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1. O Enfoque Discursivo: perspectiva histórico-cultural na abordagem

1.2. O paradigma indiciário

Minha busca pela compreensão de formas específicas de um pequeno grupo de professoras interagir com uma proposta, ou reagir a uma interferência, assume que essa compreensão não é necessariamente “generalizável”, aplicável a todos ou a outros grupos, implicando uma forma de pesquisa que se aproxima do estudo de caso (STAKE, 1995).

O paradigma indiciário, a meu ver, oferece um forte respaldo a estudos de realidades particulares, onde manifestações singulares podem abrir frestas para a compreensão de processos complexos. Para reforçar esse argumento, apresentarei a seguir alguns elementos do paradigma indiciário.

Discutido por Ginzburg (1989) no texto “Sinais. Raízes de um paradigma indiciário”, esse paradigma “emerge silenciosamente no âmbito das ciências humanas” (p.143), no final do século XIX, consolidando formas de saber amplamente utilizadas nas mais diferentes esferas da atividade humana, desde que assim puderam ser caracterizadas, encontrando seu mais antigo representante na figura do caçador, agachado, interpretando pegadas na lama deixadas por sua presa.

Ginzburg caracteriza o paradigma indiciário a partir da aproximação de formas de conhecimento de três atividades diferentes: do perito de arte, do detetive e do psicanalista.

Inicialmente, o autor descreve o método empregado por Morelli, contido numa série de artigos sobre pintura italiana, publicados em alemão entre 1874 e 1876. O método usado por Morelli para a atribuição de quadros se baseava na análise minuciosa dos aspectos mais negligenciáveis presentes nas obras de cada pintor, em oposição à análise dos traços mais característicos da escola à qual pertencia, portanto mais facilmente imitáveis. Procedendo dessa forma, catalogou pormenores de obras normalmente esquecidos pelos peritos, tais como formas das unhas, formas dos dedos das mãos e dos pés e formas das orelhas. O fundamento do método está no fato de que nos traços menos significativos da escola é que transparecem as características individuais presentes no traço do pintor.

A segunda atividade descrita por Ginzburg é a da investigação criminal, na figura de seu mais conhecido representante, Sherlock Holmes, da obra de Arthur Conan Doyle. Fazendo uso de um método fortemente apoiado em pormenores, Holmes reconstitui as ações a partir dos indícios deixados por vítimas e criminosos. Interessante notar, como o faz Ginzburg, que as publicações de Conan Doyle datam do mesmo período das de Morelli, além da proximidade entre os métodos utilizados.

A terceira atividade destacada por Ginzburg, ainda menos transparente e menos material que as anteriores, é a psicanálise, a partir de citações do próprio Freud. Conforme mostra o autor, Freud faz referência aos trabalhos de Morelli, dando a ver os modos como o método empregado por este influenciaram a psicanálise, desde sua origem.

Passemos agora aos traços comuns a essas três atividades, no que diz respeito ao método e valorização dos indícios, a partir dos quais Ginzburg sintetiza o que pode ser chamada de essência do paradigma indiciário.

O ponto mais importante do paradigma indiciário é, sem dúvida, a valorização dos pormenores, comumente negligenciáveis, mas que se revelam indícios que permitem construir uma explicação sobre o objeto em estudo. Porém, o indício não é tratado como elemento isolado, mas sim como peça essencial para a decifração da realidade em sua totalidade.

O segundo ponto importante do paradigma indiciário é a valorização do individual, característica essa que o coloca em oposição ao modelo de conhecimento orientado apenas pelas regularidades e pela busca do universal, que, nas ciências humanas, encontra sérias limitações. Contrariando o princípio básico das ciências tradicionais, segundo o qual “do que é individual não se pode falar”, ele busca o conhecimento no único, no indireto, no indiciário, no conjetural. Para fenômenos que escapam à regularidade, considerando a impossibilidade de reproduzir as causas, resta como único caminho o de inferi-las a partir de seus efeitos.

Aplicado à análise de movimentos discursivos, o paradigma indiciário aponta para os indícios contidos nas falas individuais, percebendo-as não como reprodução de estruturas da língua que “fala” através dos falantes, mas como discursos elaborados em condições específicas (materiais, históricas, sociais, políticas etc.), nos quais pesam a estrutura da língua, os sentidos já existentes, as condições macrossociais, mas que também passam por elaborações e deslocamentos de sentido. Na tensão entre os significados (léxico) e os sentidos (semântico), produzida nas condições concretas do discurso, é que se dá a evolução da língua, assim como das palavras e dos conceitos.

A busca de indícios de processos de elaboração das professoras, nos movimentos discursivos ocorridos no grupo, pode se apoiar em elementos do paradigma indiciário, conforme proposto por Ginzburg. Os movimentos discursivos, apesar de, neste estudo, registrados e materializados nas gravações em vídeo, não são transparentes, uma vez que se fundam nos significados e nos sentidos em construção pelos participantes, que por sua vez dependem da memória, da história de vida, dos papéis sociais que cada um ocupa. Estes últimos remetem às estruturas de poder, a partir das quais e até contra as quais os indivíduos se constituem, mas ao mesmo tempo conferindo-lhes outros sentidos.

Assim, cabe à análise desses movimentos discursivos a busca de indícios que permitam decifrar esta realidade manifesta nas falas, nos gestos e nos silêncios de cada um.

As escolhas de caráter teórico e metodológico aqui apresentadas, implicam, por um lado, uma análise histórica das atividades práticas no ensino de ciências,

feita no capítulo 2, e por outro lado, uma análise das condições de produção das práticas pedagógicas, através das interferências sobre o trabalho dos professores, feita no capítulo 3.

2. As Práticas Experimentais no ensino de ciências: uma aproximação dos

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