmente datava da década anterior. Neste caso, observamos que a população "rural" de Ribeirão das Neves cresceu mais do que a urbana ou a total, no período 1980/1991. Portanto, não se trata de população rural, a rigor, e sim uma população que se dirigiu às áreas adjacentes aos limites urbanos municipais. Vale lembrar que a definição de área urbana ou rural é da competência do município, que identifica a chamada "sede" como "urbano".

Podemos notar que na década seguinte, ainda que pese o intenso crescimento populacional de Ribeirão das Neves (175%), a taxa de crescimento da população rural foi de absurdos 1.656% negativos. Sendo assim, parece mais

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razoável crer que esta população "rural" não saiu do lugar, ou seja, não houve êxodo rural, mas sim uma nova definição dos limites da sede urbana de Neves pela própria prefeitura. Cabe lembrar que o IPTU - imposto municipal - somente é cobrado na sede, ao passo que áreas consideradas "rurais" pagam ITR, da esfera Federal.

Diante deste crescimento da população total de Neves na década de 1980 e 1990, a Prefeitura certamente aumentou os limites urbanos de sua sede com vistas a obter uma maior arrecadação por meio do IPTU e legalizar propriedades que, a rigor, eram rurais - provavelmente loteamentos irregulares e invasões.

Um dos problemas mais graves do município, segundo o atual prefeito, é a “cultura da inadimplência” em relação ao IPTU local. O dirigente municipal informa que mais de 70% dos moradores não pagam o imposto citado, impedindo assim, a prefeitura de arrecadar os valores esperados e consequentemente, investir mais em educação e saúde. Segundo ele, a inadimplência é histórica em Ribeirão das Neves e arrasta-se desde os anos 1970.40

Ribeirão das Neves detinha, no ano 2000, segundo Gouvêa (2005), a quarta maior densidade habitacional da RMBH (1.603 hab/km2), o mais baixo PIB/Per Capita e 5,06% da população desta Região Metropolitana. Dados significativos para um município que economicamente não tem representação mais elaborada na captação de rendas.

Ribeirão das Neves lida com a alcunha de “cidade-dormitório”. Uma parte expressiva de seus moradores tem em Belo Horizonte a referência do lugar da funcionalidade, do desenvolvimento, do trabalho, do lazer e da economia. Cinemas, shoppings, parques, universidades, serviços públicos, clubes, rodoviária e indústrias estão logo ali, na [grande] cidade vizinha. Mas o que tem Belo Horizonte a ver com

40 Fonte: Rádio CBN Belo Horizonte – Entrevista com o Sr. Wallace Ventura, prefeito de Ribeirão das

Ribeirão das Neves? Como o processo de metropolização da capital mineira se cruzou com a expansão de Ribeirão das Neves? Algumas destas questões estão sendo respondidas ao longo do texto.

1.3. Ainda sobre a cidade de muros: apontamentos sobre a “invisibilidade” do

No documento E STUDO SOBRE A “C (páginas 96-103)