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Paradigmas e referenciais teóricos

A escolha dos métodos para a realização de determinado estudo depende, em grande parte, da natureza das questões a serem investigadas. Ou seja, é preciso que se tenha claro, em primeiro lugar, de qual paradigma estamos partindo.

Paradigma representa um conjunto de pressupostos referentes à realidade (ontologia), ao conhecimento desta realidade (epistemologia) e aos meios de busca de conhecimento sobre essa realidade (metodologia). Segundo Muller, o paradigma relacionado ao conhecimento que auxilia o ser humano a manter a vida cultural, a comunicação simbólica e o significado (Muller, 1999). É a base da investigação construtivista e também é denominado investigação naturalista ou pensamento interpretativo. Os construtivistas afirmam que a verdade é relativa, sendo resultado de perspectiva e buscam suas raízes na Fenomenologia.

Nestas, a importância das criações humanas subjetivas é reconhecida, mas também se mantém alguma noção de objetividade. Na realidade, o paradigma construtivista enfatiza o pluralismo e não a subjetividade. Os métodos de pesquisa qualitativos geralmente informam conhecimento construtivista. (Muller, 1999)

Fenomenologia é uma palavra de origem grega. Deriva de duas outras: phaínomenon e logos. Phaínomenon deriva de phaínesthai, pôr na luz, na claridade; luz. Fenômeno é o que se mostra ou manifesta, o que se põe à luz e não é, portanto, aparência. Logos é manifestação. A palavra logos, para os gregos, é extremamente rica e podem lhe ser atribuídas diversas significações. Em português pode ser traduzido por verbo, palavra, razão. Fenomenologia é o estudo daquilo que se mostra. Fenomenologia, portanto, é a ciência da experiência. Os objetos da fenomenologia são as essências dos dados de fato, são os universais que a consciência intui quando a ela se apresentam os fenômenos.

A Fenomenologia representa um movimento filosófico cujo objetivo primário é a investigação e descrição direta de um fenômeno conscientemente experimentado. Suas bases fundamentam-se no pensamento de Husserl, matemático e filósofo que nasceu no final do século XIX. Sua principal obra acerca do tema foi lançada em 1931. Seu

surgimento foi decorrente dos anseios de pesquisadores os quais consideraram o método científico vigente insuficiente para o estudo da experiência humana, pois este a reduziria a um pequeno número de conceitos (Veal, 2001). A Fenomenologia busca o entendimento das experiências vividas por indivíduos em sua vida diária. É a busca das essências e responde a questões como: “Qual a essência de tal experiência?”; “Como foi ter tido tal experiência?”. Para responder a tais questões, o pesquisador necessita colocar à parte ideias préconcebidas. A Fenomenologia envolve o estudo de questões abrangentes sobre experiências e realidades humanas, estudadas através do contato sustentado com pessoas em seu ambiente natural e gerando dados ricos e descritivos que nos ajudam a entender a experiência dos participantes.

Para Dartiegues (1992), a Fenomenologia é uma ciência rigorosa, porém não exata. É uma ciência eidética (que busca a compreensão das essências), que procede por descrição e não por dedução. A fenomenologia se ocupa da análise e interpretação dos fenômenos, mas com uma atitude totalmente diferente das ciências empíricas e exatas. Os fenômenos são os vividos pela consciência, os atos e os correlatos dessa consciência. O método fenomenológico se caracteriza pela reconsideração de todos os conteúdos da consciência. Não se questiona a veracidade de tais conteúdos, mas eles são tomados enquanto puramente dados. Para tanto, alguns dos adeptos da Fenomenologia propõem uma suspensão do juízo (epochê), pois somente assim é possível descrever os fenômenos em sua pureza.

Escolhemos para o presente estudo o método qualitativo de pesquisa, uma vez que este tipo de investigação trabalha com valores, crenças, hábitos, atitudes, representações, opiniões e adequa-se a aprofundar a complexidade de fatos e processos particulares e específicos a indivíduos e grupos.

Isto posto, cabe apresentar as características particulares da investigação qualitativa. O universo não passível de ser captado por hipóteses perceptíveis, verificáveis e de difícil quantificação é o campo, por excelência, das pesquisas qualitativas. A imersão na esfera da subjetividade e do simbolismo, firmemente enraizados no contexto social do qual emergem, é condição essencial para o seu desenvolvimento. Através dela, consegue-se penetrar nas intenções e motivos, a partir dos quais ações e relações adquirem sentido. Sua utilização é, portanto, indispensável quando os temas pesquisados demandam um estudo fundamentalmente interpretativo.

Entre suas características encontram-se as mencionadas por Chizzotti (1991)quais sejam, a imersão do pesquisador nas circunstâncias e contexto da pesquisa, a saber, o

mergulho nos sentidos e emoções; o reconhecimento dos atores sociais como sujeitos que produzem conhecimentos e práticas; os resultados como fruto de um trabalho coletivo resultante da dinâmica entre pesquisador e pesquisado; a aceitação de todos os fenômenos como igualmente importantes e preciosos: a constância e a ocasionalidade, a frequência e a interrupção, a fala e o silêncio, as revelações e os ocultamentos, a continuidade e a ruptura, o significado manifesto e o que permanece oculto.

Velho (1978) discutindo a identificação da antropologia com os métodos qualitativos de pesquisa, reforça que o envolvimento inevitável com o objeto de estudo não constitui defeito ou imperfeição dos métodos utilizados. Sendo o pesquisador membro da sociedade, cabe-lhe o cuidado e a capacidade de relativizar o seu próprio lugar ou de transcendê-lo de forma a poder colocar-se no lugar do outro. Mesmo assim, a realidade, familiar ou inusitada, será sempre filtrada por um determinado ponto de vista do observador, o que não invalida seu rigor científico, mas remete à necessidade de percebê-lo enquanto objetividade relativa, mais ou menos ideológica e sempre interpretativa.

Da Mata (1978) igualmente endossa esta postura quando se refere à relação entre sujeito e objeto nos estudos etnográficos:

“(...) para distinguir o piscar mecânico e fisiológico de uma piscadela sutil e comunicativa, é preciso sentir a marginalidade, a solidão e a saudade. É preciso cruzar os caminhos da empatia e da humildade”.

Em pesquisa qualitativa não se busca estudar um fenômeno em si, mas sim entender seu significado individual ou coletivo para a vida das pessoas. Torna-se indispensável assim saber o que os fenômenos da doença e da vida em geral representam para elas. O significado tem função estruturante: em torno do que as coisas significam, as pessoas organizarão de certo modo suas vidas, incluindo seus próprios cuidados com a saúde. Quando participantes e pesquisadores interagem e são ativamente incluídos nos processos de avaliação, as estratégias de pesquisa qualitativa são muito úteis. (Turato, 2005)

Em decorrência da natureza das questões a serem exploradas, as quais se encaixam plenamente no paradigma construtivista, métodos qualitativos serão adotados para nortear este estudo e, de maneira particular, a abordagem da História Oral de Vida. Ao buscarmos a compreensão do fenômeno, não partiremos de teorias préestabelecídas,

mas vamos recolhendo as experiências vivenciadas pelos profissionais envolvidos no transplante do coração, quais os significados atribuídos a esse fenômeno a partir de sua experiência vivida no mundo.