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PARALOGISMOS DA RAZÃO PURA – O USO TRANSCENDENTE DA IDEIA

5. O EU NUMÊNICO E A IDEIA REGULATIVA DE EU OU ALMA

5.2 PARALOGISMOS DA RAZÃO PURA – O USO TRANSCENDENTE DA IDEIA

PSICOLÓGICA

Enquanto no juízo categórico o raciocínio em busca do incondicionado traz a ideia de uma unidade absoluta do sujeito do pensamento, traz consigo a aplicação ilegítima das categorias puras do pensamento ao “eu” enquanto um objeto a priori. A ideia de uma psicologia a priori, ou seja, para a determinação a priori do conceito de “eu”, Kant chama Psicologia Racional ou doutrina transcendental da alma. Seu objetivo é refutar as teses de que é possível um conhecimento metafísico da alma por argumentos meramente racionais, sem relação com a experiência.

Kant pensa que não se pode derivar universalidade absoluta de nenhuma experiência. Enquanto a alma é pensada como a condição universal de um sujeito dos pensamentos, e como esta condição não pode ser dada na experiência, a dialética inevitável da razão humana aplica as categorias puras ao “eu penso”, que é a condição fundamental para toda a cognição possível. Enquanto o “eu penso” é veículo de todos os conceitos possíveis, também dos conceitos transcendentais, confunde-se a necessidade lógica do sujeito com a sua realidade ontológica. A unidade do sujeito no sentido interno chama-se alma, e no sentido externo, corpo. Para que o conhecimento seja absolutamente a priori, deve-se excluir tudo o que é empírico. O corpo é evidentemente empírico. Porém, a psicologia racional confunde o “eu” enquanto objeto do sentido interno, que é sempre objeto fenomênico, logo, empírico, com o “eu penso” enquanto condição transcendental para todos os pensamentos. Do fato de que o “eu penso” é dado ao próprio sujeito como necessidade transcendental para todos os pensamentos, e que mediante o sentido interno pode ser percebido enquanto tal, confunde-se a mera necessidade lógica de um sujeito do pensamento (que é transcendental) com a relação empírica do pensamento no tempo. Abstraindo de cada pensamento empírico dado, encontra- se a forma geral do “eu penso”, e acreditando este objeto como um objeto que pode ser conhecido diretamente, como é em si, aplicam-se a ele conceitos puros do entendimento.

A aplicação dos conceitos ao “eu” ou alma enquanto objeto em geral, gera as seguintes relações: (1) a alma é substancia; (2) a alma é uma substancia simples (3) é uma unidade no tempo (4) está em relação com possíveis objetos no espaço. O problema, segundo Kant, é que se passa da simples afirmação da necessidade transcendental de um sujeito lógico das representações e dos discursos, para a aplicação de conceitos deste “eu” como objeto. Segundo Kant: “O que é objeto não é a consciência de mim próprio determinante, mas apenas determinável, isto é, da minha intuição interna [...]116”. Deve-se desta maneira sempre distinguir o “eu” transcendental, que é sempre sujeito, do “eu” enquanto objeto. O “eu” como objeto é sempre objeto fenomênico, e sendo assim é ou sujeito empírico ou as simples condições transcendentais para determinadas representações possíveis – o puro “eu penso” enquanto permanência temporal diante das possíveis representações e o reconhecimento da sua atividade sintética.

116 KrV, B 407.

Em suma, os paralogismos se resumem à confusão do “eu” enquanto sujeito dos pensamentos com o “eu” enquanto objeto de juízos determinados, ou seja, enquanto objeto de conhecimento. Neste sentido, Kant demonstra a diferença do sujeito na sua reflexividade, mostrando que com este movimento reflexivo se põe também uma mediação, o que põe a diferença do “eu” para si mesmo. O “eu” não é totalmente transparente para si mesmo enquanto objeto, isto é, não tem acesso imediato à sua própria constituição ontológica. O conhecimento do “eu” enquanto objeto em geral (de uma determinação universal, portanto, e não de um determinado sujeito empírico) só pode ser conhecido de acordo com os predicados que lhe são inerentes. Mas a predicação de objetos depende das categorias do entendimento do sujeito, que só tem significação se relacionadas com intuições sensíveis. Como a intuição sensível determina a fenomenalidade do conhecimento, todo conhecimento do “eu” que vá além da determinação do sujeito como sujeito lógico dos discursos é uma determinação empírica. Portanto, a Psicologia Racional não tem validade.

Para que o “eu penso” possa sair da absurda tautologia “eu penso o eu penso”, ele deve preencher, antes, o “eu penso X”, colocando “X” como conceito de um objeto que possa ser preenchido por uma intuição sensível. Enquanto a própria intuição pura do sujeito não pode determinar nada como objeto senão o puro pensar (vazio), para que haja algo para ser pensado deve haver (1) a determinação possível de “X” a partir das categorias (2) a intuição sensível, isto é, a determinação de um tempo ou um lugar no espaço como condição mínima, sobre a qual seja aplicada a unidade dos predicados conceituais de “X”, preenchendo assim o conceito do objeto com uma experiência possível.

Visto que a proposição “eu penso substância” não é a determinação de um objeto, mas o puro pensar de uma categoria, o “eu penso o eu penso como substância” exige uma determinação empírica, que só pode ser dada mediante a relação entre vários pensamentos determinados (“eu penso A, eu penso B, eu penso C”) e assim aplicar este conceito de permanência a este determinado sujeito (empírico) que teve estes pensamentos e permanece o substrato da sucessão das representações sucessivas.

A aplicação das categorias ao puro pensar não é nada além de um uso puro do pensamento, que só pode referir-se a si mesmo (enquanto pensamento mediante o pensar de objetos e suas determinações). Desta maneira a reflexividade encontra no máximo as condições transcendentais de pensar do sujeito enquanto sujeito, e somente empiricamente sua

determinação enquanto objeto. A conclusão de Kant é que toda Psicologia é empírica, e não é possível uma determinação do “eu” senão enquanto objeto empírico.