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Paralelo com a transi¸c˜ao de fase de primeira ordem

O enovelamento de prote´ına globular pequena ´e geralmente comparado a uma transi¸c˜ao de fase de primeira ordem, porque durante a transi¸c˜ao os estados nativo e desnaturado mantˆem-se separados [129]. Este processo ´e oposto ao que ocorre em uma transi¸c˜ao cont´ınua, quando uma ´unica popula¸c˜ao se desloca de um estado A para um estado B passando por v´arios estados intermedi´arios.

Figura 7.1: Entropia em fun¸c˜ao da energia numa regi˜ao em que ocorre uma transi¸c˜ao de fase de primeira ordem. Figura extra´ıda da Ref. [106].

t´ıpicos de sistemas macrosc´opicos apare¸cam em sua termodinˆamica, mas de forma me- nos acentuada. Por exemplo, embora algumas prote´ınas cooperativas apresentem uma transi¸c˜ao que ´e muito similar a uma transi¸c˜ao de fase de primeira ordem, esta n˜ao ocorre de forma abrupta, mas num intervalo pequeno de temperaturas.

Para compreender melhor os elementos que fazem com que um modelo de prote´ınas seja cooperativo, ou pouco cooperativo, vamos discutir brevemente a termodinˆamica das transi¸c˜oes de fase de primeira ordem. Maiores detalhes podem ser encontrados em livros texto de termodinˆamica e mecˆanica estat´ıstica [93, 106]. Para uma discuss˜ao mais deta- lhada sobre este paralelo entre a transi¸c˜ao de enovelamento e uma transi¸c˜ao de fase de primeira ordem, recomendamos a leitura da ref. [129].

Um sistema fechado pode ser descrito pela rela¸c˜ao entre entropia e energia, dada por:

S(E) = kBln g(E), (7.10)

onde g(E) ´e a densidade de estados do sistema, com g(E)∆E sendo o n´umero de micro- estados entre E e E + ∆E. A estabilidade termodinˆamica exige que esta entropia seja cˆoncava, i.e., ∂S2/∂2E < 0. Quando a fun¸c˜ao (7.10) possui uma regi˜ao convexa, indi-

cando a existˆencia de uma instabilidade, ´e necess´ario construir um envelope de tangentes `a entropia e substituir a regi˜ao contendo a convexidade por uma tangente como a da figura 7.1, que toca um ponto B anterior e um ponto F posterior `a instabilidade. Desta forma, quando a temperatura do sistema, 1/T = ∂S/∂E aumenta atingindo o ponto B

ocorre uma transi¸c˜ao de fase, onde os estados B e F, coexistem evitando que o sistema acesse os estados intermedi´arios entre B e F. Embora os estados entre os pontos C e E sejam inst´aveis e inacess´ıveis, nada impede que o sistema acesse os estados localizados entre B e C, no entanto, na temperatura em que estes estados podem ser encontrados, eles apresentam uma entropia menor que a dos estados acess´ıveis ap´os a transi¸c˜ao de fase, e por esse motivo, s˜ao estados metaest´aveis. ´E poss´ıvel obter materiais em fases metaest´aveis desde que se “impe¸ca” a transi¸c˜ao de fase. Al´em disso, os trechos BC e EF podem ser obtidos em solu¸c˜oes anal´ıticas aproximadas, como em c´alculos de campo m´edio. Contudo, em muitos sistemas, como no caso dos l´ıquidos, pequenas flutua¸c˜oes s˜ao suficientes para levar o sistema para o estado termodinamicamente est´avel.

Pelo fato de uma prote´ına ser um sistema mesosc´opico, ela n˜ao satisfaz os requisitos de um sistema no limite termodinˆamico (no sentido de que o tamanho do polipept´ıdio tende ao infinito). Mesmo assim, podemos introduzir uma entropia microsc´opica usando a de- fini¸c˜ao (7.10) e utiliz´a-la para fazer uma analogia entre transi¸c˜ao de fase de primeira ordem num sistema macrosc´opico e a transi¸c˜ao de dois estados num sistema mesosc´opico. Neste caso, se houver uma convexidade na entropia microsc´opica de um sistema mesosc´opico, esperamos que uma transi¸c˜ao de dois estados apare¸ca ligando um ponto N anterior `a convexidade a um ponto posterior D. A temperatura em que esta transi¸c˜ao ocorre ser´a aproximadamente Tf = (ED − EN)/(SD − SN). Entretanto, os estados localizados na

regi˜ao “inst´avel” devem estar presentes com uma pequena popula¸c˜ao no ponto m´edio da transi¸c˜ao que, embora seja acess´ıvel em simula¸c˜oes Monte Carlo, n˜ao ´e relevante para a termodinˆamica quando se trata de um sistema cooperativo. Por outro lado, quando o sistema n˜ao ´e cooperativo, os estados intermedi´arios d˜ao uma contribui¸c˜ao relevante para a termodinˆamica de enovelamento.

Desta forma, procuraremos criar uma “instabilidade” na regi˜ao intermedi´aria entre os estados nativo e desnaturado, introduzindo um ingrediente energ´etico que desfavore¸ca os estados intermedi´arios. Este ingrediente ´e a liga¸c˜ao de hidrogˆenio, que ser´a utilizada em uma abordagem diferente da comumente adotada na literatura. Ao inv´es de assumirmos que a liga¸c˜ao de hidrogˆenio na prote´ına ´e mais favor´avel que no solvente (que implica em uma diminui¸c˜ao na energia para cada liga¸c˜ao formada), assumimos que as energias da liga¸c˜ao de hidrogˆenio na prote´ına e no solvente s˜ao idˆenticas, mas que existe um custo energ´etico para que um monˆomero se enterre no interior da prote´ına sem uma liga¸c˜ao.

Figura 7.2: Passos poss´ıveis entre monˆomeros vizinhos. Al´em dos quatro vetores (±1, 0) e (0, ±1) da rede quadrada usual, os quatro vetores ligando aos segundos vizinhos (±1, ±1) tamb´em s˜ao permitidos, resultando em um n´umero vari´avel de conforma¸c˜oes locais por monˆomero, ou coordena¸c˜ao z, assim como em duas distˆancias poss´ıveis para as liga¸c˜oes, i.e., 1 e √2 unidades de rede. A figura representa com linhas pontilhadas as posi¸c˜oes poss´ıveis para a inser¸c˜ao de um terceiro monˆomero, ap´os dois monˆomeros terem sido posicionados, em uma cadeia polim´erica com os diferentes valores de z utilizados neste trabalho. (a) Rede com coodena¸c˜ao z = 2, sem passos entre os segundos vizinhos e apenas com todas liga¸c˜oes formando um ˆangulo de 90◦. (b) Rede quadrada usual, com coordena¸c˜ao z = 3. (c) Rede estendida com z = 5, com passos entre os primeiros vizinhos, mas com nenhuma liga¸c˜ao cujos ˆangulos s˜ao menores do que 90◦. (d) Rede estendida com z = 7, onde todas as liga¸c˜oes com os primeiros vizinhos podem ser feitas, sem nenhuma restri¸c˜ao no ˆangulo entre liga¸c˜oes subseq¨uentes. Para uma determinada combina¸c˜ao z/zh, z define o conjunto de conforma¸c˜oes permitidas para cada monˆomero enquanto zh < z define o subconjunto de conforma¸c˜oes locais assumidas como compat´ıveis para a forma¸c˜ao da liga¸c˜ao de hidrogˆenio.

Este custo energ´etico ´e, na verdade, uma penaliza¸c˜ao para cada liga¸c˜ao quebrada devido ao enterramento de um monˆomero (ou um par de monˆomeros) em uma conforma¸c˜ao que n˜ao permite a realiza¸c˜ao da liga¸c˜ao, que existia enquanto o monˆomero estava exposto ao solvente.

Dois estudos diferentes foram realizados visando incluir a liga¸c˜ao de hidrogˆenio em modelos de polipept´ıdios em rede para entender a contribui¸c˜ao desta intera¸c˜ao na coope- ratividade. Em um primeiro momento, estudamos modelos de heteropol´ımeros bidimensi- onais e tridimensionais, considerando que a liga¸c˜ao hidrof´obica s´o contribui para a energia quando os dois monˆomeros se encontram em conforma¸c˜oes compat´ıveis com a forma¸c˜ao de liga¸c˜oes de hidrogˆenio [135]. Posteriormente, fizemos um estudo mais detalhado sobre as diferentes defini¸c˜oes de liga¸c˜oes de hidrogˆenio, considerando tanto as hip´oteses energ´eticas quanto as restri¸c˜oes geom´etricas poss´ıveis, e estudamos a cooperatividade de um modelo de homopolipept´ıdio em rede [136]. Na pr´oxima se¸c˜ao discutiremos estes dois estudos.

Figura 7.3: Ilustra¸c˜ao das liga¸c˜oes de hidrogˆenio do tipo α e β, acopladas e desacopladas, para z/zh = 7/3 em uma conforma¸c˜ao com 16 monˆomeros. Passos diagonais s˜ao permitidos, j´a que z = 7, mas como zh= 3, apenas os monˆomeros de 5 a 14, que est˜ao conectados aos monˆomeros vizinhos com passos n˜ao diagonais, s˜ao compat´ıveis com a forma¸c˜ao de liga¸c˜oes de hidrogˆenio. De acordo com a defini¸c˜ao de liga¸c˜oes de hidrogˆenio α, uma liga¸c˜ao de hidrogˆenio ´e contada para cada um destes monˆomeros, que est˜ao pintados de preto. Destes monˆomeros apenas aqueles com n´umero 9, 11, 12 e 14, mostrados com quadrados, tamb´em s˜ao compat´ıveis com a defini¸c˜ao de uma liga¸c˜ao de hidrogˆenio β. Figura extra´ıda da Ref. [136].

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