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Paradigmas que orientam os diferentes significados de qualidade, da

No documento NELSON DE ABREU JÚNIOR (páginas 87-90)

1 TENSÕES ENTRE OS MÚLTIPLOS ENTENDIMENTOS DO PAPEL

1.1 Paradigmas que orientam os diferentes significados de qualidade, da

A questão da qualidade da educação superior sempre foi tratada pela literatura como um conceito polissêmico, árduo e subjetivo, carregado de ideologias e modelos de sociedade pretendidos. Dias Sobrinho (2008) assinala a existência de pelo menos dois paradigmas do que seria a educação superior de qualidade, que refletem projetos bem distintos de homem e sociedade:

a) a qualidade orientada a critérios que se pretendem objetivos, universais, ancorados em rigores científicos quantitativos e mensuráveis, associados às variáveis econômicas, tais como índice de desenvolvimento, cálculos do custo/benefício dos investimentos comparados com a matrícula, relação aluno/docente, tempo de formação, taxa de escolarização bruta e líquida, avaliação de desempenho de produto, capacidade de captação de recursos em variadas fontes, entre outros indicadores;

b) o outro paradigma, sem negar a importância do primeiro, considera também as realidades políticas e sociais das instituições e dos sistemas educacionais, integra elementos qualitativos tais como valores e atitudes éticas presentes no projeto de formação, a inserção da universidade nas estratégias nacionais e internacionais de consolidação da democracia, o desenvolvimento sustentável da cidadania e da economia, o respeito às identidades culturais e aos ideais de coesão dos povos.

Guadilla (1997), da Universidade Central da Venezuela, chega a defender que, na sociedade baseada no conhecimento, a redistribuição da riqueza implica redistribuição do conhecimento, chamando para a universidade latino-americana a responsabilidade de contribuir para a equidade por meio de propostas para uma política educacional de maior relevância social. Destaca que o discurso modernizador das universidades da região representa um eco do discurso dos países ditos mais avançados: maior produtividade em

ciência e tecnologia, relações mais estritas com a indústria, melhoria da instituição universitária por meio de avaliação, novas formas de gestão, mudanças nos marcos regulatórios, entre outros.

Observe-se que, para analisar o tema da qualidade da educação superior, tal como proposta no início deste capítulo, é mister evidenciar a importância de se definir qual deveria ser o papel da educação superior e suas instituições em uma dada sociedade, que a Unesco denomina de pertinência. Ao desenvolver políticas de inclusão para a renda e/ou para o mundo do trabalho, as universidades assumem, entre as suas múltiplas funções, a de prestadora de serviços à sociedade, o que irá confundi-la com o papel dos governos e colocar em risco a missão e autonomia universitárias.

Cabe aqui uma breve reflexão acerca do conceito de pertinência como critério de qualidade em educação. Goergen (2010) alerta para o risco do uso superficial do termo pertinência, que pressupõe uma autonomia e neutralidade do social, como um “conjunto de necessidades e aspirações pretensamente representantes das genuínas expectativas da sociedade” (GOERGEN, 2010, p. 62), que deveria orientar a universidade como critério aproximativo de sua qualidade social.

Parece haver dois discursos perfilados e incomunicantes entre si na abordagem da qualidade: o primeiro se conduz pelo padrão da utilidade e da eficiência tendo como parâmetro a razão estratégica ou instrumental, respondendo à exigência sistêmica de performatividade, posto como pano de fundo dos organismos internacionais, tais como Unesco, OCDE e Banco Mundial em seus documentos. O segundo discurso se orienta pelo ideal altruísta do coletivo e do social articulado pela razão dialético-crítica, respondendo às expectativas de humanização coletiva, próprios da visão crítica proposta pelo mundo acadêmico.

A sociedade contemporânea se vê, de um lado, em um cenário em que acontecimentos, conflitos, crises e urgências econômicas internacionais se projetam sobre os rumos tanto da economia quanto da ciência & tecnologia regionais e, de outro, observa-se um cenário marcado por anseios, necessidades, aspirações e demandas das comunidades locais ou regionais (GOERGEN, 2010).

Ao simplesmente aceitar a realidade das premências econômicas e tecnológicas e adaptar-se a elas como fato, a universidade pode transformar-se em um instrumento dos grandes movimentos internacionais e desprezar os interesses locais e regionais, desviando-se de suas funções de crítica e construtora de uma sociedade mais justa e igualitária.

Por outro lado, abster das questões presentes em seu entorno, produzirá o encastelamento e a perda da sintonia com o seu tempo, esvaziando a importância e o protagonismo da instituição na produção, disseminação e armazenamento do conhecimento ao longo da história da humanidade.

A instituição universitária convive com a tensão entre melhorar a empregabilidade das pessoas nos países periféricos, e, ao mesmo tempo, resistir a uma função limitada de formar mão de obra treinada e acrítica para as formas de globalização predatórias à sociedade.

Outro elemento que compõe o debate acerca da qualidade e o consequente fortalecimento das experiências que “deram certo”, impondo às demais instituições o esvaziamento das singularidades institucionais e o direito à diversidade. Tal elemento, dado o movimento de liberalização da economia e a redução da participação do Estado na garantia dos direitos sociais, deixa as instituições universitárias mais perto do mercado do que do Estado e dos interesses públicos envolvidos na educação universitária.

Enquanto as instituições, por exemplo, as europeias, estão buscando o refinamento de uma formação de tempo integral compartilhando culturas e know-how entre países parceiros de grandes blocos econômicos, com projetos de aprendizagem multi-idiomático e cada vez mais centrado na autonomia da aprendizagem, nos países subdesenvolvidos observamos um grande atraso na consolidação de universidades mantidas pelo poder público e ondas de crescimento exponencial de instituições geridas, de forma prioritária, para remunerar o capital dos investidores do mercado privado e todas as mazelas que isso pode representar no processo formativo de seus egressos.

Citando Garcia-Guadilla, Dias Sobrinho (2008) assevera que a qualidade se vincula à produção do conhecimento, levando em consideração o entorno em que estão envolvidas as instituições, havendo a necessidade de uma aproximação entre os que produzem e os que se apropriam do conhecimento, ou seja, os estudantes e a comunidade em que as instituições estão inseridas, especialmente os demais níveis de educação. Nessa perspectiva mais ampla, a qualidade seria validada pela sua pertinência social, na medida em que o conhecimento passa a ter valor público, contribui para o desenvolvimento social e está serviço da construção de sociedades democráticas e justas, rechaçando a vinculação direta de ideias mercantis e lógicas empresariais aplicadas à educação.

Além de formar cidadãos e profissionais com as qualidades necessárias para a construção de sociedades democráticas e desenvolvidas, a educação superior, nessa perspectiva, deve fortalecer a memória cultural e as identidades plurais em cada nação e, no caso dos países em vias de desenvolvimento, deve, em nome da responsabilidade

social das instituições educacionais, enfrentar a falta de equidade presente nos sistemas educacionais.

1.2 Diretrizes políticas para a educação superior segundo os organismos

No documento NELSON DE ABREU JÚNIOR (páginas 87-90)

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